Pronomes pessoais entrelaçados

Pronomes pessoais entrelaçados Elias Araujo




Resenhas - Pronomes pessoais entrelaçados


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Krishnamurti 29/11/2016

PRONOMES PESSOAIS ENTRELAÇADOS
Há no Balanço social do Estado brasileiro, um tributo contínuo contra os excluídos da cidadania pago a princípio por aqueles que mal começaram suas vidas. Um passivo que vamos transmitindo de uns para outros com sua volumosa massa de dívidas que termina por fazer seu giro entre todos. Passa de geração a geração e permanece sempre o mesmo porque não absorvido no sentido de modificar-lhe a sua substância que é a mais completa desvalorização do humano. Em nossa sociedade não consideramos o nosso semelhante de fato como um irmão (encenações de solidariedade e sentimentalismos de ocasião, sejamos honestos, nada modificam) e, nessa pobreza existencial alimentamos a medrosa e vã esperança de que essa desventura do próximo fique ali isolada e não recaia com o tempo sobre nós.
O professor de educação infantil – e de passagem, avaliemos no recôndito de nossas consciências o valor social que efetivamente atribuímos também a esses profissionais -, Elias Araújo escreveu, e em boa hora a Editora Penalux publicou, o romance “Pronomes pessoais entrelaçados”. Obra de arcabouço ficcional muito simples e, no entanto, profunda. Os capítulos em número de seis se alternam com rápidos interlúdios textuais. Conta a triste história de um menino de 13 anos, Eduardo, que se vê em uma situação limite. Nasceu rejeitado pela mãe, uma doidivanas, que o deixa em um orfanato com apenas um ano de vida. Ali a criança vai sofrendo todo tipo de sofrimento incluindo fome, sevícias e violências físicas. Sardinha, como também é conhecido, não suporta mais esse existir e termina por fugir do orfanato para enveredar numa vida errante nas ruas, cometendo pequenos crimes e se prostituindo, até que depara-se com esta encruzilhada: ver-se sozinho, acuado em cima de uma ponte sobre uma linha férrea, tendo apenas duas opções: entregar-se à polícia que o persegue por assassinato ou evadir-se para o que ele acredita ser a sua redenção. O nada, o vazio, a morte pelo suicídio. Opta pela segunda alternativa. E como se engana...
Elias Araújo cria entre os capítulos de seu livro, pequenos interlúdios textuais (entendidos como lapsos de tempo-espaço que interrompem a narrativa) a funcionar como um contraponto à idéia do nada existencial. Uma voz se dirige a alma ou espírito atormentado do menino e com ele conversa. Ficamos com a impressão inicial de que tal expediente tenha objetivos religiosos. Mas tal não ocorre, não há na ficção de Elias Araújo nenhuma pieguice religiosa e menos ainda proselitismo de crença. Há sim, a nosso ver, o mais puro discernimento que nos aponta a lógica da existência. A de que nossa personalidade é indestrutível, e que a morte não pode lesar o princípio da vida que permanece intacto. O psiquismo sobrevive e traz consigo o grau de consciência conquistado.
Eduardo sofre muito. Sofre também porque não sabe qual a última onda que impelida por uma cadeia de ondas formou para ele aquele afogamento doloroso. A narrativa muito bem costurada, se desenvolve elencando as responsabilidades de todos os personagens (aí a lógica dos pronomes pessoais entrelaçados eu, tu, ele, nós, vós, eles), que de alguma forma contribuíram para aquele desfecho trágico. O autor nos mostra como nosso livre-arbítrio exercido de maneira inconsequente, pesa em nosso destino, e no dos outros, e os transtornam. Induz-nos a refletir sobre uma lei invisível, inviolável, contra a qual nada podem as mentiras, as astúcias, os enganos e a prepotência. A causalidade (ligação entre causa e efeito). Não se pode fugir às conseqüências das próprias ações. Agir com baixeza e leviandade significa expor-se a reações tremendas como as que sofreram todos os envolvidos nos destinos daquele garoto de apenas 13 anos.
INTERLUDIO DA MORTE – Eduardo sente dores lancinantes no corpo dilacerado pela queda. Revolta-se contra o destino. Debate-se nas trevas a repetir indefinidamente seu ato tresloucado. Sua alma atormentada não sabe onde está ou no que afinal se transformou.
A narrativa guia-nos com crueza de detalhes na vida bestial a que estão submetidos milhares e milhares de jovens brasileiros que vivem nas ruas. Um grito de alerta para a necessidade de transformarmos esse estado de coisas num processo que vá da força bruta para a justiça, da violência à bondade, da ignorância à consciência, do egoísmo destruidor ao amor construtivo. Atitudes efetivas que só podem ser implementadas também no ânimo desses seres excluídos com a educação que é o que faz o homem.
INTERLÚDIO DA VIDA – A voz que fala a Eduardo (sua consciência, alma, seu espírito, Deus?) lhe mostra que atentar contra si extingue tão somente a luz da compreensão.
Essa obra do professor Elias Araújo é um verdadeiro lenitivo para nossas mentes carentes de um sentido para as finalidades supremas do existir – mas há de se ter olhos de enxergar... Oportuna repetimos, a publicação deste romance num país como o nosso que vivencia uma catastrófica desorientação ética, e profunda crise moral de alto a baixo da escala social. Mais ainda: um texto vigoroso que exala bondade e esperança em nosso caos cotidiano.
Novembro de 2016
Tiolia 29/11/2016minha estante
Que fantástica resenha sobre o Pronomes Pessoais Entrelaçados! Parabéns, Krishnamurti!




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