Livrendo 28/07/2023
Indico muito.
Me interessei imediatamente pela premissa de “Heróis Urbanos”: pessoas comuns que se revelam heróis apenas por encontrarem maneiras de sobreviver a situações do cotidiano. Além disso, por se tratar de uma antologia escrita por diversos autores (dos quais, confesso, só conhecia três) minha expectativa estava em ver os mais diversos olhares em relação ao tema.
Em “Volnei”, o conto que abre a antologia, uma mulher fala sobre a traição de seu marido ao mesmo tempo em que relembra uma série de assassinatos cometidos contra meninos de 12 a 15 anos. Por ser a narradora uma mulher da favela, Raphael Montes dá a ela uma voz narrativa que se esforça ao extremo para se aproximar da linguagem coloquial, usando palavras e expressões como “mermo”, “casquela” e “sirial quiller”, sem se preocupar com conjugação adequada e outras exigências do texto escrito. De certa forma a estratégia faz sentido, mas o autor exagerou na dose, fazendo com que um texto curto (menos de 30 páginas) soe incômodo o tempo inteiro. A verdade é que quando algo causa estranheza dentro da narrativa, o leitor se descola da leitura, e é isso que acontece com “Volnei” que causa estranheza o tempo inteiro, não permitido uma verdadeira conexão com a obra, já que o texto chama mais atenção do que o conteúdo. Além disso, outra coisa me incomodou, repetindo um dos problemas que eu tive ao ler “Dias Perfeitos”, também do autor. Ao tentar surpreender ao máximo, o desfecho acabou sendo previsível desde o começo. Talvez seja porque eu já tenha lido um conto que adotava uma estratégia parecida, mas o fato é que para mim a identidade do “sirial quiller” era óbvia e as atitudes da narradora exatamente o que se esperava dela.
Em “Material Escolar”, Luisa Geisler apresenta a minha personagem favorita da antologia. A jovem e esperta Carolina, bolsista do ensino médio que, para conseguir um dinheiro extra, acaba desenvolvendo um esquema de venda de provas, trabalhos e afins. “Material Escolar” apresenta exatamente o que eu esperava de “Heróis Urbanos”: personagens que estão fazendo algo errado, mas que, de certa forma, admiramos por sua esperteza e seus recursos. A narrativa intercala entrevistas da própria Carolina com relatos de seus colegas e boatos de fonte anônima, deixando o leitor curioso para saber o que é verdade e o que não é, cogitar até onde Carolina é capaz de ir com suas falcatruas, além de se perguntar onde aquela investigação toda vai dar (e já que o tema da antologia é o cotidiano, nada mais adequado que um conto assim terminar com uma injustiça).
Rubem Fonseca, por sua vez, traz em “Passeio Diurno” o senso de justiça de uma criança. Por contar com menos de 10 páginas a história não chega a ter muitos desdobramentos, mas consegue desenhar a personalidade de seu protagonista.
Já Letícia Wierzchowski é responsável por “Seu amor de volta em três dias”, o conto mais inusitado da antologia no qual um jovem desempregado tem a ideia de virar pai de santo para conseguir dinheiro. E já que os orixás não conseguirão nada para os seus clientes, cabe a ele encontrar métodos terrenos para cumprir o que o “Pai Léo” promete. Em geral, sempre tive experiências positivas com as obras da autora e, por isso mesmo, confesso que o conto me deixou com um gostinho de “esperava mais”.
“Da gravidade e outras leis” é o conto que encerra a antologia e foi um dos meus favoritos. A história é narrada através de um diário no qual um adolescente deslocado no colégio fala sobre as suas tentativas de se reinventar diante do promissor início de um novo ano letivo. Mas seus dramas adolescentes ganham um toque dramático extra quando sua prima de 18 anos vem morar com ele e com a mãe e logo revela ter tendências suicidas. Emiliano Urbim brinca com as expectativas do leitor e é eficiente em conduzi-lo e tirar seu chão quando o conto termina.
A antologia conta ainda com “Besouro Azul entre o bem e o mal”, de Cecilia Giannetti e “A História Lacrimogênica de Jamile”, de Natércia Pontes.
De um modo geral, “Heróis Urbanos” apresenta personagens extremamente humanos que nada mais são do que sobreviventes. Uma premissa sempre interessante que poderia render até outros volumes.
Vale ainda um destaque para as ilustrações de Rascal que complementam a edição ao final de cada conto.
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