spoiler visualizarGigio 04/10/2017
Resenha
Esse livro não é uma autobiografia comum por alguns motivos. Primeiro, que ela não tem a pretensão de ser completa: não no sentido em que ela termina onde o autor estava quando escrevia, pois ela termina em sua conversão ao cristianismo, o que ocorreu pelo menos 30 anos antes do momento em que Lewis escrevia o livro. Também não se deve pensar que ela deva conter tudo o que lhe aconteceu nesse período descrito, pois ela é temática: Lewis descreve o que o levou à sua conversão ao cristianismo e isso o faz descartar eventos importantes em sua vida que não contribuíram para isso. Esses eventos ele deixa claro ao leitor que está omitindo algo e apenas menciona o evento sem preocupar em descreve-lo já que não entra no propósito do livro. E o Norte deste tema é a ‘Alegria’ que ele perseguiu por toda a vida até encontra-la no cristianismo. Não como uma mera experiência, mas como um objeto de desejo e uma motivação para seguir em frente, coisa que ele demorou um tempo considerável para entender já que tentava analisa-la friamente e como consequência disso, se distanciou dela.
Mas o mais impressionante é como ele não perde a chance de fazer o leitor desfrutar de sua riqueza literária, mesmo em um livro autobiográfico. Quem já leu qualquer outra obra dele, principalmente alguma literatura, vai ser surpreendido novamente pela capacidade de descrever os lugares em que passou, e como eles lhe impactaram ou mesmo em perceber como eram as pessoas ao seu redor. Mas aqui com um diferencial: ele usa também de comparações com trechos de livros de outros autores quando quer expressar sensações ou emoções semelhantes que o trecho citado.
Esse uso de outros autores não é algo separado do resto do livro. Ao contar sua história de vida, ele menciona boa parte das leituras que fez tanto por conta, quanto devido à sua educação ‘escolar’ (seus estudos são um pouco distantes de um leitor brasileiro que pensa automaticamente em escolas: primeiro ele fora educado em casa, depois enviado a casa do ”velho” para seguir com os estudos; posteriormente passou por duas escolas completamente distintas entre si, e de nossas escolas, então finalmente morou com outro professor antes de entrar em Oxford), inclusive as leituras que fez no exército durante a guerra. Acredito que as menções feitas às leituras, não tem a menor pretensão do autor querer parecer um estudioso dedicado ou um gênio, até porque qualquer outro livro dele já demonstra sua riqueza de conhecimento nessa área, além de que todos os seus alunos e leitores já sabiam disso. As menções então colaboram com o propósito do livro que é mostrar seu processo de conversão: incialmente elas ajudaram ele a abandonar o cristianismo em que fora educado quando pequeno, fazendo a fé parecer algo bobo, mas depois seus autores preferidos eram ‘bons, apesar do cristianismo’ como Chesterton e o obrigam a aceitar que sua visão de mundo era fraca e incompleta e que o cristianismo era realmente verdadeiro.
As companhias que ele desfrutou durante o período descrito também são importantes. Ele chega a se perguntar ‘porque alguém gostaria de conhecer mais pessoas do que uma quantidade de amigos verdadeiros? ’. Isso mostra não o quanto ele desprezava as companhias, mas o quanto esperava que aqueles que lhes eram próximos, realmente fossem próximos. Talvez isso seja consequência de uma infância um tanto solitária em casa já que o irmão é 3 anos mais velho e em boa parte da infância não participou dos mesmos processos educacionais que ele e se participou, ou se foi o caso, raramente era simultâneo (como na casa do Velho, na escola que Warren foi depois de lá e Lewis só foi depois de passar por outra escola, ou mesmo no último professor que tiveram antes de Oxford), e somando à morte precoce de sua mãe (quando Lewis tinha oito anos), e as dificuldades de relacionamento com o pai que durou toda a vida. Esse distanciamento de casa, o fez encontrar no vizinho Arthur e depois em outras companhias em Oxford, parceiros de leitura, pessoas com quem caminharia junto pelo resto da vida (inclusive Tolkien), mas um caso em especifico não pode ficar de fora: um amigo que conheceu e perdeu durante a Guerra, e que lhe prometera cuidar de sai família e assim o fez por anos.
Lewis descreve pouquíssimas ocasiões em que teve interesse em relacionamentos, o que não surpreende o leitor que sabe que ele se casa apenas nos últimos anos de vida. Isso não aparenta ser algo que lhe interessava tanto, e seu convívio fora de casa também não ajudou (como estudar em escolas só para meninos).
A sua participação na primeira Guerra é algo que o leitor pode ir buscando detalhes e ser frustrado ao saber que o autor não tem tanta atenção para ela no livro. Afinal, ele chegou tarde, ficou pouco tempo e se machucou, o que lhe obrigou a ficar em hospitais e isso o fez passar boa parte da sua participação lendo. Ele não deixa de comentar sobre o quanto era ruim (como quando descreve um cansaço tão grande a ponto de dormir marchando e acordar ainda marchando), mas mesmo com todos os problemas ainda preferia a guerra à segunda escola que frequentou (ambas eram ruins, mas na guerra, todo mundo estava na mesma situação e acabavam colaborando uns com os outros)
A Alegria esteve presente em todo o tempo em maior ou menor proporção. Ele nunca a deixou de lado completamente. Mas as influências que sofreu durante toda a vida o afastaram de sua educação cristã, de seus mundos imaginários, de suas experiências Alegres. Foi só depois de um bom tempo em Oxford que percebeu suas bases ateístas fracas e infundadas frente ao evangelho, e por perceber este verdadeiro, foi obrigado a aceita-lo mesmo estando completamente relutante.