Leia com a gente 03/02/2018
Um livro que precisa ser lido
“O tempo cura tudo”
Será mesmo que o tempo pode curar todas as feridas? Será que você pode levar uma vida normal, depois de passar por diversos traumas? Será que é possível esquecer?
Esse livro é um “tapa na cara” de todo o leitor. Um verdadeiro “chacoalhão” de realidade, que nos faz enxergar a magnitude do problema. Pra mim, foi impossível não me sentir incapaz, indignada e quase não me sufocar no ódio que engoli. Afinal de contas, ouvir sobre pedofilia é uma situação, mas você ver a coisa com os próprios olhos, é totalmente diferente. E foi essa a sensação que tive ao ler “Inocência perdida”.
Felipe é o narrador e protagonista da história. Um menino de 13 anos que cresceu no abrigo São Marcos junto com outros meninos que assim como ele foram abandonados, ou são órfãos.
O garoto apesar de se sentir feliz no meio dos seus amigos, e dos padres que os criam e educam, não consegue deixar de lado a tristeza que às vezes o invade, por não ter uma família tradicional, com pai, mãe e irmãos. Mas o menino procura não fazer disso um problema, e vive no orfanato da melhor forma, porque afinal de contas, eles são sua família.
Distante dali existe Tobias, um garoto que cresceu correndo na fazenda de Fábio Albuquerque, um grande fazendeiro da região de Mato Grosso, e também sofreu a infelicidade do abandono. O garoto foi encontrado ainda bebê num campo, nas terras da família Albuquerque, que desde então, o criaram, e deram a eles um lar.
Por ironia ou surpresas do destino, devido a mudanças que ocorrem na vida da família Albuquerque, Tobias chega ao orfanato onde mora Felipe, que ao se conhecerem têm suas vidas unidas num simples olhar, pois é como se estivessem vendo suas imagens num espelho. Esse encontro levará ambos a grandes descobertas e mudanças, incluindo a família Albuquerque.
“Para surpresa de todos Deus os havia unido… Só faltava a certeza de como esta união persistiria.”
Não considero spoiler contar que os meninos são gêmeos, porque acontece no início do livro. E além disso, é a partir desse ponto que o enredo começa a tomar forma, e que de fato a história começa a ser desenvolvida.
O leitor iniciará o seu mergulho num universo sujo e sombrio, onde o dinheiro compra praticamente tudo, e encobre a imagem dos verdadeiros monstros. E ao se deparar com essa podridão, faz com que você pare e se pergunte, quantos desses monstros existem no mundo? Quantas crianças sofrem ou sofreram na mão de tais criminosos? O que fazer quando os monstros são aqueles que você deveria confiar e te proteger?
Considerando a temática que o livro trata, não espere flores. O enredo é pesado, chocante, mas necessário de ser lido. A questão central é o abuso sexual, a violência e tráfico de menores. São assuntos que a maioria das pessoas não querem mexer, e pior, fazem de conta que não existe. Considerei até muito corajoso por parte da autora Priscila Mariano, que através de uma escrita clara e direta, transmitiu a dura realidade vivida por Felipe, fazendo com que o leitor vivencie junto com ele todo seu sofrimento e desilusão em relação às pessoas e a vida.
Em determinada parte da história, me senti tão próxima do garoto que a sensação foi a de sentir o seu vazio, devido a tanta dor e sofrimento. A falta de esperança, de alegria, de confiança… a perda da inocência. Sabe aquele momento em que você vê tudo dando errado, mesmo tentando fazer o certo, até chegar o momento em que você simplesmente … “Dane-se”, e acredita que passar por tal situação faz parte do seu destino, e por isso, se deixa ser levado? É essa sensação.
O mais triste de tudo, é saber que apesar de ser uma história fictícia, o tema não é. E infelizmente, muitas e muitas crianças espalhadas pelo mundo todo, sofrem nas mãos de pessoas desprovidas de qualquer moral e sanidade, que cometem barbáries inimagináveis.
“Agora Fabio entendia o comportamento de Felipe, a sua tristeza, o seu nervosismo sempre que o tocava, chegando mesmo a se esquiva sem o perceber, de qualquer pessoa. Temia o contato. Agora ele sabia o porquê e como sabia.”
Se tornou banal ouvir e ler nos noticiários sobre pedofilia, violência e maus tratos, como se fosse parte da rotina – “Mais uma criança violentada, pobre coitado” – pois não se tem uma reflexão ou uma ação efetiva em cima dessa questão. Quando a Priscila faz o leitor entrar em contato com a temática, é possível ver as coisas de um ângulo totalmente diferente. Não apenas a notícia, não os rumores de um crime, mas os pensamentos da vítima. Que para piorar, é apenas uma criança. Isso é um verdadeiro soco no estômago.
Seu cérebro não quer acreditar que alguém possa sentir prazer em causar o sofrimento alheio, na magnitude em que foi tratado. E de tão surreal, seu cérebro quer refutar tais acontecimentos. Mas infelizmente as provas aparecem diariamente na TV, na internet, no aumento do índice de crianças desaparecidas, violência doméstica, mortes prematuras e envolvimento cada vez mais cedo com o mundo do crime. Nos damos conta que a situação é pior do que se pode imaginar, pois não é só a vítima que sofre, a sociedade também, pois recebe uma pessoa com seu físico e emocional destruído, não sabe acolhê-la, e a rejeita, se tornando um ciclo vicioso. Diante disso, eu considero que o livro além das temáticas centrais, pode levar também a reflexão de problemas psicológicos e sociais.
“Felipe estremeceu, queria tentar se justificar, contar a verdade, mas acabou apenas se sentando com cuidado na cama, deitando-se e dormindo, para que pudesse esquecer tudo aquilo.”
Poucas coisas me incomodaram durante a leitura ou sobre algum aspecto na história, mas acredito que vale a pena compartilhar, e saber separar os erros do contexto da história e narração do autor. Um dos probleminhas foram alguns erros ortográficos encontrados no meio do texto, mas não é nada que modifique o sentido do enredo ou o significado das palavras. A segunda foi a estrutura inicial do texto, que não possui uma separação de momentos da história, deixando um texto corrido. Deu a sensação de ler num único fôlego, e incomodou um pouco. Mas antes de chegar ao meio do livro, esse problema é corrigido, e a leitura flui bem. A última questão que me incomodou, foi o nome do pai e filho (principal) serem parecidos. Teve momentos que ficou meio confuso, e eu voltava um pouquinho para ler e me certificar se estava se tratando do pai ou do filho. Se tivessem nomes diferentes, seria mais fácil de entender, principalmente nos momentos em que os dois estavam em diálogo, ou na mesma cena. Fora esses detalhes, eu gostei da leitura e ela acrescentou muito.
Mas a história não acaba aqui, o livro se trata de uma série de quatro livros, e o desfecho do volume 1, faz com que o leitor termine com a mão no coração e a curiosidade do que vai se seguir. Fica aqui a dica de um livro que PRECISA ser lido. Garanto que jamais será possível olhar para a realidade da mesma forma.
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