Liturgia do fim

Liturgia do fim Marilia Arnaud




Resenhas - Liturgia do fim


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Caroline Gurgel 23/08/2016

De um lirismo que faz a gente querer ler em voz alta...
Quando Liturgia do Fim chegou, eu tinha uma pilha de livros em andamento e nenhuma intenção de começar mais uma leitura. Ao abrir o livro para folhear, me deparei com a informação de que a autora era minha conterrânea. Curiosa, pensei em ler os primeiros parágrafos para saber se valeria a pena lê-lo algum dia. Não consegui mais parar. Não dá pra parar. Não tem como parar.

Marilia Arnaud nos conta a história de Inácio, um professor e escritor apaixonado pelas palavras, que, expulso de casa aos 18 anos, vai viver na cidade grande, forma família, mas, sem conseguir se desligar do passado, retorna à casa trinta anos depois para ver como tudo está e o que sobrou de Perdição, lugar onde nasceu.

A primeira surpresa foi o fato de termos uma narrativa em primeira pessoa, com um personagem masculino, escrito por uma mulher. Isso nem sempre dá certo, mas, se comecei com a imagem da escritora na cabeça, poucas páginas depois ali só existia Inácio e ninguém mais. Muito convincente e verossímil.

A escrita da autora é a alma do livro. Marilia não tem a intenção de ser simplória, pelo contrário, usa e abusa do rico vocabulário da língua portuguesa. Sem medo, vale salientar. Usa regionalismos à vontade, sem, no entanto, cair no caricatural, acorda palavras adormecidas e traz outras tantas que eu nem imaginava que, de fato, existissem no dicionário. E o melhor, seu rebuscamento não soa pedante nem tira a fluidez da leitura.

Assim como seu personagem, a autora certamente é uma amante das letras. É notável o cuidado que teve em não repetir as palavras ao longo do livro. O resultado de tudo isso é um texto bonito, poético, de um lirismo que nos traz aquela vontade de ler em voz alta. E, confesso, li boa parte assim.

Outro ponto que gostei foi o fato de Marilia ter usado os diálogos “dentro” dos parágrafos, sem interrupções, sem formalidades, separados apenas por diferentes flexões verbais.

A história é um triste e duro retrato de um dos tipos de família sertaneja, daquela que gira em torno do patriarca machista, bruto, ignorante e intransigente. Revela em suas entrelinhas a esposa submissa, temente e sofrida; a mãe tensa e preocupada, que oculta do marido até as menores travessuras dos filhos para protegê-los; a doméstica que abdica de sua vida para tornar-se criada, para doar-se a uma família que não é a sua; os parentes “encostados”, sempre presentes; as crenças e os costumes regionais. Faz-nos questionar se realmente “o fruto não cai tão longe da árvore”.

Liturgia do Fim, além da boa forma, é de uma sensibilidade impressionante. É possível sentir a dor, a angústia e o desespero do personagem durante toda a leitura, que mais parece uma ferida aberta pulsando em nosso corpo. Impossível poupar elogios, impossível não recomendar.


ig: @historiasdepapel_

site: www.historiasdepapel.com.br
Maria Janir Pir 26/08/2016minha estante
Como sempre linda resenha. Parabéns!!!


Caroline Gurgel 28/08/2016minha estante
Obrigada, Maria Janir! :* :))))




Luísa 16/08/2016

A escrita poética e comovente de Marilia Arnaud. Por Luísa Gadelha
iturgia do fim é o segundo romance da escritora Marilia Arnaud. Paraibana, Marilia publicou seu primeiro romance, Suíte de silêncios, pela Rocco, em 2012; antes, escreveu quatro livros de contos e participou de várias antologias. Liturgia do fim (Tordesilhas, 150 páginas) chegou recentemente às livrarias brasileiras.

Liturgia é um ritual ou cerimônia religiosa, característico do cristianismo, que exemplifica bem o ápice do enredo. Trinta anos após ser expulso de Perdição, sítio onde cresceu, Inácio Boaventura, professor de meia-idade, literato, casado, abandona a profissão, a família e a cidade grande, para voltar ao lugar de sua infância, que esconde episódios intragáveis.

Em Perdição, Inácio foi criado sob o jugo de um pai autoritário, conservador e religioso (“E a cadeira de balanço de papai, trono de um rei sombrio, soberano de um país perdido nas brenhas de uma serra, senhor de todas as coisas existentes em derredor e a partir de si, a casa e as pessoas que a habitavam, a terra e a água, as pedras e as árvores, os animais e as lavouras, as flores e as abelhas, e ainda o silêncio e a palavra, a última palavra”), prendendo-se ao afeto da mãe, Adalgisa, dócil e submissa, juntamente com os irmãos, um primo, uma tia louca confinada a um sótão, e uma criada, Damiana, “adotada” pela família ainda criança.

Em seu retorno, Inácio se depara com uma casa já decadente, suja, onde só restaram vivos o pai, já ancião mas ainda imponente, e Damiana. O enredo lembra o de Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, publicado 40 anos antes, mas a prosa é inteiramente diferente.

Através da narrativa, entrecortada por lembranças de Inácio e o episódio de sua volta a Perdição, somos apresentados aos diversos aspectos que permeiam a personalidade do protagonista: o político, que, meio sem jeito, lutava pela redemocratização do país durante a ditadura militar; o romântico, acanhado, mas infiel à esposa, Ieda; o amante da literatura, que usava os livros para escapar de um mundo no qual não se encaixava; porém, sobretudo, o papel de filho.

Mais em:

site: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-escrita-poetica-e-comovente-de-marilia-arnaud-por-luisa-gadelha/
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Vitor.Leal 08/08/2016

O melhor desde "Suite de silêncios"
Liturgia do fim é o início da revolução da escrita por parte de uma autora com incríveis poderes de domínio de acontecimentos, fatos e sucessões em seus contextos, Marília Arnaud lança seu primeiro livro através do selo Tordesilhas da Alaúde Editora, o que promete muita mudança para todos os que leram seu romance Suíte de Silêncios, publicado pela editora Rocco.

Em "Liturgia do fim" você poderá acompanhar a evolução da autora em vários termos relacionados ao seu poder de escrita, ou melhor dizendo, poderá acompanha-los. O contexto do livro narra a vida de Inácio, que a princípio é um homem como qualquer outro, mas com segredos que você se quer possa se quer decifrar.

Em meio à problemas e sequelas de um passado que ele prefere esquecer, volta e meia se pega pensando alto nos aspectos que ainda lhe corroem à fundo. A narrativa forte de Marília transita entre o "eu" naturalista e conservador do personagem principal e o seu lado marcado pela expulsão de casa desde cedo por consta do pai, e por sua história extremamente depressiva.

Inácio, como muitas outras pessoas em todo o mundo é uma pessoa solitária que vive perdida em pensamentos e que busca refúgio em livros, em personagens e pessoas que não lhe suprem por completo, mas que o ajudam à esquecer um pouco do paralelo da realidade.

Toda uma vida, que poderia ser a nossa. Traumas, medos, tristeza, incerteza, problemas, solidão - E pensamentos que volta e meia retrocedem e nos fazem pensar no que somos, como somos e o que será de nós se continuarmos na dependência e vivência do passado. Como em todas as famílias, o responsável por parte dos traumas é o pai (triste realidade), ficando assim tendo apenas como apoio emocional e familiar sua mãe.

O trecho a seguir marca toda a obra, e boa parte de um dos segredos escondidos da família de Inácio:

Queria que me insultasse, e me amaldiçoasse, e me mandasse embora, teria sido justo, mas não agia assim. Longe dos ouvidos de Isabel, escorava sua mágoa contra contra mim num tom de voz desvanecido que destoava da Ieda que eu conhecia, por quê, Inácio, por que tornas as coisas tão difíceis, o que te leva a buscar lá fora o que tens em casa, por acaso eu te falto? Achas que eu mereço essa dor, essa humilhação?, um poço de egoísmo Inácio, é o que tu és - não se enganava; sou um homem na contemplação obsessiva da própria dor. (pag 81)

Marília Arnaud possui um poder indescritível sobre a forma de relatar acontecimentos do dia-a-dia de sua personagem que foi construída minuciosamente a cada folhear.

Um livro reflexivo que não deve ser lido as pressas, nem no desespero para finaliza-lo, cada linha é uma reflexão e exige um certo cuidado com as interpretações.

Um contexto louvável, diria eu que, o melhor de Marília Arnaud desde Suite de Silêncios.

site: http://www.catracaseletiva.com.br/2016/08/resenha-liturgia-do-fim-marilia-arnaud.html
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