spoiler visualizarSofia Dionísio 31/12/2023
Um clássico de fantasia
Esse é um livro que levou uns anos para terminar. E há muito, o que ser dito, ao ponto de que parece que estou escrevendo a resenha de mais de um livro. E é difícil não analisar de maneira comparativa à série. Afinal, acaba sendo o ponto de vista que eu tive enquanto lia, a memória vaga da série e as comparações que isso trazia. Esse é o livro que dizem ser mais fielmente adaptado, e em alguns pontos eu vejo por quê. Mas as mudanças que a série fez já fizeram toda a diferença. A principal é a diferença de idade dos personagens, que recontextualizou até aquilo que era idêntico. O fato de os personagens serem todos mais novos nos livros beneficia muita coisa. A única coisa que me incomodou, de início, é o quão mais novas são a Sansa e a Arya. Eu sinto que a energia das personagens é que a Sansa é adolescente e a Arya é pré-adolescente, e poderiam sim ser mais novas que as atrizes da série, mas sendo uma com 11 e a outra com 8, a Sansa vira pré-adolescente e a Arya vira criancinha, e demorou para eu me acostumar com essa recontextualização em específico, mas depois que acostumei acabei apreciando as duas personagens MUITO mais. De resto, o livro "ganha" da série em muita coisa. Na profundidade, no nuance... menos no pacing. Que pacing maluco! Depois do Ned ser capturado, o pacing enlouquece. Parece que é hora do livro "começar a acabar", mas ao invés disso ele estaciona um pouco, daí "recomeça" em vários âmbitos, para então acabar em "pré-climáxes" em todos os subplots. E essa forma de acabar funciona demais em uma série que se estrutura bem parecida com uma telenovela, com seus múltiplos "núcleos" interpolados, atingindo aquele "tchãram" de season finale perfeito, com "gostinho de quero mais" somado a um momento icônico. Mas no livro, isso não funciona tão bem, até porque nos livros os "múltiplos" núcleos são bem menos múltiplos, já que muito das coisas que mais intimamente unem cada subplot são as coisas que a série foi cortando: o parentesco entre personagens secundários, as cadeias de "causa e consequência" entre cada ação política, etc. No livro, tudo que acontece em Westeros é uma história só, muito ligada, e no máximo contada de maneira mais múltipla, enquanto a única coisa realmente mais separada é a história da Daenerys. E bem, é justo aqui que a coisa complica. A história da Daenerys tem seus pontos altos e interessantes, sim, mas é a pior parte do livro. Primeiro que o Martin é racista pra 🤬 #$%!& na criação dos Dothraki, não tem "ponto de vista de personagem racista" que justifique. Inclusive, eu achei que os Dothraki eram um mix maior de culturas não-brancas, mas conforme me inteirei um pouco mais no básico da história mongol, mais gritante é que são literalmente só mongóis, sem tirar nem pôr. Mentira, tem o "pôr" de exagerar demais o quanto a cultura deles se baseia em cavalos. Sim, faz sentido, é o recurso mais importante pra eles, uma cultura nômade e conquistadora que vive numa planície quase que desértica, mas o Martin passa do limite, TUDO é de cavalo e cansa, fica cartunesco, perde a graça. E daí o início do plot é uma indecisão absurda de como retratar a relação do Khal Drogo com a Daenerys. O que o Martin quer? Uma menininha se empoderando APESAR dos sofrimentos que aguenta? Uma menininha achando um REFÚGIO dos seus sofrimentos e se empoderando a partir disso? Porque primeiro é "ele é um bruto eu tenho medo", daí é "não pera ele foi super fofinho, me deu prazer, foi surpreendentemente agradável e romântico", daí é "ele me estupra violentamente toda noite, nem olha pra minha cara, não aguento mais chorar de dor e desespero, quero morrer", daí é "tive uns sonhos malucos e agora de vez em quando eu choro de prazer quando ele me estupra violentamente", E DAÍ vira "treinei com a prostituta, me empoderei e agora eu que fico por cima no sexo e sou foda". E é só um vai e vem que não parece nem plotwist nem desenvolvimento de uma mesma situação, parece só uma indecisão do que fazer com o treco. É confuso e mal escrito. O subplot dela com o irmão é ótimo, hei de admitir. Mas depois que ele morre vira ainda mais racismo, agora com aquela bruxa que a Daenerys salva de estupro e é só todo um subplot maluco e meio insensível e cansativo. Para daí o livro terminar igual a série, com o nascimento dos dragões, a conclusão de todo esse subplot? Um final tem importância, é a última memória que você vai ter de toda aquela história, então se torna um representante da história, e o livro todo se empobrece por isso. Mas olhando "o resto"... é muito bem escrito. Foi um livro que eu peguei como material de estudo, e aprendi muito sobre escrita (o que fazer, mas também o que NÃO fazer...) com ele. O último capítulo da Catelyn é de fato espetacular, seria ótimo se o livro tivesse acabado ali, mesmo que ainda teria o mesmo problema de pacing.
Não sei quando vou ler o próximo livro, e foi uma cagada gigante só descobrir no final da leitura que tinha um guia dos personagens secundários ao fim do volume, isso teria ajudado demais no começo. Enfim, ainda valeu demais a leitura, e posso dizer que me ajudou muito a entender como um clássico de fantasia se parece.