Queria Estar Lendo 03/01/2017
Resenha: O Crime do Vencedor
A Maldição do Vencedor me arrebatou, e sua sequência trouxe um impacto emocional ainda maior na minha vida. Com uma narrativa brilhante, desenvolvimento incrível e um final de tirar o fôlego, O Crime do Vencedor foi definitivamente uma das melhores leituras do ano.
Kestrel fez um acordo com o imperador; em troca da paz com o governo Herrani, ela se casaria com seu filho, tornando-se assim futura imperatriz. Na corte real, no entanto, o jogo político é ainda mais perigoso e tenso do que Kestrel imaginava. Em meio a mentiras sórdidas e verdades ocultas, a corajosa garota precisará fazer escolhas arriscadas para proteger a si mesma e aqueles que ela ama, ainda que isso signifique perder a confiança e o amor dessas pessoas.
"- Escolhi você, Kestrel, e vou transformá-la em tudo o que meu filho não é capaz de ser. Uma pessoa digna de assumir o meu lugar. "
Pensa em uma trama política genial temperada por personagens vivos, cheios de medos e angústias. Pensa em uma protagonista poderosa, com presença em cena, o tipo de mulher que conseguiria parar uma guerra ou começar uma guerra só com algumas palavras. Pensa em um livro fascinante: é O Crime do Vencedor.
Kestrel fez uma escolha sem volta no fim do primeiro volume, e as consequências que resultam dessa escolha vão assombrá-la nessa sequência. A corte real é um ninho de víboras e o imperador é a mais traiçoeira delas. Ele é manipulador, cruel e se esconde atrás de sorrisos e ameaças veladas silenciosamente. Kestrel está na palma da mão do governante, mas ela não é uma donzela indefesa, tampouco ingênua a respeito desses jogos de poder. Ela é, na verdade, uma das melhores jogadoras.
"Kestrel não entendia como a verdade podia ter duas faces, igual a uma moeda. Tão preciosa - e tão terrível."
Através de argumentações inteligentes e sugestões perigosas, Kestrel abre caminho para segredos muito bem escondidos, encontrando tramas políticas enraizadas dentro da corte. Ela sabe que investigar aquilo pode ser o seu fim, mas também vive com a sensação de que precisa fazer algo pela justiça; justiça por seu povo ou justiça pela própria consciência? É uma das batalhas que a personagem vive nesse volume.
"Vou sentir sua falta quando acordar."
"Não acorde."
O mais interessante da história é como a autora trabalha esse embate de ideias dentro da Kestrel. Ela é uma valoriana orgulhosa, mas também viveu muito da rebelião herrani para entender o lado deles nessa guerra. Mesmo com o acordo feito ao fim do primeiro livro, a tensão entre os dois povos ainda existe, assim como as diferenças sociais. O império é brutal, e pequenos focos de rebeliões crescem conforme sua brutalidade se estende pelo continente. É ai que Kestrel entende sua posição nesse jogo. Ela está ao lado do pai, do imperador e do governo, mas também está do próprio lado, agindo pelas sombras para encontrar justiça.
"Kestrel sentiu que sua vida tinha assumido o formato de um canivete. Seu coração, uma lâmina dentro de um pedaço de madeira."
A relação de Kestrel com o pai é de vital importância para os caminhos que ela escolhe dentro desse livro. A protagonista tem um amor puro pelo criador, e vive em dúvida sobre a prioridade no coração dele. Seu pai prioriza os campos de batalha, a fidelidade ao governo, mas seria assim até o fim? Até que ponto a fidelidade do general Trajan repousa com o império? Até que ponto ele é fiel à própria filha?
"- Nós dois sabemos o valor de uma mentira pelos motivos certos."
Do outro lado da moeda temos Arin. Ele é o governador de Herran agora, nomeado após o acordo com o império. Arin tem muito de rebelde e muito de altruísmo, disposto a tudo para conseguir a vingança pelo seu povo. Esses ideais acabam cegando Arin para algumas verdades bem óbvias, e por isso é tão incrível como a Marie trabalhou os conflitos entre ele e a Kestrel.
"O sangue dela parecia coberto de pólvora negra. Como ela poderia ter esquecido como era arder feito um pavio diante dele?"
Existe um amor profundo e poderoso entre os dois, mas o foco é justamente como esse amor não pode coexistir com suas crenças em ideias tão opostas. Kestrel é uma jogadora silenciosa, que trabalha através da discrição e das manipulações. Arin é contido, mas bem mais óbvio em relação a escolhas e riscos aceitos. Os dois são poderosos juntos, mas igualmente poderosos separados, e por isso compõem um casal tão apaixonante. A tragédia no amor impossível deles dá um tom sombrio para a história, especialmente com as escolhas que Kestrel é forçada a fazer com o avançar da trama.
"- Case-se com ele - Arin disse -, mas seja minha em segredo."
Personagens secundários, mais uma vez, muito bem desenvolvidos. Jess e Ronan voltam a aparecer, o segundo apenas brevemente - e em uma das cenas que mais partiu meu coração - como consequência dos acontecimentos ao fim do livro um. Jess está mais quebrada, traumatizada pela rebelião e pela tomada da capital, e Ronan carrega uma amargura magoada. A visão de Kestrel sobre os antigos amigos sofre um amadurecimento doloroso; afinal de contas, ela entregou seu coração a um herrani, e seu povo jamais se esquecerá de tal fato.
"Que tipo de pessoa alimenta um monstro? Que tipo de pessoa ama um monstro?"
A corte real é um ninho de víboras, como disse, mas tem um pouco de luz em meio à escuridão desses nobres. Verex, príncipe herdeiro e noivo de Kestrel, é um rapaz ingênuo, adorador de artes que são mal vistas por seu pai, solitário com suas escolhas. Ele e Kestrel têm ótimas interações e constroem uma amizade adorável e importante para ambos os personagens. Risha, princesa oriental que é refém ali na corte, tem poucos momentos em cena, mas acredito que ela guarda uma grande surpresa para o fim da trilogia.
"Eles o teriam feito rir se estivesse no clima para isso, de tanto que os valorianos eram ruins em beleza. Eles a roubavam. Eles a forçavam. Nunca haviam conseguido criá-la."
Por falar nos orientais, em determinado momento da trama somos apresentados à sua corte real e ao fato de que eles podem vir a se tornar aliados contra o império. Com a aproximação de uma guerra, os herranis buscam aliados para se erguer contra o governo opressor. A força da corte oriental é exatamente o que eles precisam para ter vantagem.
"- Se não quiser ser meu amigo, vai se arrepender de ser meu inimigo."
O Crime do Vencedor é um livro sobre política, escolhas e sobre a juventude perdida por uma guerra sem fim. Kestrel é uma protagonista poderosa, incrível em sua simplicidade e sutileza. Não é o tipo de guerreira que usa a força física, mas a inteligência, e por isso uma das mais perigosas e ardilosas que já tive a alegria de ler. Com um final desolador e a promessa de uma guerra capaz de mudar o mundo, o segundo volume da trilogia da Maldição do Vencedor é o tipo de livro que deveria marcar presença nas estantes de todos os leitores do mundo.