Otávio Augusto 16/01/2024Importância grande, qualidade razoávelA bagaceira é considerado o marco do romance regionalista modernista. Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego são alguns dos grandes nomes da literatura brasileira que beberam da fonte de José Américo de Almeida. Sendo assim, não posso eu, como um grande apreciador da literatura nordestina, deixar de ler A bagaceira. Entretanto, já deixo bem clara a minha opinião: é um livro cuja importância é maior do que sua qualidade literária.
Inicialmente, a sinopse do livro é atrativa. Um brejo paraibano, chefiado por Dagoberto, homem viúvo e idoso, recebe retirantes sertanejos - Valentim, pai biológico de Soledade, e Pirunga, um irmão de criação de Soledade. A partir daí, o enredo principal do romance se desenvolve na forma de uma tensão amorosa entre Soledade e Lúcio, o filho de Dagoberto, que é um jovem estudioso e ingênuo; Dagoberto, como patriarca eivado de mandonismo, completará o triângulo amoroso do romance. A partir desse relacionamento de Lúcio e Soledade, que desperta olhares de todos os habitantes locais, o autor consegue tecer críticas sociais relevantes, principalmente em relação à pobreza, à falta de dignidade de vida, ao servilismo - quase escravagista - e à fome. Nas palavras de José Américo: "Há uma miséria maior do que morrer de fome num deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã".
Entretanto, o livro falha ao não seguir essa linha narrativa com fidedignidade. O autor não cria um romance de enredo sólido, mas apenas um amontoado de cenas que pouco dialogam entre si. Em um momento acompanhamos os personagens principais. Depois lemos descrições eruditas da natureza local. Posteriormente, críticas sociais em forma de digressões mais longas do que deveriam, de qualidade variável. O romance se torna, então, uma colcha de retalhos.
Ainda assim, A Bagaceira tem seus méritos. Em seus melhores momentos, José Américo faz comentários poéticos em suas descrições da natureza e dos personagens. Além de serem bem líricas, são comentários com palavras ora eruditas, ora regionais; há um glossário ao fim do livro que nos ajuda a compreender os significados das palavras nordestinas utilizadas. Mesmo sendo nordestino, tive que recorrer muitas vezes ao glossário para compreender certas expressões - não é um livro de fácil leitura, de forma alguma. Também há ecos da literatura naturalista em A bagaceira. Em diversos momentos José Américo compõe uma prosa que se aproxima do romance tese e trata seus personagens como meros produtos do meio em que vivem, como humanos reduzidos aos seus instintos animalescos mais primitivos. Destaco o seguinte trecho:
"Mulheres extraordinárias! Filhavam uma e , não raro, duas vezes por ano. Engendravam-se em prazeres fugazes eternidades de sofrimentos. Os apetites com que a natureza capciosa encadeava as gerações deserdadas eram uma série de sacrifícios irresistíveis. Amplexos de corpos moídos. Procriações desastradas. Fábrica de anjos. A fecundidade frustrada pela miséria e pela morbidez geral."
Quem já leu O cortiço reconhecerá a influência da escola naturalista sobre A bagaceira. A meu ver, por ser um recurso aqui posto de maneira pontual, torna-se um ponto positivo que vem a engrandecer o romance, adicionando uma camada a mais de significado - a denúncia social. Percebe-se que José Américo conhecia, de fato, os problemas da Paraíba; não à toa que foi governador do Estado.
Aos amantes da literatura regionalista brasileira, esse livro é leitura obrigatória. Sua influência está em livros que lhe são superiores, em se tratando de estilo e valor literário. Sem A bagaceira, não teríamos obras como O quinze, Vidas Secas e Menino de Engenho. Saio dessa leitura com muita vontade de continuar a desbravar o sertão nordestino na prosa de nossos maiores escritores.