Tentativas de capturar o ar

Tentativas de capturar o ar Flávio Izhaki




Resenhas - Tentativas de capturar o ar


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Renato 08/10/2016

Fraturas do pai
Memória é valor ou repetição. Este conceito apesar de simplista parece ser o consenso, em qualquer forma de estudo acadêmico sobre a memória. Mesmo que os especialistas de lados extremos se julguem opostos. Eventualmente são. Eventualmente não. Aqueles que enxergam a garrafa pelo fundo a descrevem pela rigidez da forma e do vidro. A estrutura daquilo que a sustenta. ​Aqueles que vislumbram o bico percebem a abertura e o ar, o som que vibra no conteúdo. São ambas faces aparentemente opostas da mesma estrutura.

"Tentativas de capturar o ar " de Flávio Izhaki é um livro sobre a memória, tema recorrente, se não onipresente na literatura que pretende estar além da escrita. Percebe-se duas formas de se abordar a memória em seu livro, a memória da narrativa e a memória dos personagens. A primeira, mais evidente,
demora um pouco para brotar da sua narrativa aparentemente fragmentada e desconexa. Seus personagens, seu livro, na verdade são perfeitamente amarrados e unos, e giram em torno de duas construções. Uma delas é a construção da memória do pai. Não o pai autoritário, dono da família, como aparece na literatura regionalista ou no século XIX. É um pai onipresente. Um pai que se marca pela presença, ainda que morto, que também marca pela angústia, pela sombra, pelo impedimento da individualidade criado pela forte memória inscrita no filho.

Os pais de Izhaki são marcantes, e os filhos percorrem a narrativa buscando seus pontos de ausência, suas falhas. Para conquistar sua identidade, ou para preencher os vazios criados pelas limitações do pai. Vazios na memória do pai, vazios de sentido na vida dos filhos. Ao fugir do pai e ao reaproximar-se, tentando compreendê-lo através da biografia, os personagens de Izhaki se perguntam como aceitar a fragilidade do herói, modelo e definidor de identidade, aquele que abandona sua carreira pelo sentimento de culpa. Como aceitar aquele que se torna ausente pela separação? Como lidar cm o vazio da falha, a quebra do espelho? Os filhos de Izhaki tentam construir sua individualidade escrevendo a biografia do pai. Esta é a grande beleza do texto.

Além de sua escrita, Izhaki consegue perceber racional ou intuitivamente como a figura do pai idealizado, narcisista ou não, se inscreve na formação da personalidade de um filho. A memória profunda, o inconsciente, de acordo com o lado da garrafa, são escritos pela intensidade da marca do pai e sua repetida presença. O outro que define o sujeito, o filho cujos destino foi inscrito pelo desejo do pai. Memória é identidade, com mais cores do que imaginamos.

"Tentativas de capturar o ar" não se esgota na discussão sobre o pai. Esta é a porta de entrada. Em pequenas digressões, e no desenrolar da narrativa, vemos que Izhaki quer tentar dissolver a noção da biografia de um indivíduo como sua história objetiva. Biografias e memórias também são construções. Ao tentar reconstruir a biografia do escritor AR, ao buscar a história de cada pai, percebemos que o indivíduo vive na sombra inatingível. A história do outro é uma ficção de si mesmo.

"As pessoas não são somente elas, mas a forma como o outro as enxergam, completam as lacunas. Completamos a escuridão dos outros com nossa luz e depois os julgamos embelezados com nosso brilho. Mas isso é um erro. É nessa falta de luz que está a verdade impossível de ser decifrada. Lá está a verdade de cada um. É lá dentro que tudo acontece, as decisões são tomadas. Principalmente as decisões que machucam outras pessoas." (Página 196)

Para se inscrever na história da memória do pai, Izhaki prioriza deixar sua marca através da forma da narrativa. Ele opta por construir focos narrativos distintos em torno dos mesmos personagens. O que poderia ser uma colagem sem unidade, um experimento charmoso e pouco relevante, é na verdade sua unidade que reforça o sentido. É esta unidade, a marca do pai inscrita na forma do texto que dá sua força e a possibilidade de memória do livro. Marca ou repetição. Quantas vezes não lemos livros brilhantes, geniais, quantas vezes não glorificamos escritores, sua técnica impecável quando não revolucionária, para no mês seguinte nos esquecemos de termos lido a obra? É no valor e na repetição que uma obra se marca, porque a relevância nasce da memória. Sem a necessidade de regras ou prescrições. É este velcro que gruda "Tentativas de capturar o ar" à minha personalidade, aos meus conceitos que me faz sentir o livro de Izhaki como valioso.

A narrativa poderia ter se inscrito ainda com mais força. Poderia se marcar de forma ainda melhor, agitar minha consciência de modo mais perturbador se tivesse sido um pouco menos econômico, aumentando o número de digressões ou de intensidade de ações ou da narrativa, preocupando-se menos com o tamanho do texto. A economia tem sido a marca de muitos escritores brasileiros, mas a agudez da forma e sua conformação a uma expectativa deveriam ser apenas detalhe pequeno, menos considerado do que o sentido que a narrativa carrega. Por mais que o foco pontiagudo seja uma marca vista entre nós com valor, é na amplificação da lente de aumento, com todas as suas distorções, que a memória mais facilmente se escreve. Ela acomoda e tranquiliza o leitor, dá tempo para que ele dilate suas pupilas para aprender a capturar aquela forma de luz. Mas no livro de Izhaki, a forma não se basta em si mesmo e nem diminui o conforto e a marca da leitura. Sem exageros ou desmerecimentos, seria profundamente injusto, perante o prazer e a relevância que a leitura me despertou, esta impressão de economia que tive não diminui em nada um livro que certamente terei dificuldade para esquecer.

site: http://grinbaum.wixsite.com/leitorinsuportavel
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deborauni 04/03/2019

Tentativas de capturar o ar
Estilo diferente. Através de uma original compilação de documentos para compor a biografia de um autor que fez sucesso, mas parou de escrever, entramos em contato com a telação pai-filho sob diferentes ângulos.
......

Difícil crescer, amar, se individualizar integrando nossa herança e fazendo a própria história.
......
?A distância não se mede em espaço fisico. Ou amor. A distância é um encontro que não se realiza por falta de vontade.?
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