Tamirez | @resenhandosonhos 13/08/2018As Mil NoitesAs Mil Noites, como o nome já sugere, é uma adaptação do original das Mil e Uma Noites. Quando ele foi anunciado eu me perguntei porque precisávamos de mais um, já que A Fúria e a Aurora, livro com a mesma pegada, havia sido lançado a pouco. Eu protelei a leitura e só me empolguei pra ler depois que me certifiquei que as histórias seguiam rumos diferentes e que o comum entre elas era apenas a inspiração.
As Mil Noites não é um livro sobre romance, como o outro é. Essa é uma trama voltada na magia e no desenvolvimento das lendas que giram ao redor desse homem horrível que assassina suas esposas de forma inexplicável. Lo-Melkhiin é considerado um monstro, mas por fazer seu povo prosperar, suas ações passam sob vista grossa de todos ao seu redor.
A grande curiosidade sobre o livro é que os personagens não possuem nome. É a garota, a irmã, o pai, a mãe, a mãe da irmã, a senhora da cozinha, a mãe do de meu marido e assim por diante. O único que tem um título é Lo-Melkhiin. Mas a trama não fica confusa por isso de forma alguma e só me dei por conta que absolutamente ninguém tinha nome quando li os agradecimentos da autora e ela menciona o fato lá.
O livro começa do ponto de vista de algum ser misterioso, ele está contando sua história e mirando em sua vítima. Essa criatura é a responsável pela crueldade do Rei, que era um jovem gentil e muito inteligente. Ele saia em caçadas por lugares inusitados para buscar leões, já que sua mãe tem um fascínio enorme pelos animais. E, um dia, ele voltou muito diferente. Alguns dizem que algo no deserto o mudou, outros que ele foi possuído por um demônio e ao longo da trama teremos alguns capítulos sob o ponto de vista dessa criatura.
A protagonista se ofereceu para salvar a irmã, mas não sabia bem onde estava se metendo. A irmã na verdade era só meia, já que o pai mantinha duas esposas e a mãe dela não era a mesma sua. Porém, se a outra fosse escolhida a mãe dela ficaria desamparada, já que o casamento da menina é que garantiria um lar pra ela. Já ela tem outros irmãos e sua mãe não sofreria.
Aqui, não há assassinatos públicos ou enforcamentos. As jovens apenas amanhecem ao lado de seu marido com sua vida completamente sugada. Somente ossos. Ninguém sabe explicar e ninguém ousa perguntar a Lo-Melkhiin o que acontece. Quando a jovem é tocada por ele, coisas estranhas acontecem. Há fios brilhantes em roxo, negro e cobre cruzando suas mãos e ela logo descobre que o tom mais terra é a sua energia, enquanto as outras cores pertencem a ele. Notando isso, ela fica intrigada sobre o que é, qual a importância disso e o que ela pode fazer com tal coisa.
“Se não tinha medo do senhor do qasr, não teria medo de nada.”
Ela é resignada e corajosa sem perder o foco. Entende que está em perigo o tempo todo, mas fica de ouvidos abertos para absorver as informações e tirar proveito do que sabe, para se manter viva. Não é uma visão apaixonada. Há praticamente zero romance no livro. A protagonista tinha o objetivo de salvar a irmã e, feito isso, mira agora em sobreviver e vencer o monstro custe o que custar, afinal a morte dela é sua única certeza.
Enquanto isso está acontecendo no Qasr, há uma história de background acontecendo. Além dos Deuses habituais, as famílias podem adorar pessoas “normais” após a sua morte. Alguém especial ou que fez algo significativo dentro de uma comunidade ou lar. Pra essas pessoas criam-se santuários e seus devotos passam a adorá-los. Há um questionamento sobre o peso que esse tipo de religião tem sobre as pessoas.
A irmã salva da protagonista toma pra si uma missão: ela vai transformar a irmã em algo a ser adorado. Com seu sacrifício como ponto inicial, algo começa a nascer no vilarejo e em todos que passam a ouvir a história. Nunca alguém vivo foi adorado da forma como a irmã deseja que ela seja e isso incitará um outro ponto da história que é até mais interessante que o central.
“Ela não morreu, e me perguntei se eu poderia finalmente ter encontrado uma rainha por quem eu atearia fogo no deserto.”
Lo-Melkhiin é uma incógnita. Sabemos que há algo errado. Sabemos que há alguém no controle e ouvimos as histórias. Um bom jovem, amoroso com a mãe. Um pai que não governava bem, mas um reino que na mão do filho prosperou. Uma mudança drástica de comportamento e o medo. É como se houvesses duas faces e nós enquanto leitores precisamos formular duas opiniões para acompanhar o desenvolvimento desse personagem que é muito difícil de conhecer. Em todos os sentidos.
Há três coisas importantes aqui pra se prestar atenção: essa manifestação religiosa de culto, o ser que é Lo-Melkhiin e os fios de magia que se manifestam. São pontos diferentes que se conectam e dão um aspecto único a história, mesmo ela não sendo totalmente original. E, considerando todos esses aspectos, caso você tenha lido A Fúria e a Autora ou tenha visto as resenhas, é possível notar claramente o quanto elas são diferentes.
Eu gostei bastante da leitura, ela é rápida e o livro é curto, porém isso também gerou algo negativo. O final acontece rápido e apressado demais. Faltam 50 páginas pro livro acabar e não há sinal do que o final vai realmente ser, e, de repente, tudo é posicionado, a ação acontece e o livro chega ao fim. Por um momento me perguntei se haveria continuação, pois não parecia possuir páginas suficientes para desenvolver o que precisava. A resolução veio, mas a pressa com que ela chegou deixou suas marcas na história. Pra mim, um pouco mais de cadência no final teria favorecido a trama e poupado o leitor de terminá-lo com tamanha pressa.
A autora, Emily Kate Johnston é uma arqueóloga forense e foi seu período na Jordânia que a fez se apaixonar pelo deserto. O ambiente era bastante desconhecido pra mim até meados do ano passado, quando encarei alguns livros que tinham esse mesmo background e acabei por me apaixonar pelo cenário. Esse foi meu primeiro contato com E. K. e espero que ela escreva outros livros para que possamos seguir acompanhado suas histórias.
Eu me apaixonei com a história das Mil e Uma Noites com outro livro e me reencantei com esse aqui. Já até adquiri a obra original pois quero conhecer a história em sua totalidade. Se você gosta de histórias nesse contexto ou cenário, dê uma chance para As Mil Noites. É um livro curto, único e que tem uma boa história pra contar.
site:
http://resenhandosonhos.com/mil-noites-e-k-johnston/