Pablo Paz 04/03/2024
Guia de escrita com base nas neurociências
Guia de escrita com base nas neurociências
Por ter sido escrito em língua inglesa, portanto, direcionado para quem a tem como língua materna, algumas dicas não se aplicam à nossa língua, já que é próprio do inglês a concisão, a frase curta e a raridade das orações intercaladas. Alguns escritores de língua inglesa, como Henry James e William Faulkner, por exemplo, são muito originais por causa disso: a prolixidade do primeiro e as frases longas com excessos de orações intercaladas do segundo quebram o padrão e a monotonia da maioria dos romances e contos escritos por seus pares originalmente em inglês; mas não sei se o seriam caso tivessem escrito originalmente em francês, alemão ou português (talvez em italiano!).
No entanto, o livro é uma preciosidade porquanto suas sugestões não são baseadas apenas nas regras gramaticais - já que esse tipo de obra, ao menos no Brasil, Alemanha, Argentina e Portugal, costuma ser escrito por gramáticos - mas nas neurociências e na linguística, áreas de formação do autor.
Além de outras, ele explica, com base em evidências científicas, que a maior parte dos erros de concordância verbal e nominal não se deve à falta de domínio da gramática da língua materna (algo que pode ser comprovado em manuscritos de muitos grandes escritores hoje vistos como cânones), senão a um processo próprio do cérebro; como a escrita não é algo natural como a fala, é até uma aquisição tardia da cultura (cerca de 5 mil anos de existência e apenas 120 anos de sua massificação), nosso cérebro tende a concordar com o último termo ao invés dos primeiros: assim a frase "a maior parte das pessoas tendem a serem egoístas" não estaria errada porque nosso cérebro já associa 'serem egoístas' com 'pessoas' (último termo) ao invés de associá-lo com 'a maior parte' (primeiro termo), que estaria correto de acordo com a norma culta e escolar. Isso também vale para outras explicações como o uso da crase e daquele maldito quatro usos dos 'porquês' no português brasileiro. Alfim, o autor elenca uma série de outros exemplos tirados de inúmeros textos...
Além de ser uma preciosidade para a autoeducação, é um livro indicado para quem pretende escrever não-ficção, principalmente textos dissertativos e argumentativos. Mas se eu fosse coordenador pedagógico ou professor de línguas, usaria e indicaria este livro, além de trabalhar com ele em cursos de formação porquanto há muitas dicas para profissionais saberem identificar e distinguir o que é erro gramatical do que é erro natural (ou 'neural') que cometemos mesmo depois de nos tornarmos adultos alfabetizados...
Seu maior conselho, com base em pesquisas e entrevistas com grandes escritores, porém continua o mesmo dos bons professores: "Eu seria o último dos mortais a duvidar que os bons escritores foram abençoados com uma dose inata de fluência mais sintaxe e memória para as palavras. Ninguém nasceu com competência para redigir. Essa competência pode não se ter originado nos manuais de estilo, mas deve ter vindo de algum lugar. Esse algum lugar é a escrita de outros escritores. Bons escritores são leitores ávidos. Assimilaram um
grande inventário de palavras, expressões idiomáticas, construções, tropos e truques retóricos e, com eles, a sensibilidade para o modo como se combinam ou se repelem. Essa é a ardilosa 'sensibilidade' de um escritor hábil - o tácito sentido de estilo que os manuais de estilo honestos admitem ser impossível ensinar explicitamente. Os biógrafos dos grandes autores sempre tentam rastrear os livros que seus personagens leram na juventude, porque sabem que essas fontes escondem o segredo de seu aperfeiçoamento como escritores. O ponto de partida para alguém tornar-se um bom escritor é ser um bom leitor. Os escritores adquirem sua técnica identificando, saboreando e aplicando engenharia reversa em exemplos de boa prosa" (p. 23).
Vale o preço e a leitura!