Gabriel 20/10/2016
Uma senhora para lá de requintada
Falar de Raymond E. Feist pode ser complicado para alguns leitores de Fantasia, principalmente devido à decepção desses com a primeira série do autor, chamada erroneamente ao meu ver de A Saga do Mago aqui no Brasil. A história de Pug, Thomas, Arutha e outros personagens, que considero mediana, parece não ter agradado os consumidores que iniciaram a obra esperando algo que acabou não sendo abordado no decorrer dos livros. Todavia, quando o assunto é a Saga do Império, esse problema já não é tão perceptível, sendo convencionado por muitos ledores que a trajetória de Mara e sua Casa é o melhor trabalho de Feist em sua vasta contribuição à Fantasia.
Desde o primeiro livro da trilogia, A Filha do Império, a trama envolvendo a Senhora dos Acoma cativou-me de maneira que não esperava. Com a segunda parte desse ciclo, o Império de Tsuranuanni e o seu sangrento Jogo do Conselho tornaram-se ainda mais interessantes para mim. Nesse último capítulo da história, publicado pela Editora Arqueiro, mais uma etapa das histórias de Feist, escrita dessa vez em parceira com Janny Wurts, é finalizada. No final das contas, hei de concordar com aqueles que categorizam A Saga do Império como um ótimo trabalho dos autores.
Um aspecto bastante presente nesse último capítulo da história de Mara é a vulnerabilidade dos personagens. A Governante dos Acoma, conhecida pela sua forte presença no campo político e pelas atitudes consideradas ousadas pela sociedade, passa por maus bocados durante trechos dessa terceira obra, principalmente na sua primeira metade, o que de fato é interessante por mostrar que mesmo com seu status de imponente Mara é uma protagonista sujeita a falhas. E não só ela, como alguns outros personagens de estimada importância, acabam tendo seus pontos fracos atingidos nesse livro graças às situações vivenciadas, fazendo com que esses tenham que arcar com as consequências de certas atitudes tomadas nesses períodos em que a emoção subjuga a razão.
Muitos elementos deixados em segundo plano nas duas primeiras partes da trilogia são abordados nessa última fase da série, como a Assembleia dos Magos, A Rede de Espiões de Arakasi e os insetoides Cho-ja, instituições cada uma com suas particularidades que chamam a atenção do leitor. Não obstante, personagens já apresentados nos primeiros volumes da série apresentam agora o seu momento de “brilho”, como Arakasi, Jiro dos Anasati e Hokanu dos Shinzawai. Uma outra característica que chama a minha atenção é a passagem do tempo, o que faz com que a trama se torne mais realista por assim dizer, isso é, os problemas enfrentados pelos protagonistas não são resolvidos em uma semana ou num único mês como vemos em alguns livros ou filmes, mas perpetuam-se por anos, passando por períodos de estagnação e tensão como também por momentos agitados com constantes reviravoltas que exigem dos personagens soluções rápidas e eficazes.
Os capítulos finais, assim como os do segundo livro da saga, avocam curiosidade pelo embate entre os opositores através do discurso. Trata-se, na verdade, de uma guerra de palavras, uma arma diferente das que estamos acostumados a ver (espadas ou facas), embora, muito mais do que nos outros volumes da série, existam conflitos entre exércitos e tentativas de assassinato nessa obra. Através desse encontro de opiniões e teses, são perceptíveis as contradições e distorções de cada lado, que embora com ideias com certo grau de incoerência em alguns pontos, não deixam de ser defendidas. Não vejo tais contrassensos, no entanto, como furos de roteiro da obra, mas como elementos que demonstram a ambiguidade e a capacidade dos protagonistas de manipularem fatos, ainda que num intervalo pequeno de tempo.
Dessa maneira, acredito que A Senhora do Império é uma obra que transcende aquela categoria às vezes vista com maus agouros de um livro servir apenas como entretimento. No decorrer desse trabalho de Feist e Janny, temas que ainda hoje se encontram em alta na sociedade são debatidos por diferentes óticas, ainda que alguns leitores possam contrapor que essa abordagem seja feita de maneira superficial. Todavia, o gatilho para a reflexão está lá. Os ideais propostos pelos personagens evocam problemas perceptíveis atualmente, e suas soluções, ainda que em alguns casos tenham um tom utópico, merecem ser analisadas. Sendo assim, vejo que A Saga do Império cumpriu seu dever ao entregar uma história a meu ver bem redigida e intrigante, cabendo a mim recomendar a leitura da série.