Liturgia do fim

Liturgia do fim Marilia Arnaud




Resenhas - Liturgia do fim


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Janaina 08/06/2022minha estante
A leitura da resenha que remontou a Lavoura arcaica. Da autora, gostei muito de pássaro secreto. Já tá favoritado aqui. Amei a resenha!




Caroline Gurgel 23/08/2016

De um lirismo que faz a gente querer ler em voz alta...
Quando Liturgia do Fim chegou, eu tinha uma pilha de livros em andamento e nenhuma intenção de começar mais uma leitura. Ao abrir o livro para folhear, me deparei com a informação de que a autora era minha conterrânea. Curiosa, pensei em ler os primeiros parágrafos para saber se valeria a pena lê-lo algum dia. Não consegui mais parar. Não dá pra parar. Não tem como parar.

Marilia Arnaud nos conta a história de Inácio, um professor e escritor apaixonado pelas palavras, que, expulso de casa aos 18 anos, vai viver na cidade grande, forma família, mas, sem conseguir se desligar do passado, retorna à casa trinta anos depois para ver como tudo está e o que sobrou de Perdição, lugar onde nasceu.

A primeira surpresa foi o fato de termos uma narrativa em primeira pessoa, com um personagem masculino, escrito por uma mulher. Isso nem sempre dá certo, mas, se comecei com a imagem da escritora na cabeça, poucas páginas depois ali só existia Inácio e ninguém mais. Muito convincente e verossímil.

A escrita da autora é a alma do livro. Marilia não tem a intenção de ser simplória, pelo contrário, usa e abusa do rico vocabulário da língua portuguesa. Sem medo, vale salientar. Usa regionalismos à vontade, sem, no entanto, cair no caricatural, acorda palavras adormecidas e traz outras tantas que eu nem imaginava que, de fato, existissem no dicionário. E o melhor, seu rebuscamento não soa pedante nem tira a fluidez da leitura.

Assim como seu personagem, a autora certamente é uma amante das letras. É notável o cuidado que teve em não repetir as palavras ao longo do livro. O resultado de tudo isso é um texto bonito, poético, de um lirismo que nos traz aquela vontade de ler em voz alta. E, confesso, li boa parte assim.

Outro ponto que gostei foi o fato de Marilia ter usado os diálogos “dentro” dos parágrafos, sem interrupções, sem formalidades, separados apenas por diferentes flexões verbais.

A história é um triste e duro retrato de um dos tipos de família sertaneja, daquela que gira em torno do patriarca machista, bruto, ignorante e intransigente. Revela em suas entrelinhas a esposa submissa, temente e sofrida; a mãe tensa e preocupada, que oculta do marido até as menores travessuras dos filhos para protegê-los; a doméstica que abdica de sua vida para tornar-se criada, para doar-se a uma família que não é a sua; os parentes “encostados”, sempre presentes; as crenças e os costumes regionais. Faz-nos questionar se realmente “o fruto não cai tão longe da árvore”.

Liturgia do Fim, além da boa forma, é de uma sensibilidade impressionante. É possível sentir a dor, a angústia e o desespero do personagem durante toda a leitura, que mais parece uma ferida aberta pulsando em nosso corpo. Impossível poupar elogios, impossível não recomendar.


ig: @historiasdepapel_

site: www.historiasdepapel.com.br
Maria Janir Pir 26/08/2016minha estante
Como sempre linda resenha. Parabéns!!!


Caroline Gurgel 28/08/2016minha estante
Obrigada, Maria Janir! :* :))))




luizguilherme.puga 17/07/2021

Não morri de amores pelo livros, mas foi uma experiência bem agradável. Narrado em primeira pessoa por Inácio, um professor que abandonou esposa e filha para voltar as suas origens, Liturgia do Fim acompanha os dilemas do protagonista e os segredos que levaram à expulsão da casa dos pais, no começo da vida adulta. Sua relação de desafeto com o pai e interação com os demais membros do núcleo familiar. A história é reflexiva e os personagens bem construídos contudo a narrativa as vezes pareceu um pouco arrastada e com arestas a serem aparadas. Mas valeu a pena.
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Vitor.Leal 08/08/2016

O melhor desde "Suite de silêncios"
Liturgia do fim é o início da revolução da escrita por parte de uma autora com incríveis poderes de domínio de acontecimentos, fatos e sucessões em seus contextos, Marília Arnaud lança seu primeiro livro através do selo Tordesilhas da Alaúde Editora, o que promete muita mudança para todos os que leram seu romance Suíte de Silêncios, publicado pela editora Rocco.

Em "Liturgia do fim" você poderá acompanhar a evolução da autora em vários termos relacionados ao seu poder de escrita, ou melhor dizendo, poderá acompanha-los. O contexto do livro narra a vida de Inácio, que a princípio é um homem como qualquer outro, mas com segredos que você se quer possa se quer decifrar.

Em meio à problemas e sequelas de um passado que ele prefere esquecer, volta e meia se pega pensando alto nos aspectos que ainda lhe corroem à fundo. A narrativa forte de Marília transita entre o "eu" naturalista e conservador do personagem principal e o seu lado marcado pela expulsão de casa desde cedo por consta do pai, e por sua história extremamente depressiva.

Inácio, como muitas outras pessoas em todo o mundo é uma pessoa solitária que vive perdida em pensamentos e que busca refúgio em livros, em personagens e pessoas que não lhe suprem por completo, mas que o ajudam à esquecer um pouco do paralelo da realidade.

Toda uma vida, que poderia ser a nossa. Traumas, medos, tristeza, incerteza, problemas, solidão - E pensamentos que volta e meia retrocedem e nos fazem pensar no que somos, como somos e o que será de nós se continuarmos na dependência e vivência do passado. Como em todas as famílias, o responsável por parte dos traumas é o pai (triste realidade), ficando assim tendo apenas como apoio emocional e familiar sua mãe.

O trecho a seguir marca toda a obra, e boa parte de um dos segredos escondidos da família de Inácio:

Queria que me insultasse, e me amaldiçoasse, e me mandasse embora, teria sido justo, mas não agia assim. Longe dos ouvidos de Isabel, escorava sua mágoa contra contra mim num tom de voz desvanecido que destoava da Ieda que eu conhecia, por quê, Inácio, por que tornas as coisas tão difíceis, o que te leva a buscar lá fora o que tens em casa, por acaso eu te falto? Achas que eu mereço essa dor, essa humilhação?, um poço de egoísmo Inácio, é o que tu és - não se enganava; sou um homem na contemplação obsessiva da própria dor. (pag 81)

Marília Arnaud possui um poder indescritível sobre a forma de relatar acontecimentos do dia-a-dia de sua personagem que foi construída minuciosamente a cada folhear.

Um livro reflexivo que não deve ser lido as pressas, nem no desespero para finaliza-lo, cada linha é uma reflexão e exige um certo cuidado com as interpretações.

Um contexto louvável, diria eu que, o melhor de Marília Arnaud desde Suite de Silêncios.

site: http://www.catracaseletiva.com.br/2016/08/resenha-liturgia-do-fim-marilia-arnaud.html
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Luísa 16/08/2016

A escrita poética e comovente de Marilia Arnaud. Por Luísa Gadelha
iturgia do fim é o segundo romance da escritora Marilia Arnaud. Paraibana, Marilia publicou seu primeiro romance, Suíte de silêncios, pela Rocco, em 2012; antes, escreveu quatro livros de contos e participou de várias antologias. Liturgia do fim (Tordesilhas, 150 páginas) chegou recentemente às livrarias brasileiras.

Liturgia é um ritual ou cerimônia religiosa, característico do cristianismo, que exemplifica bem o ápice do enredo. Trinta anos após ser expulso de Perdição, sítio onde cresceu, Inácio Boaventura, professor de meia-idade, literato, casado, abandona a profissão, a família e a cidade grande, para voltar ao lugar de sua infância, que esconde episódios intragáveis.

Em Perdição, Inácio foi criado sob o jugo de um pai autoritário, conservador e religioso (“E a cadeira de balanço de papai, trono de um rei sombrio, soberano de um país perdido nas brenhas de uma serra, senhor de todas as coisas existentes em derredor e a partir de si, a casa e as pessoas que a habitavam, a terra e a água, as pedras e as árvores, os animais e as lavouras, as flores e as abelhas, e ainda o silêncio e a palavra, a última palavra”), prendendo-se ao afeto da mãe, Adalgisa, dócil e submissa, juntamente com os irmãos, um primo, uma tia louca confinada a um sótão, e uma criada, Damiana, “adotada” pela família ainda criança.

Em seu retorno, Inácio se depara com uma casa já decadente, suja, onde só restaram vivos o pai, já ancião mas ainda imponente, e Damiana. O enredo lembra o de Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, publicado 40 anos antes, mas a prosa é inteiramente diferente.

Através da narrativa, entrecortada por lembranças de Inácio e o episódio de sua volta a Perdição, somos apresentados aos diversos aspectos que permeiam a personalidade do protagonista: o político, que, meio sem jeito, lutava pela redemocratização do país durante a ditadura militar; o romântico, acanhado, mas infiel à esposa, Ieda; o amante da literatura, que usava os livros para escapar de um mundo no qual não se encaixava; porém, sobretudo, o papel de filho.

Mais em:

site: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-escrita-poetica-e-comovente-de-marilia-arnaud-por-luisa-gadelha/
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Krishnamurti 28/09/2018

Psicologia dos Vencidos
“Psicologia de um Vencido” é o título de um poema de Augusto dos Anjos. Nascido no Engenho Pau D'Arco na Paraíba em 20 de abril de 1884 cursou Direito no Recife, mas trabalhou como professor de Língua Portuguesa em seu estado e, posteriormente, no Rio de Janeiro. Em 1912, publica seu único livro de poesias: “Eu”, que acabou por se configurar na história da literatura, como obra de transição. Assim como seus contemporâneos – Lima Barreto, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Graça Aranha –, Augusto dos Anjos está filiado ao Pré-Modernismo, período da Literatura Brasileira marcado pelo sincretismo cultural, característica que o aproxima tanto do Simbolismo quanto do Parnasianismo, sendo, portanto, difícil classificá-lo em apenas um movimento literário.
Em que pese a singularidade de linguagem e criação estética, é visível em Augusto dos Anjos, uma poética permeada por profundo pessimismo e angústia moral na qual se destaca um vocabulário rebuscado e científico, uma dimensão cósmica e, sobretudo e um pessimismo arraigado. Vejamos estrofe de um de seus mais famosos poemas: “Psicologia de um Vencido”.
“Eu, filho do carbono e do amoníaco, / Monstro de escuridão e rutilância, / Sofro, desde a epigênese da infância, / A influência má dos signos do zodíaco”.
Em outro poema do autor: “Versos Íntimos”, sentimos a decepção em relação aos relacionamentos interpessoais, e também uma descrença nos destinos da humanidade ao lermos a estrofe:
“Acostuma-te à lama que te espera! / O Homem, que, nesta terra miserável, / Mora, entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera”.
Muito bem. Toda essa divagação tem dois objetivos muito claros e definidos. Primeiro, ponderar à legião de candidatos a escritor que fervilha no Brasil, quanto à importância de ler, ler muito, ler adoidado, antes de se lançar na vereda literária. Ao contrário do que alguns imaginam, a Literatura não nasceu junto com a Internet. E depois, apresentar, a obra “Liturgia do fim” da senhora Marilia Arnaud. Vejamos se, e de que forma, esses dois objetivos conduzem a algo interessante.
A autora, paraibana de Campina Grande, nos apresenta em seu romance, a história de Inácio que nasceu na fazenda Perdição. Inácio narra a sua própria vida e, em dez capítulos, a saga dos Boaventura, família que se estrutura sobre um machismo que inclui as taras de um tal Joaquim Boaventura, patriarca do clã, e dono de terras e destinos. Joaquim abriga na família que formou, personagens como a avó Doninha, a irmã louca Florinda e seu filho Felinto (um surdo-mudo de lábios leporinos), e Damiana, fiel serva que sofre e cala aos desmandos e despautérios alucinados de um homem capaz de apedrejar até a morte um cachorro indefeso amarrado a uma árvore! Um elenco digno de filme de terror.
Da união do monstro Joaquim Boaventura, com a professora Adalgisa, nascem os irmãos de Inácio. Teresa, Ifigênia, e um casal de gêmeos (Marcos e Mateus), que “não vingam” nos primeiros anos de vida. A infância de Inácio decorre sob a pressão do pai Joaquim, que o quer transformar a pulso, e a custa de violência em “homem”, como se a isso se pudesse dar tal nome. Ocorre, todavia, que Inácio é homem sensível, dado aos livros, entre os quais o “Eu” de Augusto dos Anjos, que lhe havia sido presenteado pela mãe aos quinze anos de idade. O grande contraponto de toda a história surge do próprio sangue de Joaquim Boaventura na figura de uma de suas filhas. Ifigênia irmã de Inácio é indomável, tida e havida como rebelde incorrigível, simplesmente porque é capaz de pensar, é capaz de não se submeter a historinhas de padres e religiões e de deus inventado e curtido na base da conveniência e safadeza humana. Não aceita e não acata as loucuras do pai. E por essas e “outras” termina sendo espancada e expulsa de casa depois de uma surra. O irmão Inácio a defende com unhas e dentes, e o resultado é que Inácio também é expulso de casa com dezoito anos. Aí temos o cenário de vidas que não se desenvolvem, vidas que se abortam, vidas que afinal não são vidas. Não passam de sombras doentias do próprio pai. Inácio (assim como o Augusto dos Anjos, lembram?) termina que se dedica à literatura, torna-se professor e escritor respeitado, se casa com Ieda, tem uma filha Isabel, e aparentemente constrói uma vida.
Poderia ter sido assim, mas não é o que de fato ocorre no interior do protagonista Inácio, que se define, e escreve sobre si: “acorvadado, perambulei pela vida arrastando correntes, réu errante a bater no peito, por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa”. p. 21. Ele sai da casa paterna expulso, muda-se para a capital, estuda, forma-se, casa-se, mas pela vida a fora continua a ser um zero à esquerda, um homem sem vitalidade, um néscio, manietado e dirigido pela amorosa Ieda, que tenta, e tenta a mais não poder, fazer dele um homem feliz. Não consegue. Inácio é homem vencido. Completamente vencido pela lembrança que lhe martela o peito. A opressão paterna o persegue onde quer que vá, e não o deixa esquecer jamais do desrespeito aos seus anseios de menino, dos ultrajes que sua mãe e irmãs foram submetidas pelo pai, e o que daí nasce é rancor surdo, ódio velado por tudo de negativo que a vida lhe impôs desde os primeiros anos de vida. E talvez por influencia de suas leituras de Augusto dos Anjos, tem uma visão do que é estar vivo, dentro de um fatalismo cegante a pensar que: “como se não fôssemos os trágicos seres que somos, como se a vida, em sua essência, não fosse o que é, uma linha reta para o nada”. p 32.
Decorrem 30 anos. E ainda assim Inácio se sente “apodrecido de incapacidade e fracasso, um sentimento que empesteava o mundo todo à minha volta, decidi largar tudo e voltar a Perdição”. A vida lhe negara tudo o que verdadeiramente amou. Ou pensou amar, no rastro da desorientação do próprio pai. Tal pai, tal filho? Sim, sob outras roupagens. Não havia no pai, como no filho, o sentido de um humano que se melhore, que trabalhe nesse sentido, que compreenda que não somos feras. O pai estúpido comete arbitrariedades sexuais dentro de sua própria família, o filho ilustrado casa-se, constitui família, é escritor e professor gabaritado, e no entanto, e entretanto, um adúltero que trai a esposa com colegas de trabalho, alunas e quem mais se lhe apresente a satisfazer instintos sexuais. Inácio de certa forma é réplica mais socializada do pai. Ou um reflexo mais burilado talvez.
Não há maneira de esquecer o passado e a estupidez em que seu pai o cria, e mais doloroso ainda o expulsa de casa no momento em que ele – em plena adolescência -, vive o primeiro e grande amor (na verdade uma explosão incontida de impulso sexual) de sua vida. Amor (?) que sentimento é este afinal que se confunde com carências, com ignorância, com a falta de diálogo, com a inexistência de convivência lúcida, e por isto mesmo, também com a pura e simples loucura?
TRECHO:
“Breves e oníricos clarões assaltavam o quarto intermitentemente – Deus vigiava. Seguia-se um ribombar de trovão – Deus vociferava. Ainda não conseguia pregar o olho, quando ouvi o girar suave da maçaneta no trinco da porta. Coração montado na besta louca, cheguei a imaginar que pudesse ser ele, o morto que fora enterrado numa valeta à beira do nosso caminho, e que me acossara meses a fio, resignando-se, por fim, com a sua sina de alma do outro mundo, e deixando-me em paz. Mas desde quando os mortos necessitavam de portas ou janelas para invadir os espaços dos homens? O certo é que de dentro de sua inexistência outras almas continuavam me aterrorizando – um medo pueril que carreguei comigo até tarde -, e delas se podia esperar tudo, inclusive ciladas e blefes.
Foi o meu nome, soprado no centro das trevas, que me garantiu a realidade dos vivos, acendendo uma candeia em meu sangue.
De repente tudo me apareceu absolutamente claro. Longe das vistas de todos e de qualquer um, nossos abraços, cada dia mais ávidos e demorados, contradiziam um certo distanciamento, a seriedade e a frieza na palavra, o constrangimento no olhar. Envergonhados das nossas intimidades de meses antes, desamparados diante daquela repentina infamiliaridade, vivíamos nos buscando e nos evitando, porquanto num dia éramos crianças e podíamos tudo, e no outro, estávamos prontos para nos deitar, para exercer aquela paixão na integridade da nossa carne”. p. 117.
O curso daquelas vidas termina em infelicidades, desastres e suicídios. Seres que não se desenvolvem que não se firmam como humanos. Desastre por cima de desastre, e o rancor, ou o amor que nunca teve do próprio pai (quem o haverá de dizer?), o impele voltar à fazenda, trinta anos depois, onde só sobrevivem o pai estúpido e a serva Damiana. A fazenda transformara-se em sepulcro de lembranças justamente numa espécie de “liturgia do fim”.
O parnasianismo renegou o romantismo, e exaltou uma arte fria impassível, intelectualizada, contra o transe, a participação e a emotividade - em suma, a hipertrofia do eu. Pregou o trabalho formal, o culto ao estilo: os parnasianos Filiavam-se ao parnasse francês (Gautier, Bainville, Lisle, Baudelaire e Hérédia). Melancolia, sentimentalismo, e uma sensualidade à flor da pele que deve muito à poesia de Baudelaire. Os poetas parnasianos viam o homem preso à matéria, sem possibilidade de libertar-se do determinismo, e tendem então para o pessimismo ou para o sensualismo.
Que dizer, que pensar de uma coisa assim? Atente-se para a circunstância de um homem que nasce lá pelos anos de 1940 (em 1964 época do terror velado da ditadura militar no Brasil), Inácio é um estudante de 20 e poucos anos, morador de uma pensão. Época em que a humanidade já havia sido devastada por duas guerras mundiais, a última engendrou uma das maiores carnificinas jamais vistas como a de se lançar duas bombas atômicas sobre populações civis, ou o holocausto de milhões de judeus aniquilados pela sanha Nazista. Em que o mundo, estava se transformando em uma imensa urna funerária, e toda essa desgraça que continua e vem se acelerando ainda aqui em nossos dias. Que esperar de seres que nascem e tentam se desenvolver nesse inferno de almas? Que esperar do humano num mundo assim? Acaso homens como Augusto dos Anjos não perceberam essas tendências no tempo e no mundo em que viveram? “Acostuma-te à lama que te espera! / O Homem, que, nesta terra miserável, / Mora, entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera”.
Para que diabo afinal serve a literatura a não ser dar conta do homem e de sua existência? De que serve a literatura também, senão para subir nos ombros daqueles que nos antecederam na mesma seara, para divisar novos horizontes como o faz a senhora Marília Arnaud? Este livro nos fala de machismo? Sim, mas vai além, denuncia a submissão e vilipendio feminino por eras a fio, nos enreda sutilmente pelos meandros da loucura humana que “Mora, entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera”. Aí a grande metáfora que é “Joaquim Boaventura”. A autora não pintou um mundo colorido e enganoso como o que vivemos tal e qual bobos da corte ansiando por alegorias cibernéticas e sexualismo desenfreado (e aqui dou um spoiler na obra de Marilia. No trecho do romance transcrito acima, o que poderia parecer um ato de amor consciente e sadio, não passa de uma cena de incesto). E chegamos ao ano de 2017 da era cristã a brincar de terrorismos e guerrilhas nucleares, enquanto outros se dedicam a esfaquear ou explodir bombas suicidas, enquanto outros milhões morrem à míngua de fome miséria e a loucura se multiplica cada vez mais, em loucura. A violência banaliza-se a passos largos. [Será este o determinismo humano?].
Há de se reconhecer o brilhante trabalho de recolhimento e análise humana que a autora levou a efeito, costurando tempos, (lembramos que o Parnasianismo brasileiro, caracterizou-se pela objetividade, o universalismo e o esteticismo. Este último a exigir um formalismo quanto à construção e à sintaxe, como Marilia constrói seu texto), imbricando visões de vida, alargando e atualizando circunstâncias. Dentro mesmo da Literatura e na Literatura. Vidas na Terra da “Perdição” na qual vamos cada vez mais afundando.

Livro: “Liturgia do fim” – Romance de Marilia Arnaud – Editora Tordesilhas, São Paulo-SP. 2016, 152 p.
ISBN 978-85-8419-043-0
LINK : http://tordesilhaslivros.com.br/livro/liturgia-do-fim.htm
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Toni 29/04/2019

O confronto de um filho com a figura de seu pai tirano e abjeto talvez não venha de um lugar incomum na literatura contemporânea. O já-nascido-clássico ‘Lavoura arcaica’ (1975), epítome do tema, continua a assombrar leitores e a denunciar a violência estrutural do patriarcalismo brasileiro. A aparente falta de novidade, no entanto, não deve levar os leitores de ‘Liturgia do fim’ ao descarte ou olhar condescendente: com a exuberância de quem apura o texto até que o mundo transborde de suas margens (algo muito mais consistente e impactante que a linguagem burilada do Raduan, a propósito), a paraibana (minha conterrânea) Marília Arnaud narra o rosário de face cruel de um Brasil agrário, estagnado e entravante simbolizado pela história de uma família e de sua fazenda, chamada Perdição.
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Inácio Boaventura, o narrador, é um escritor fracassado enterrado numa espécie de letargia, incapaz de enxergar além dos 'muros intransponíveis de raiva e impotência' criados por uma infância de submissão cega e abandono. Após a morte da mãe, uma entre as inúmeras vítimas da 'bestialidade flamejante' de seu pai, resolve abandonar a vida na cidade grande para acertar as contas com o passado. Aos poucos, a escrita de Inácio compõe o 'mosaico de seus ontens irrevelados', uma visão do inferno sob o comando 'do patriarca, do guardião dos bons costumes, do homem reto e religioso, cidadão respeitado e cumpridor dos seus deveres' (espelho de muitas figuras públicas, convenhamos).
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‘Liturgia do fim’ consegue transformar o silêncio impositivo de uma religiosidade deteriorada num mergulho profundo em paisagens e na psiquê do corpo e da terra. A meu ver, sua passagem incólume por premiações apenas atesta, mais uma vez, a extensão da indiferença dos grandes centros e juris de prêmios ao observar o que há de novo e pungente na literatura produzida por mulheres nordestinas.
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Egberto Vital 02/02/2022

Narrado a partir da perspectiva de um narrador personagem, "Liturgia do Fim" é um texto pungente e emocionante.
Uma obra que despertou em mim uma experiência vicária e catártica, um texto que adentra no âmago existencial do leitor e o faz refletir acerca das relações fadadas ao rompimento.
A história de Inácio perpassa as relações familiares que cortejam fracasso, permeado de um seio familiar autoritário, patriarcal e cerceador de sonhos, jornadas e afetos, o protagonista da obra segue uma jornada do herói às avessas, em que lança mão do distanciamento e do apartamento afetivo, na tentativa de se blindar no esquecimento, mas acaba por perceber que a compreensão de si está no retorno, no confronto da própria sombra. Inácio é uma reticência reticente, um pássaro secreto em processo de individuação.
Nesta obra, @mariliaarnaud atravessa as sombras do caos adornado da beleza das palavras e das construções imagéticas, que nos transportam para dentro dos espaços e ambientes que permeiam toda a narrativa.
Até aqui é o texto que mais gostei da autora, talvez pela identificação com a personagem central ou talvez por ele ser, de fato, o escrito preferido de sua criadora, pois é nítido o cuidado com trato estético e a eficiência na tecitura do texto. Recomendo demais, leiam mais Marília Arnaud.

#mariliaarnaud #liturgiadofim #literaturabrasileira #literaturaparaibana #tbr2022 #TBR #leituras2022
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Lucikelly.Oliveira 21/11/2022

Visceral
Que sorte a nossa ter Marília Arnaud com essa escrita tão visceral e tocante.

Liturgia do fim era o o que faltava para completar a leitura de toda a obra da Marília.
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Paula 20/10/2016

Ritos de fim
Gostei muito da escrita dessa autora, é um nome para se acompanhar.

"O que farei ao final deste relato? Subirei ao topo de Perdição, um mundo velado pelos guizos frios do vento, onde se ergue e se espraia um cenário de alturas, larguezas e ondulações, paisagem de uma quietude espessa, onírica, de uma imponência que meus olhos mal conseguem sustentar, e que contrasta com o espaço estiado e sem saída, com a terra de cercas e desalento que me habita, e do seu parapeito secreto jogarei para o alto o manuscrito que tenho aqui em minhas mãos, folha por folha, numa espécie de liturgia do fim, afugentando com meu gesto os pássaros de sonho, os deuses emplumados que mergulharão no milagre azul dos meus voos, e minhas palavras dançarão ao ritmo da ventania, valsa triste sob um céu de nenhuma sombra"

site: http://pipanaosabevoar.blogspot.com.br/2016/08/liturgia-do-fim.html
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Maria - Blog Pétalas de Liberdade 25/10/2016

Resenha para o blog Pétalas de Liberdade
“Voltei para juntar os cacos dos dias partidos, manchados de terra e sangue, para recolher fragmentos de vidas atrás das portas fechadas e, com mãos pacientes, compor o mosaico de ontens irrevelados.” (página 74)

No livro, Inácio conta a sua história. Ele era um escritor que deixou mulher e filha na cidade e voltou para Perdição, povoado onde nasceu e morou até mais ou menos os dezoito anos, quando foi expulso de casa pelo pai. No decorrer dos capítulos, vemos que a infância de Inácio teve seus momentos bons: o carinho da mãe, a vida simples do interior, a diversão com as irmãs e o primo, mas toda essa infância e adolescência estavam sob o peso do autoritarismo do pai, um homem que causava medo nos filhos e em que nenhum momento parecia demonstrar gostar de Inácio. Qual o motivo do desprezo do pai pelo filho? Será que, ao voltar após mais de trinta anos longe da casa da família, Inácio conseguiria entender isso e superar a “violência” da falta de amor paterna que marcou toda a sua vida? Ou o leitor descobrirá que a causa do desajuste de Inácio é outra?

“Em nome desse Deus e amparado em lendas bíblica, alegorias crísticas, salmos, versículos, novenas, terços, penitências, criaste teus filhos com severidade e frieza, mas comigo, pai, especialmente comigo, por razões que me eram obscuras, ias além” (página 67)

“Liturgia do fim” tem uma escrita bem elaborada, a autora desenha com as palavras, usa de simbologias e faz muitas referências, é uma escrita quase poética, proporcionando uma leitura fluida. Por não ter um elevado número de páginas, pode ser lido rapidamente.

O narrador é um personagem que desperta sentimentos controversos. Inácio é imperfeito e fez muitas coisas condenáveis (não me refiro ao “segredo” dele, mas sim a suas atitudes, especialmente no casamento), por outro lado, a forma como seu pai tratava a família, algo que infelizmente não é exclusivo da ficção, e os dramas pelos quais Inácio passou, talvez justifiquem um pouco a sua “melancolia”, a sua falta de rumos e o fato de deixar que os outros, ilusoriamente, decidissem por ele. Inácio sofreu, isso é inegável, e passou por uma situação bem polêmica que transformou-o em uma pessoa incompleta, marcada. Não contarei que situação foi essa, mas foi algo de que suspeitei desde antes da confirmação na leitura.

Um ponto que me agradou enquanto lia, foi a descrição na vida do interior; eu morei na roça durante uma parte da minha vida, então, era encantador ler sobre a natureza, os animais e a produção do mel e o manejo das abelhas (área em que minha família também atuou). Acredito que a autora deve ter feito uma boa pesquisa para escrever sobre o tema com propriedade.

Sobre a edição: a capa, com essa representação de uma casa simples, me agradou; as páginas são amareladas, não encontrei erros de revisão e a diagramação traz margens, letras e espaçamento de bom tamanho.

Enfim, agradeço à editora Tordesilhas por ter enviado o livro para resenha no blog e recomendo a leitura de “Liturgia do fim”, pois vocês merecem conhecer a bela escrita de Marilia Arnaud, uma escritora brasileira de quem já me tornei fã. Ressalto que a obra aborda um tema polêmico, que pode chocar algumas pessoas, mas certamente se tornará uma leitura marcante, pelos seus cenários e personagens.

“Eu só queria sonhar, pai, e sonhar ainda, e sonhar sempre, porque o homem, quando sonha, é um deus, é não é nada quando usurpam a única coisa que redime toda a miséria humana, o mel da vida. Pois não foste tu que inventaste as abelhas tão somente para sonhar, pai?” (página 86)

site: http://petalasdeliberdade.blogspot.com.br/2016/10/resenha-livro-liturgia-do-fim-marilia.html
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Paulo 04/04/2018

O patriarcalismo e as raízes da violência
Vem de Campina Grande (terra do dramaturgo Paulo Pontes), a ficcionista Marília Arnaud, atualmente residente na Capital paraibana, que atinge com o seu segundo romance, após início de carreira no conto, maturidade artística admirável, fazendo de Liturgia do fim (1) uma obra marcante na literatura brasileira dessa segunda década, com muitos e variados méritos.

Venha resenha completa no blog.

site: http://bufaloceleste.blogspot.com.br/2018/04/liturgiado-fim-de-marilia-arnaud.html
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Flavia Sena 03/08/2019

Segundo livro que leio da Marília. Por coincidência ela é do meu estado, Paraíba. Cheguei até o primeiro, Suíte de silêncios, por acaso. Aqueles encontros que dão a sensação que o livro que te escolheu. Gostei da escrita dela, poética e densa. Esse título mantém essas características... super pesado, do jeito que gosto!
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fariaxt 25/07/2022

Muito bom!
Que delícia de leitura. A marilia me surpreendeu aqui, o enredo muito tocante, a escrita maravilhosa e sim, achei melhor do que o pássaro secreto.
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Thalyta Vidal 22/02/2023

Difícil de engolir
Ainda presa ao desfecho dessa obra, não sei quando conseguirei sair! Aqui, o patriarcalismo pesa e dói, torna morto aquilo que deveria ser cheio de vida, consome, assassina e não enterra. A amargura percorre a vida dos personagens como uma herança recebida no momento do nascimento de todos aqueles que viveram ao lado do pai do narrador-personagem. É interessante perceber os movimentos de partida e retorno construídos na literatura contemporânea por artistas como Arnaud e Maria Valéria Rezende. Não vou me dedicar a escrever o percurso dessas vidas narradas como uma sinopse da obra, pois preciso evidenciar um beleza em meio à solidão dessas personagens. Ela se dá pela forma como Marília descreve o movimento das abelhas, sempre servindo e dando sua vida pela rainha - o que é uma metáfora dolorosa. A leitura desses momentos da trama é extremamente imagética, conseguimos visualizar praticamente em uma tela 3d tudo que ali está escrito. Só consigo pensar no trato linguístico e na dedicação e estudo que antecederam a escrita dessa obra e na mestria e cuidado dessa artista na construção de cada personagem que nos apresentou até hoje.
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