spoiler visualizarJessica Fiuza 20/09/2013
Nick Cave e um scotch duplo!
“Puta desgraçada – diz ele, mijando no carpete. Depois mija nas paredes roxas, no revisteiro repleto, nas toalhas de rosto e, com um floreio majestoso, fica na ponta dos pés e mija na escova de dentes elétrica que se encontra em um copo ao lado da pia…“
Quem conhece Nick Cave sabe que ele dispensa apresentações, A Morte de Bunny Munro não poderia ser diferente.
Vivemos diariamente na era da distimia coletiva e sob a teoria do caos. E é justamente nesse cenário surrealista e ao mesmo tempo tão ordinário a nossa rotina, que a obra se personifica como o próprio impulso humano na hora do rush. Provavelmente esse é o livro mais grosseiro, indecoroso e irreverente que já li, mas também é o menos hipócrita de todos, e o mais humano.
Há vários adjetivos que podem ser usados para descrever as relações humanas, mas “fácil” certamente não está entre eles, em nenhuma língua, e para nenhuma nação, até mesmo porque os únicos seres apáticos no mundo são as baratas e não nós, homo sapiens.
Acreditar que o comportamento humano pode ser dividido apenas entre “bons” e “ruins” é de tamanha ingenuidade, como acreditar que para toda pergunta só ha possibilidade de resposta variante entre o sim ou não. Chega a ser uma vileza contra a natureza humana e suas variáveis.
Esta obra vai justamente à contramão do conceito de bom mocismo, expõe o pensamento mais canalha, e inevitavelmente de uma maneira cômica, o transforma em compaixão.
Obviamente há exageros, catarses, depravações e inconvenientes que por vezes, transformam Bunny Munro em um homem odioso, repugnante e imoral. Porém outras vezes, ele apenas reproduz o que todo mundo pensa, mas ninguém tem coragem de dizer ou fazer.
A história é sobre um caixeiro-viajante que vende promessas e sonhos a dona de casas solitárias e desesperançosas no sul da Inglaterra. Um homem que é uma caricatura de um cafajeste das antigas com o Hank Mood moderno. Bunny Munro é de fato, um canalha decadente.
É justamente por isso que o livro é dividido em três partes, O Garanhão, O Vendedor e o Defunto. A cada parte somos apresentados a momentos da Vida de Bunny que representam tal denominação.
Na primeira parte, Bunny Munro aparenta levar uma vida estável, é casado e tem um filho de 09 anos que a todo o momento causa empatia andando pra cima e pra baixo com sua enciclopédia e seus devaneios. Porém o descontrole sexual de Bunny, e a carência de sua ausência, levam sua esposa, Libby a um trágico suicídio.
Já na segunda parte, desnorteado em lidar com a perda repentina da mulher, Bunny decide que extravagar seu apetite sexual e entornar garrafas de bebidas, é a melhor terapia possível. Então fazendo imitações de coelho com as mãos no lugar das orelhas, e usando gravatas de pequenos coelhinhos, ele inicia uma saga nada heroica, de porta em porta, abrindo uma maleta de amostras grátis e revelando seu carisma sexual cômico e ao mesmo tempo deprimente.
Se filho, Bunny Jr, sempre espera ansiosamente com olhos alérgicos lacrimejantes pelo pai dentro do medíocre Punto Amarelo. Acreditando fielmente que o pai é uma espécie de herói sábio das vendas, criando uma relação bastante afetuosa por parte do garoto.
Com o passar doa dias, a pequena viagem vai se tornando cada vez mais frenética, e Bunny passa a se deparar com o fantasma de sua esposa e tantos outros fantasmas do qual foge nesta vida, como o arrogante pai decrépito, suas amantes enfurecidas com maridos vingativos e principalmente, sua consciência afetada pelo álcool.
É inevitável não comparar Bunny ao intransigente Stagger Lee, ou ao bêbado de “Brother, my cup is empty”. Ler A morte de Bunny Munro faz com que as músicas de Nick Cave saltem nas entrelinhas todo o tempo.
E a densidade poética de Cave se torna ainda mais explicita na última parte do livro, onde a ilusão se mistura com a realidade e as cenas repletas de detalhes apresentam um Bunny Munro vulnerável e demasiadamente humano.