Thales.Santos 16/01/2024
"Um brinde a Cuba, por favor, um brinde a Cuba..."
Peguei esse livro aleatoriamente em um "pegue aqui" da biblioteca central do Gragoatá da UFF. Vi o título e curti, nem reparei que era um autor angolano. Alguns meses depois, acabei pegando um livro "Os da Minha Rua", dessa vez o motivo foi o fato de eu ter gostado da capa. Quando fui arrumar minha prateleira não apenas descobri que eu tinha dois livros do mesmo autor como também ele era angolano. Desde então, me iniciei na literatura angolana com Agualusa e agora com Ondjaki.
Para quem leu "Os da Minha Rua" vai sentir uma certa familiaridade com a leitura, tanto pelo jeito que é estruturado- cotidiano de uma Luanda pós-independência contado através de uma visão de uma criança proveniente de uma classe média, que vai nos relatando certas realidades de uma jovem nação se estruturando e criando sua identidade cultural após uma guerra pela sua independência e, posteriormente, uma guerra civil-, quanto pelo tom lúdico que permeia toda a obra.
Na verdade, até certas partes da história são similares. Da mesma forma que acontece em Bom Dia Camaradas, em Os da Minha Rua também há uma dolorosa despedida. Se eu não me engano, os personagens, inclusive, têm os mesmos nomes nesses dois livros, a diferença é que em Bom Dia Camaradas essa despedida é mais desenrolada na trama, mais trabalhada. Outra questão que também aparece nos dois livros é a dificuldade do narrador em lidar com despedidas. Em Os da Minha Rua tem uma passagem que eu acho muito linda, que sintetiza muito bem esse sentimento, que hoje parando para pensar eu mesmo senti muito isso também:
"Nas despedidas acontece isso: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças, não sabemos arrumar essas coisas dentro do nosso coraçao."
O que me encanta no autor é sua capacidade de abordar essas transformações sociais e passear por momentos históricos conturbados de seu país, e até mesmo dando descrição, de forma tão lúdica. A tia Dada, por vir de um país colonizador e capitalista, portanto tendo um estilo de vida diferente, acaba servindo de contraste com a realidade angolana na qual o autor irá mostrar certas realidades. Afinal, é principalmente a partir do contraste que conseguimos entender nossa sociedade.
O encontro do narrador com a tia Dada em que os camarada presidente passa por eles, onde ele tenta mostrar um certo personalismo entorno da figura do líder, assim como a instabilidade política vivida no país; o espanto dele ao descobrir que em Portugal não há controle na quantidade de comida que se compra etc.
Mas é interessante como o personagem está ali embutido do sentimento de patriotismo e nacionalismo, fundamentais a qualquer país que está se livrando das garras do colonialismo. De certa forma, ele nos mostra como é fácil para um país colonizador viver das benesses do consumismo às custa da exploração e humilhação dos outros.
Por fim, impossível não falar do papel dos cubanos ao lutar ao lado dos angolanos durante a guerra e também posteriormente em sua estruturação, ao enviar soldados, médicos, operários e professores. No livro A Ilha de Fernando Morais e até em outros livros sobre Cuba, é possível ver como outra forma de ajuda é a formação acadêmica. Durante muito tempo, cuba recebeu milhares de angolanos, vietnamitas e demais nações amigas, para que de lá daquela pequena ilha eles saíssem médicos, engenheiros, professores etc e, assim, ajudassem na construção de suas próprias nações.
Os professores cubanos também vão ser outro fator presente em Os da Minha Rua, o que mostra como a solidariedade cubana não foi esquecida pelos angolanos