Aione 07/10/2016Em sua adolescência, Renato Manfredini Jr. – que viria a se tornar Renato Russo, líder da Legião Urbana, uma das maiores bandas brasileiras -, foi acometido pela epifisiólise, uma rara doença óssea. Durante sua recuperação, Renato preencheu folhas e mais folhas sobre uma banda por ele imaginada, a 42nd St. Band. Agora, a Companhia das Letras reuniu esses escritos, formando o romance fragmentário The 42nd St. Band, belissimamente ilustrado com representações dos álbuns da banda, manuscritos e figuras diversas, inclusive que simulam revistas nas quais os integrantes foram entrevistados. Como originalmente os textos foram redigidos em inglês, a tradução é de Guilherme Gontijo Flores.
A história da banda começa com o encontro de três primos na infância, Eric, Jesse e Nick. Temos o relato do crescimento dos três, bem como dos episódios que influenciaram sua inserção no meio musical, e pouco a pouco reunimos as informações que nos permitem compreender a trajetória da 42nd St. Band.
Recheado de referências musicais dos anos 1960 e 1970, principalmente, The 42nd St. Band, contudo, não é formado por uma narrativa convencional. A organização da editora permitiu que uma das primeiras partes do livro seja a que traz o bloco de texto mais longo, mais próxima da estrutura de um romance no sentido de contar uma história de maneira linear e no caso, através da visão de Nick.
Nesse “capítulo”, o personagem narra em detalhes a trajetória dos primos rumo ao surgimento da banda enquanto responde a uma pergunta em uma entrevista, até onde podemos supor, sobre seus primeiros anos de formação musical. Por consequência, a escrita é direta e fluida, acompanhando a fala do astro do rock, e recheada de jargões. Há outros trechos similares, que também funcionam como respostas a uma pergunta, nos quais temos algum episódio sendo narrado. Entretanto, eles são menos extensos do que esse inicial.
Ainda, há diversos outros formatos diferentes de narrativas: cenas de ensaios e shows da banda, nos quais é possível visualizar como Renato imaginava a reunião entre os integrantes; diferentes resumos cronológicos, que esquematizam os acontecimentos principais sobre a 42nd St. Band nos períodos selecionados; discografias; entrevistas diversas; letras de músicas; informações sobre as turnês da banda etc. Como cada um dos escritos de Renato foram feitos de maneira separada e não necessariamente representavam uma unidade fechada, há divergências de informações bem como lacunas de acontecimentos – foi a organização da editora que permitiu a apresentação de The 42nd St. Band como um livro.
O que mais achei incrível na leitura foi ter mais uma evidência da grandiosidade da mente criativa de Renato Russo. A 42nd St. Band foi a concepção de um jovem confinado em seu quarto, como muitos atualmente fazem ao, por exemplo, criarem fanfics e histórias diversas; entretanto, é fantástico notar o quão palpável essa banda foi para ele. Renato não apenas pensou nos integrantes e em suas funções; ao contrário, deu histórias individuais – repletas de detalhes -, definiu passo a passo o curso da banda, criou letras de músicas e títulos para elas, e não me surpreenderia descobrir que ele chegou a imaginar melodias para as canções, algo que, infelizmente, não seria possível de se testemunhar no livro. “Aloha”, inclusive, título de uma das músicas da 42nd St. Band, aparece em A Tempestade, sétimo álbum da Legião Urbana.
Há, também, ao final, uma parte reservada aos trabalhos extras de Eric Russel, como um texto filosófico escrito em sueco – e aqui, como não há tradução e desconheço o idioma, não sei dizer seu conteúdo – e cenas de uma peça de teatro escrita por ele. É curioso, porém, que há a aparição da troca do sobrenome de Eric de Russel para Russo, o mesmo que Renato viria a adotar futuramente. Ainda, há traços de personalidade compartilhados por ambos, conforme apontado na nota editorial que abre o livro, o que nos faz pensar no personagem como um alter ego de Renato. Essa e tantas outras evidências ao longo do livro demonstram o quanto a concepção da 42nd St. Band ressoa na própria Legião Urbana.
A leitura de The 42nd St. Band seria interessante por si só simplesmente por acompanhar a história de uma banda fictícia, tão tangível que se torna difícil imaginá-la como irreal. Porém, o livro alcança outras dimensões por revelar ainda mais sobre Renato Russo e sua capacidade criativa, bem como sua visão de mundo, e tais dimensões são ainda mais intensificadas se pensarmos que essa foi a criação do adolescente, e não do artista já formado e consagrado como uma das mais importantes figuras no cenário do rock nacional.
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