Christiane 03/06/2022
Debora Diniz nos conta neste livro o que foi a epidemia de zika em 2016 e todo o sofrimento que acarretou para as mulheres grávidas e suas famílias. Ficamos sabendo como funciona a ciência, as pesquisas e o Estado diante de epidemias, porém o que nunca se fala é sobre o outro lado, o lado dos médicos que estão na linha de frente, na beira do leito como Diniz chama, e do quanto são eles que geralmente chegam ao diagnóstico antes que a ciência o comprove, mas sempre são esquecidos e relegados a segundo plano, principalmente neste caso ainda pesou e muito o fato de terem sido médicos e cientistas nordestinos (as) que primeiro desvendaram o que estava ocorrendo. Como assim? o nordeste à frente dos grandes centros do Sul? Mas para piorar, foi uma mulher, uma médica do Cariri do sertão nordestino quem descobriu que era o vírus da zika que provocava a microencefalia nos fetos. Apesar dela ter enviado as amostras do líquido aminiótico para a Fiocruz, seu nome desapareceu, ficando todo o crédito para um pesquisador homem de uma Instituição do Estado. Lamentável no mínimo, pois isto mostra mais uma vez o quanto se apaga os feitos das mulheres.
Um outro ponto é que todo o trabalho de prevenção se voltou e volta para o vetor, ou seja, o mosquito transmissor, mas não há preocupação com as mulheres, mulheres que desejam ser mães e que tem medo. O que foi aconselhado é abstinência sexual, ao invés de investir em anticoncepção e também liberar o aborto para estes casos. A dor, o efeito mental em uma mulher que carrega até o fim uma gravidez de um filho destinado a morrer em muitos dos casos é cruel. A mulher e sua família precisam ter o direito de interromper isto. Os médicos sabem quando se trata de um quadro irreversível, que não há chances. Chama a atenção que todos defendem a maternidade, defendem que as mulheres tem que ser mães e as louvam, mas literalmente viram as costas diante de situações como esta, lhes restando o apoio de outras mulheres e da família. Mesmo aquelas que seus filhos sobreviveram no começo tiveram que lutar sozinhas e com suas famílias para fazer o que era necessário. Horas de estrada para ir duas vezes por semana a centros de reabilitação, deixar seu trabalho e se dedicar ao filho, nada disto amparado pelo Estado. E ainda houve piadas de mau gosto de ministros como "sexo é para amadoras, gravidez é para profissionais". Somente em 2020 foi aprovado uma lei que dá pensão vitalícia a estas crianças, desde que se comprove que foi pela zika. Durante 04 anos estas mães lutaram sozinhas e a grande maioria eram pobres. Por isto um pai, professor, e que tinha melhores condições fez a denúncia que eles estavam isolados, ou seja, abandonados a própria sorte. O fato é que há responsabilidade da saúde pública e do Estado, pois o mosquito se prolifera onde falta saneamento básico, onde há lixo, e também é necessário controles epidemológicos que são fracos quando não são ausentes. A pergunta que fica é se isto tivesse ocorrido no Sudeste e Sul do Brasil, com mulheres da classe média e da elite, o que teria sido feito? A primeira resposta seria que as condições financeiras seriam melhores, e a segunda, elas teriam ajuda profissional como babás para ajudar a cuidar destas crianças, e o interesse em buscar diagnosticar teria sido mais rápido. Graças a médicas mulheres, desconhecidas, e médicos que também se interessaram e foram atrás, e que hoje estão no esquecimento, se pode descobrir mais rápido, mas não o suficiente para muitas mães. Os outros ficaram com os méritos e os financiamentos para pesquisas.