Ricardo 28/03/2021
Pulp fiction de quinta categoria
Aqui vai uma lista de vida inteligente na literatura quando se trata de alienígenas, para aqueles leitores que se nivelam por cima e gostam de leituras mais aprofundadas, mesmo que apenas para diversão:
Esfera: Michael Chrichton
O Cardume: Frank Schätzing
Os Invasores de Corpos: Jack Finney
Aniquilação: Jeff Vandermeer
O Terror: Dan Simmons
A Cor que Caiu do Espaço: H. P. Lovecraft
Encontro com Rama: Arthur Charles Clarke
Caixa de Pássaros: Josh Malerman
Contato: Carl Sagan
As Águas Vivas Não Sabem de Si: Aline Valek
Estes são livros que se aprofundam bastante no tema, seja na discussão sobre natureza alienígena ou apenas na criatividade da forma que eles poderiam ter ou se manifestar em nosso mundo, com ênfase na sua estranheza ou na incompreensão e conflito gerados pelas diferentes naturezas de percepção humana/alienígena.
Esta foi a parte construtiva da minha crítica, agora vem a parte raivosa.
Como podem ver, sou um grande fã da temática alienígena, razão pela qual criei uma enorme expectativa ao ler e ver tantas críticas boas sobre O Problema dos Três Corpos.
Deus do Céu, que decepção! Por estes motivos sugiro fortemente ao leitor que esteja pensando em gastar dinheiro com este livro que mudem sua atenção para qualquer um destes listados acima, porque, a despeito do sucesso que tem feito pelo mundo, garanto que O PROBLEMA DOS TRÊS CORPOS foi um dos livros mais mal escritos que já tomei nas mãos, não apenas como ficção científica, mas em qualquer categoria. Em sentido oposto, e a despeito da obscuridade de alguns títulos acima, como O Cardume, estes sim são diamantes para a mente. Esta resenha contém pequenos spoilers, mas se seu dinheiro não cresce em árvore, ou se você valoriza o seu tempo, sugiro que leia antes de gastar qualquer dos dois nessa leitura.
Cixin Liu tem a sofisticação da escrita de um pré-adolescente de 12 anos. A temática é ótima, a premissa excelente, a ambientação muito pitoresca, mas os personagens não tem consistência e o enredo é uma colcha de retalhos non sense, onde fatos científicos são simplesmente jogados ao Deus dará, como pérolas aos porcos.
O cara não tem a menor ideia de como construir um personagem, os que aparecem são meros artifícios para diálogos onde ele despeja o conteúdo que quer passar. Isso não é novidade na literatura, vários escritores com veia científica como Aristóteles, Flammarion e até Galileu usaram esse artifício. Mais perto de nós, Aldous Huxley costuma ser criticado por isso, mas acontece que, como os demais, Huxley escreve bem, com maturidade e genialidade, enquanto esse Liu, coitado, não passa de um rapaz prepotente que acredita ser um grande escritor. Eu não sei como esse coisa pode ter sido publicada, muito menos traduzida e o seu sucesso no Brasil para mim só pode ser compreendido através da nível baixíssimo da nossa educação literária.
Eu já senti que o livro não seria aquilo que eu estava esperando nos primeiros parágrafos. O autor cria uma cena em que um professor universitário é publicamente humilhado e coagido a negar tudo aquilo que ensina em sala de aula, sem dúvidas uma forma poderosa de mostrar a essência do que foi a Revolução Cultural na China dos anos 60. A ideia de começar essa história por aí foi excelente, mas a reação do personagem na cena mostra a inépcia do autor em criar qualquer coisa com um pé que seja no realismo.
Vejamos: o homem está amarrado, com pesos nas costas e na cabeça, sangrando e sendo açoitado com chicotes, exausto e humilhado na frente de todos. Este personagem deveria estar com confusão metal, apenas vagamente consciente do que se passa ao seu redor, no mínimo totalmente consumido pela dor física e moral, mas ainda assim rebate os argumentos das alunas que o torturam com a desenvoltura verbal de um palestrante de Harvard. Como engolir uma cena dessas?
Há claras tentativas de criar personalidades distintas, diferenciações, mas são completamente ridículas. Por exemplo, existe um personagem que é taxado repetidamente como “preguiçoso”, adjetivo que aparece duas ou três vezes por parágrafo no capítulo em que ele é apresentado, um tentativa de enfatizar essa característica altamente estilizada mas que só serve para irritar. Como se não bastasse, na sua fala inicial esta pessoa desfia uma longa e entediante história que NADA tem a ver com os acontecimentos que se desenrolam na trama. Depois desse devaneio verbal inexplicável, um outro personagem pergunta de um detalhe que ele deveria ter falado, mas aí ele diz que não comentou disso por ser “muito preguiçoso”.
WTF?!?!
E aquele jogo que ocupa metade do livro e que, a despeito do narrador insistir que só poderia interessar a pessoas muito inteligentes, é apenas um arremedo de episódios históricos com tons surrealistas totalmente sem sentido. Ao invés de inteligente, a palavra pedante soa muito mais apropriada, quem sabe um artifício do autor, a quem deve sobrar sentimentos de vaidade intelectual, para esconder a fraqueza de seus argumentos. É isso ou ele é mais idiota do que parece. Esse raio de jogo aparece entremeando os capítulos e os diálogos se arrastam com conteúdo científico e piadas incompreensíveis numa lenga lenga interminável, que nem o artifício de acelerar o tempo utilizado pelo jogador torna mais suportável.
Mas esperem, porque se a coisa é bem ruim quando se trata dos personagens humanos, piora sensivelmente quando se trata dos alienígenas, que embora sejam os astros principais da história e tenhamos alguns diálogos entre as entidades, não aparecem de maneira física em todo o livro (para quê escrever um livro ruim quando você pode escrever três?!).
Não sei se não mostrar os trissolarianos foi uma forma de criar suspense ou porque Cixin Liu não conseguiu pensar em uma. Possivelmente a primeira opção, mas o resultado foi uma desgraça tão grande que arrasa com qualquer esperança de ler alguma coisa interessante nos volumes seguintes. Se os humanos que aparecem são fracos sob todos os pontos de vista, os alienígenas são pálidas formas de atributos menos que humanos, mas tão somente políticos, com estereótipos pipocando a cada linha. Em um momento, eles mandam uma mensagem para a Terra enquanto preparam suas naves para uma invasão. A mensagem?
“Vocês são insetos!”
Ahhhhhh mas que ódio ter gasto meu dinheiro nesse lixo! Acaso há insetos em Trissolaris, Cixin Liu? Com a mesma conotação pejorativa que tem para alguns humanos na Terra? Como diabos ele pode explicar uma coisa dessas??? Eu mesmo respondo: mais uma expressão de seu ego inflado, como ele deixa claro no epílogo, que eu já vou comentar. Os interesses e as motivações dos alienígenas nesse livro não são apenas idênticos aos humanos, mas um arremedo barato de pessoas de verdade, algo que tem tanta substância quanto um vilão de novela mexicana dos anos 90.
No final tem um epílogo cheio de pedantismo onde ele explica as origens de seu interesse pela ciência e porque a ficção-científca é um gênero SUPERIOR de literatura. Eu discordo redondamente de quem acha que seja um gênero inferior, mas superior? Ele explica: Como fiel seguidor e acreditador do método científico, acredita que a ciência é meio de se alcançar a verdade sobre o universo, o homem e tudo mais, repudiando todas as outras expressões humanas de contato com o mundo. Diz que o Big Bang é uma história muito superior a qualquer mito de criação, qualquer epopéia já criada (o que me deu vontade de perguntar quantos ele já leu, mas podemos imaginar a resposta), parecendo não ter muita consciência de que a Ciência é “tão subjetiva e está tão condicionada psicologicamente quanto qualquer outra empresa humana”, nas palavras do nosso tio Albert Einstein.
Para mim, que esperava uma ficção-científica que fosse discutir em profundidade a filosofia e a ciência envolvidas quando o assunto é inteligência extraterrestre, foi um banho de água gelada.
É um mistério o porquê de sua popularidade. Não entendo como um livro com esse nível medonho de escrita pode ganhar prêmios e ser traduzido a outros idiomas. Será que nós, leitores de ficção-científica, somos menos exigentes em termos literários? É possível que sim. Basta escrever algo que seja abarrotado de conteúdo científico, não importa em que ordem ou quão bem amarrado com o restante da história, e todos pagam pau para a alegada inteligência do autor.
Saiu um estudo dizendo que a inteligência humana, pela primeira vez desde que os testes de QI foram inventados, diminuiu em nossa geração, ao invés de aumentar. Olhando a popularidade com que um livro desses alcança, enquanto autores consagrados são relegados a um canto obscuro das discussões, é mesmo de se acreditar que estamos cada vez mais burros. Carl Sagan e Michael Chricton devem estar se revirando no túmulo.