Lucas.Batista 03/03/2021Uma da grandes descobertas do ano.Não conhecia Josué Montello. Nunca nem havia ouvido falar no nome dele. Eis que, ao pesquisar sobre Autran Dourado (também esse, um outro grande autor que descobri esse ano), acabo sendo impelido a ler esse que, conforme me disseram, também era um grande autor esquecido.
Cais da Sagração é um romance escrito por uma pessoa com grande repertório intelectual. Digo isso pois sua estrutura é de tragédia grega, sem deixar, contudo, de se mostrar influenciada por Machado. Tudo isso com grande originalidade e regionalismo.
A história é sobre um barqueiro Maranhense, Mestre Severino, e suas relações interpessoais sob o ponto de vista rústico do trabalhador nordestino.
São muitos pontos que o romance trabalha, porém, para não me delongar em excesso, quero ressaltar aqui o ponto da passagem do tempo do ponto de vista das gerações. Isso, o romance trabalha com um domínio narrativo sublime.
Destaco também a maestria com que o escritor conduz as falas do protagonista, tudo é muito crível. A facilidade com que o mesmo admite ser autor de coisas horríveis e, ao mesmo tempo, se sente acanhado de falar coisas mais simplórias.
Um livro muito, mas muito bom.
"Uma geração contará a outra, à revelia do silêncio da Praia Grande, a gesta dos desesperados que ali foram mortos ou se mataram - a moça bonita de compridas tranças, que um escravo violentou e a seguir pendurou numa escápula de rede; o comerciante que se atirou da mais alta janela da Rua do Trapiche e que de noite regressa à loja fechada para discutir com seus credores; a velhinha que se matou por não saber onde havia escondido os seus dobrões de ouro; o negrinho que morreu apanhando por ter furtado o dinheiro de sua própria alforria e que reaparece todos os anos na procissão de São Benedito, à hora em que o andor entra de novo na igreja por entre o estoiro dos foguetes e o repique dos sinos".