Paulo Silas 30/04/2018Em "Meia-noite e Vinte", Daniel Galera narra uma história de histórias. São vidas que outrora viviam em conjunto, mas que com o tempo se separaram. Por ocasião de uma fatalidade, a morte de uma dessas vidas, o reencontro surge, dando início a uma série de lembranças e emoções que mexem com cada uma delas.
Um escritor em ascensão, já conceituado, é morto num assalto. O peculiar Duque deixou de existir de uma forma trágica. Dentre a comoção causada pela sua morte, três amigos em especial são atingidos de forma única. Emiliano, Antero e Aurora eram bastante próximos num passado não tão distante. As circunstâncias da vida afastaram aquele peculiar grupinho de quatro amigos que havia protagonizado no cenário digital com o "Orangotango" - uma fanzine que conquistou um bom público nos primórdios da internet. Aquilo que tinha sido agora retorna com o reencontro por ocasião do velório de Duque. Após a cerimônia fúnebre, a mesa de bar é colocada entre os amigos, iniciando então uma série de lembranças que revive o passado pela nostalgia. Mesmo efêmero, o reencontro traz à luz muitas coisas que afetarão a vida de cada um dos três de maneira diferente.
No final, vejo que o livro acaba sendo sobre vidas não vividas por algum impeditivo qualquer (mas que poderiam ser), dada uma vontade latente existente no íntimo das pessoas. Nesse sentido, no final do romance, há uma frase que faço questão de transcrever: "tem coisas que a gente quer viver e nunca vive. Porque não pode, porque não se permite. Essas coisas são monstrinhos criados no porão. Eles crescem. Murcham. Se deformam. Não se pode saber o que o porão vai fazer com eles. Mas ficam lá. A única coisa que não acontece com o monstrinho é sumir. Enquanto vivemos, ele vive". É isso que vemos nas lembranças das personagens - principalmente após o reencontro.
"Meia-noite e Vinte" é um romance curto de 200 páginas. Um ponto que merece destaque é a construção dos quatro protagonistas do livro. Cada um desses é construído profundamente pelo autor, que dá vida concreta para as personagens - feito notável ao considerar o tamanho do livro. Entretanto, a obra peca pelo excesso de conteúdos abordados em pouco espaço, resultado provavelmente do enfoque nas histórias das personagens, renegando tempo para o melhor desenvolvimento da trama com um foco mais preciso. Muita coisa para o que poderia (ou deveria) ser menos. Com isso, pelo menos em algumas passagens, o desenrolar da trama fica arrastado. De todo modo, é um bom livro. Daniel Galera é um excelente escritor da literatura contemporânea brasileira que merece ser lido.
Recomendo!