Retipatia 05/11/2018
Um mistério...
Um mundo novo a ser desbravado. Assim é Mitorégia, um império vasto em que convivem as mais variadas criaturas: homens, fadas, duendes, magos, elfos, sereias, tritões, ogros, e, como o próprio subtítulo indica, temos, claro, unicórnios.
Começamos o livro com uma grande revelação, o poderoso mago Abeo Moldrus tem uma visão de que o terrível Hyrobe irá retornar dos mortos. Mas, como todo paradigma, há esperança, pois o surgimento daquele que é capaz de detê-lo também é previsto: o Cavaleiro Alado. Mas, se pensa que a história se dá na descoberta de quem vem a ser esse cavaleiro salvador, se engana. A profecia vem completa, sabemos que o anjo Edheriel é quem está destinado a se tornar o Cavaleiro Alado, o único capaz de derrotar Hyrobe.
Assim, em O Mistério do Unicórnio, acompanhamos a trajetória de vários grupos de personagens, que são, ora do lado do bem, ora do lado do mal, e que, por vezes, seguem os mesmos caminhos, alguns buscando as mesmas coisas, apenas por maneiras distintas.
Como o mal não dorme no ponto, antes mesmo que nossos mocinhos possam se concentrar em tentar impedir a volta de Hyrobe, o Imperador Cinza, que deseja ter toda Mitorégia sob seu domínio, abre, a mando de seu mestre oculto, um portal mágico que faz com que a dimensão do imaginário se abra para o mundo real. Com isso, vários seres sombrios (vampiros, lobisomens, zumbis, etc...) do imaginário do homem começam a surgir e a caminhar pelo reino, aumentando a força do Império Cinza.
Nesse fluxo, temos os companheiros do anjo Edheriel, os elementais do Fogo, Morath; da Água, Eveline; do Raio, Krenon; do Ar, Barana; o elgo Everaz; a elfa Teméris; e Qedonis e Elanim, que descobrem a necessidade de fechar esse portal e partem em busca da resolução do problema, já que, aparentemente os seres que saem do portal são formados por magia negra e, assim, apenas a magia de luz pode eliminá-los definitivamente. E, isso, é algo que nem todos possuem.
De outro lado, uma equipe de incomuns amigos se forma por obra do acaso (ou seria destino?), são eles Rillon, Fada Doce, o gnomo Botão, a elfa Haeline, o orgro Vezkabur e Alariel e Bélder, que partem em busca de encontrar o Cavaleiro Alado, já que, apesar dos mitoregianos ignorarem o fato de existirem outros impérios além de Mitorégia, a informação não é desconhecida pelos outros impérios e, não apenas, mas também de que Hyrobe está a retornar e que deseja conquistas além das terras de mitoregianas. Como remédio, os outros reinos desejam nada menos que destruir toda Mitorégia, acreditando que, assim, o mal será impedido de retornar.
Enquanto nossos heróis lutam para procurar a resolução para fechar o portal, o Imperador Cinza, juntamente com seus 12 Cavaleiros Negros, conquista e subjuga várias cidades e territórios mitoregianos. Além disso, ainda conta com a ajuda de alguns elementais e cria, a partir de um anjo, a personificação da Morte, que, como sua serva, passa a agir sob os interesses do Império Cinza.
Além desta narrativa da história, feita em terceira pessoa, temos ainda a contagem de uma história paralela, esta em primeira pessoa, de um personagem que conhecemos, primeiramente, apenas como 'Pensador'. Ele relata sua história ao leitor desde quando era pequeno e sua jornada até ganhar o título que encabeça os seus capítulos e o seu caminhar na vida em busca de conhecimento. Sua história, neste livro, não se cruza, temporariamente falando, com a jornada dos demais heróis, ainda que, alguns lugares e personagens possam ser reconhecidos em sua narrativa.
Mas, talvez você esteja se perguntando a esta altura, e o tal do mistério do unicórnio, onde é que está? Calma, já estava chegando lá.
Nossos heróis passam por muitos lugares em busca da resposta para conseguir fechar o portal. A primeira pista que encontram está no Livro da Verdade, escrito por deuses e repleto de revelações importantes sobre o mundo. Por já ter sido utilizado como arma de guerra outrora, é devidamente guardado e nossos heróis passam por provações até alcançá-lo e, é neste ponto que o mistério do unicórnio entra, precisa ser desvendado para que seja possível fechar o portal. E, claro, tudo isso em meio à incessante saída de criaturas do próprio portal e, claro, um exército inteiro do Império Cinza pronto a atacá-los. Se a palavra guerra é a que vem a mente, não é à toa. Uma batalha espera a todos nossos heróis.
Mitorégia - O Mistério do Unicórnio é um livro de fantasia em que fora criado um vasto mundo, repleto de magia, mistérios e seres das mais diversas raças. Sem dúvidas, a história elaborada funciona como uma árvore e suas raízes, fazem parte de um todo, mas cada uma possui seu próprio desenho e função. São várias histórias entremeadas sob o mesmo pano de fundo: Mitorégia, que funciona tanto como fonte de mistério tanto como proposta de resolução.
Por ser ambientada em um mundo vasto, o próprio império criado compõe uma personagem, que deve ser desbravado e conhecido ao longo do desenrolar dos fatos e do caminhar (literal e não literal) dos personagens e da história. O único porém é que tive a impressão de que não fomos propriamente apresentados a essa personagem tão complexa, composta por várias nuances. Desde o início, senti que um mapa de Mitorégia seria indispensável para a compreensão real da história, mas não há mapas no livro.
Não muito depois de começar a leitura, uma personagem faz várias observações sobre a disposição das cidades e territórios do reino mitoregiano e, nós, leitores, não temos sequer um vislumbre disso. Mesmo ao longo da história, em que em alguns momentos poderiam ter sido utilizados como recursos para permitir que se conheça melhor o reino, isso não nos foi dado. Temos uma migalha aqui ou outra ali que faz conexão de uma cidade com a outra, mas longe de mostrar toda a complexidade que o reino possui. Não se trata de algum suspense não revelado, mas da ausência de informações base para melhor compreensão de aspectos da história. Um mapa de Mitorégia realmente acabaria com este problema e daria melhor contexto à história.
Um dos aspectos interessantes do livro é a semelhança (não sei dizer se intencional ou não) aos jogos de RPG. O estilo das lutas, o desenrolar das histórias e os próprios personagens me remeteram a este mundo em vários momentos.
Falando sobre as personagens, são quase tantos quanto as criaturas existentes na história. Como já mencionei, temos vários arcos de personagens que seguem histórias paralelas, que, vez por outra se cruzam e, assim, durante a leitura acompanhamos vários grupos e caminhantes solitários. No início do livro isso me confundiu um pouco, porque algumas introduções são em capítulos curtos e, no seguinte, já estamos sendo apresentados à novos personagens. Contudo, não é algo que perdurou durante todo o livro, a medida que a jornada era firmada e cada qual seguia seu caminho, a memória se recordou melhor de quem é quem.
Ainda sobre os personagens, em alguns momentos tive a impressão que a história narrada destoou um pouco do que os personagens, de fato, faziam. O narrador se preocupa em dizer que um certo personagem é astuto, ou age de tal maneira, mas, depois de alguma cena, esse mesmo personagem não se mostra minimamente perspicaz e é facilmente persuadido pelos outros com os quais interage. Assim, achei que houve conflito em alguns momentos.
A narrativa do livro tem duas vertentes: segue em primeira pessoa, para os capítulos do Pensador e em terceira pessoa para todo o restante da história. À princípio, me causou certa estranheza, mas nada que atrapalhasse a leitura. No fim, acho que funcionou bem, pois, apesar do Pensador seguir uma linha distinta à dos demais personagens, sua história também nos foi mostrada de forma distinta, então creio haver coesão nessa diferenciação.
Um ponto que me incomodou acerca da narrativa, em especial a em terceira pessoa, que traz um narrador onisciente, pois têm visão da história por vários ângulos (o que é muito bom, já que permite o leitor saber de algumas artimanhas e lados da história que ajudam a despertar a curiosidade), são algumas das comparações utilizadas. Como se trata de um mundo totalmente novo que foi criado, ainda que boas referências imaginativas para o leitor, não cabem algumas comparações no panorama da história. Por exemplo, um dos personagens é descrito, em dado momento, como 'velho japonês'. Ora, se estamos em Mitorégia e não no mundo humano que nós leitores conhecemos, não existe Japão, para existirem japoneses. Isso acontece em alguns outros pontos do livro também, muitas quando são descritas ambientações, fazendo-se referência à cultura egípcia, por exemplo. Se o narrador fosse claramente alguém do nosso mundo, que opinasse e mostrasse que sua comparação era esta porque é o que ele têm de referência, faria muito sentido, mas este não é o caso do narrador do livro.
Ainda falando sobre a narrativa, tenho grande apreço por aquelas que não dão todos os pontos já prontos para o leitor. O livro, contudo, não se importa muito em tentar fazer o leitor trabalhar sua imaginação em amplas escalas. Claro que são descritos mundos diversos e tudo o mais, mas a constante referência a coisas pre-existentes, não deixa muitas brechas. A sensação que ficou gravada foi a de que tudo é humano demais, surgiu do nosso mundo e foi transportado para Mitorégia.
E, quando falo em humano demais, trata-se da mesma sensação que os personagens me deixaram. Temos seres diferentes, que tem motivações, princípios e desejos diferentes aos que movem a raça humana. Contudo, o narrador insiste em frisar que todos poderiam agir da maneira que se esperava apenas dos seres humanos (que possuem as mais diversas índoles, como no nosso mundo). Em um momento bem legal que o autor traz para Mitorégia a presença de um casal de reis do mesmo sexo, que são apresentados para o leitor juntamente à apresentação destes para alguns personagens, o narrador frisa bem que nenhum reagiu de maneira preconceituosa à situação. Eu, leitora, não esperava que reagissem mal, simplesmente porque o preconceito, de tal maneira, é uma característica bastante humana. Há outros pontos que tive a mesma sensação, como o fato de que quase todas as raças possuem realezas com castelos repletos de ouro e outras preciosidades.
Outro aspecto que me fez sentir a narrativa lenta e deixá-la repetitiva, foi o fator de que uma mesma ação chega a ser descrita várias vezes no mesmo parágrafo ou em parágrafos seguintes, numa tentativa constante de reafirmar o que está já está claro para o leitor. Nem sempre é preciso mastigar todas as ideias, é bom deixar que o leitor interprete o que leu. Assim, muitas partes poderiam ser enxugadas, deixando a leitura mais dinâmica e fluida. Não acho que chegam a ser infodumps, são mais como excessos, repetição.
O descrever dos próprios personagens também é um pouco desbalanceado, ora sabemos os itens da vestimenta do personagem com precisão e detalhamento quase exaustivo, em outras, apenas que cor e tipo de veste ele usa. E não chega a ser itens que, de fato precisavam ser tão detalhados e conhecidos para terem sua validez, além de não serem fluidos na narrativa, há aí o infodump, o personagem entra em cena e paramos tudo para saber o que ele está vestindo.
Um último ponto que me deixou encabulada durante a história foi a discrepância de palavreado quando o assunto é sexo. Não se confundam, não é um livro erótico e não há descrição de cenas de sexo. Mas, o ato (ainda que não narrado, mas sempre que referenciado, ocorre entre alguns personagens e aparece tanto na narrativa em primeira pessoa quanto em terceira, sempre de um modo que destoa de toda a narrativa. Como lá no início quando se diz que o personagem 'não recusa uma boa foda'. Não só por algumas palavras não serem usuais, nem mesmo para o que se espera dos personagens, tanto quanto por não ornarem com o palavreado (ora rebuscado) que a narrativa da história tenta seguir. Quase como se a menção ao tema não tivesse se encaixado ao restante da história.
Agora, sobre o aspecto físico do livro, as folhas tem uma qualidade ótima, só o tipo de impressão que me fez pensar em impressão de impressoras comuns, porque reflete um pouco de brilho e, dependendo da luz e do local, interfere um pouco a leitura. A revisão do texto foi um ponto bem descuidado, existem erros de gramática, ortografia, concordância e digitação, durante todo o livro.
Ok, sei que eu já escrevi demais da conta e o post está enorme. Mesmo listando todos os aspectos que me fizeram ter alguns percalços durante a leitura, sei que são pontos que não incomodam a todos os leitores e, por isso, não significa que irão ser motivo de desagrado a todos os leitores. É bom lembrar que o livro tem um enredo muito interessante, reviravoltas e um mistério bem legal. É uma trama bem pensada que mostra vários interesses diferentes em ação e que promete muitos desenrolares em seu próximo volume. Além disso, em uma trama que se vê conflitos entre deuses e diversas criaturas, é impossível não refletir face aos questionamentos colocados pelos personagens e pelas situações que se passam.
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