jota 07/10/2017Meursault/Camus, Haroun/DaoudGanhador de diversos prêmios literários franceses desde que foi lançado em 2013, traduzido para vários países, O Caso Meursault, de Kamel Daoud, é uma metaficção elaborada a partir do conhecido livro de Albert Camus (1913-1960), O Estrangeiro (1942), um dos mais célebres romances do século XX e que todo bom leitor já deve ter lido uma vez.
Para apreciar o livro de Daoud não é necessário conhecer profundamente o clássico de Camus. Nem mesmo tê-lo lido (embora isso faça alguma diferença, claro), pois a toda hora Daoud nos lembra o que aconteceu em O Estrangeiro, em que o personagem Meursault, "por causa do sol" mata numa praia de Argel, com vários tiros, um árabe anônimo.
Esse árabe, durante muitos anos desconhecido, agora sabemos que se trata de um argelino e que tem nome, Moussa: sua história nos é contada pelo irmão mais novo, Haroun, que usa as palavras para produzir um confronto não apenas com o francês assassino Meursault, também com Camus, o autor franco-argelino.
Ao mesmo tempo Haroun, numa longa confidência, que é isso que o livro é, conta sua própria história e de sua mãe, que sonhava vingar o filho morto por Meursault através da morte de um estrangeiro, quer dizer, de um francês - como é dito a certa altura do livro, a religião proíbe apenas que um muçulmano mate outro muçulmano.
Haroun também fala um pouco sobre a história da própria Argélia, então colônia francesa na época de Meursault, da libertação em 1962 e depois da independência, parecendo dizer que a vida era melhor nos tempos da colônia, ou que as ruas não eram tão sujas, malcheirosas ou perigosas; quando não havia tanta religião, as mulheres andavam mais descobertas e se podia beber vinho à vontade...
O Caso Meursault não é uma leitura empolgante, mas interessante, reflexiva, e nisso por vezes ele dialoga com a obra de Camus. Cujos livros se preocupavam não apenas em contar histórias mas igualmente em fazer com que os leitores tomassem contato com suas ideias a respeito do mundo, da vida. Mais ou menos como faz Haroun, daí que Le Monde escreveu que o livro de Daoud "No futuro será lido como um par de O Estrangeiro", conforme consta da presente edição brasileira.
Minha avaliação: 3,8
Lido entre 30/09 e 06/10/2017.