Candido Neto 04/12/2020Como morrer mais profundamente ou mais extensivamente.O que foi dito no livro de Cuenca não cabe no livro, num livro, em alguma coisa de ler. O autor faz o leitor ler o tempo do livro, o espírito da época, depois o Brasil, o Rio e depois uma coleção de ruas e paisagens, não sem tentar rotas de fuga, mas em segredo ele olha para seu lugar vazio e volta para este lugar. Ele não foge de seu locus, ele se afasta para olhar seu lugar de outra perspectiva ( é isso o que faz a leitura de um modo geral?).
Há um clip do Robbie Williams, Rock DJ, sob efeito da música ele dança para mulheres que rodopiam ao redor dele em patins, ele tira a roupa, e o streptease prende a atenção daquele público, mas a nudez não consegue isso, então ele despe a pele e depois se decompõe músculo por músculo, até seu esqueleto glorioso sensualizar com a DJ. É isso o que faz J.P. descarna seu nome, seu habitat, suas relações, seus vínculos laborais, sua verve e literatura, seu telefone, seus hábitos, signos, identidade, seu rosto, sua integridade.
Mas o que forma Cuenca? Se ele assumidamente é o personagem fictício de seu romance, quem é esse a quem presenciamos a desmontagem a partir do nome Cuenca?
Na verdade a brincadeira não está em saber quem era o personagem real que gerou a personagem imaginária. A brincadeira é observar a decomposição de uma pessoa sem tentar se desmontar também (crianças, não façam isso em casa - em canto algum).
O livro curto é montado em quatro capítulos, e esses em breves sessões. A forma de escrita é homogênea em substâncias, e diversa em intensidades e textura. Narrativa, ensaio, fluxo de pensamento, descrição, tudo compõe o romance-caleidoscópio. Por isso é bom seguir a sugestão do personagem e observar o livro a distância de vez em quando.
Hermético? Talvez pornográfico, não de cunho sexual, no sentido de iniciar, percorrer e terminar um percurso mimético sem interações do Cuenca ficcional com mais nenhum personagem, todo diálogo e existência de qualquer pessoa no livro é para o ser do protagonista. E isso não é bom, ou ruim, isso apenas é o que é.
Thiago Novaes falou em qualquer lugar do YouTube, a violência está para a morte como a pornografia está para a insignificância. Esse é talvez um livro sobre a insignificância de tudo o que podemos nomear.