Julia 27/03/2013Veja que gracinhaSempre gostei muito de História e procuro diferentes pontos de vista para formar minha própria opinião crítica.
É impossível contar uma história imparcialmente, porém é devido contá-la sem uma parcialidade assintosa.
A ideia do livro é maravilhosa, poderia ser um grande livro, ainda mais escrito de forma jornalística. Confesso que estava esperando um 1808 da esculhambação brasileira, a desmistificação de heróis e vilões, as razões dadas não pela luta de classes e incopetência brasileira, mas narradas em seu contexto histórico pela mentalidade da época.
Entretanto, o autor do livro, ex jornalista da Veja, assume uma postura de "inteligente, mas não intelectual", rebelde e entendido, fazendo exatamente o que critica: contar a história parcialmente.
Com um cinismo e uma baixaria ideológica e estilística já conhecida pela revista, jornal Super da classe média brasileira, o autor ressalta aspectos, distorce outros, dá sua opinião de maneira infantil e manipula o público de pouca capacidade crítica e bagagem etnohistórica deixando a entender que ex-escravos donos de escravos eram uns cínicos, os sambistas eram uns vendidos, o imperador era um anjinho, numa clássica imparcialidade reacionária, em lugar de uma parcialidade sensata. Além disso, mistura fatos pouco conhecidos e perfeitamente plausíveis e prováveis, como de que a Coluna Prestes espalhou mais terror do que aspiração revolucionária na população, com a associação da imagem de Luis Carlos Prestes como um bobalhão louco por poder.
É possível peneirar, aguçando sua visão, as partes interessantíssimas do livro, como a formação do samba e sua transformação em música nacional e do morro, do futebol em orgulho da nação, da mentalidade escravagista do escravo, mastigando as informaçãoes e cuspindo fora os pitacos do autor.
Entretanto, ainda mais hoje, com a internet e boas bibliotecas tão cheias de fontes, isso não vale a pena com afirmações revoltantes, como por exemplo de que a Inglaterra era povoada por seres humanos bonzinhos que odiavam a escravidão.
É claro que o povo inglês é diferente do governo inglês, e que houve pressão popular pelo fim da escravidão, entretanto apenas a pressão é só mais um fator, que sozinho não produziria nada. O que realmente causou a intervenção inglesa foi sim os interesses econômicos, como são feitas pelo menos 95% das intervenções internacionais hoje e sempre. Além disso, a escravidão era uma barbaridade, todavia muitos escravos tinham uma vida muito melhor do que a dos operários da Revolução Industrial, que eram eles próprios ingleses, povo de mentalidade tão libertadora.
Outro insulto à nação é a defesa do milagre econômico da Ditadura, da visão da Ditadura Militar como um mal muito menor do que a Intentona Comunista, e que !causou muito menos mortes do Prestes!. Uma coisa completamente absurda, que me deixou pasmada, foi dizer que a desigualdade social causada pelo milagre econômico foi um mal necessário e incomporável aos benefícios que ele teve. Como um fanático pela ala direita da política, era de se esperar que este jornalista soubesse pelo menos o básico sobre economia. Dizer que, apesar de transformar o Brasil numa sociedade quase igual à Índia em questão de diferenças entre classes, "o bolso de todos os brasileiros enriqueceu"? Será que não tem a mínima noção de valor do dinheiro, poder aquisitivo, acesso à cultura? Sim, vamos pegar quem antes ganhava 100 reais, 400 reais e 1000 reais, e passar à dar a eles 250 reais, 1200 reais e 8000 rais, todo mundo ficou mais rico, todo mundo pode comprar muito mais coisas, o mercado vai ser bonzinho e não mudar os valores de compra.
A parte dos comunistas, obviamente, foi a mais avacalhada. O autor não hesita em relembrar, coberto de razão, de que Stálin foi um dos maiores tiranos e genocidas do século XX, e que o pretenso socialismo, ditadura da pobreza, falta de liberdade e opressão, trouxe tanto ou mais sofrimento ao povo do que o capitalismo. A URSS matou e torturou milhões de pessoas diretamente através da violência política, isso é um fato. Entretanto, é conveniente esquecer que as potências capitalistas torturam e matam milhões de pessoas direta ou indiretamente através da violência econômica.
Não venho aqui propor defender a URSS ou os EUA/Inglaterra, nem querer repartir as pessoas, numa postura tão típica de faculdades de Humanas e babacas endinheirados, entre comunistas e capitalistas, da esquerda ou da direita. Tento propor enxergar os fatos como são, entendendo as vantagens e o terror do Stalinismo e Capitalismo, enxergando que nem um ser humano inteligente, não um socialista e um capitalista.
Na parte dos comunistas, no final do livro, ficou desconfortavelmente parecido demais com uma reportagem da Veja, e pensei: "Se não perco meu tempo lendo notícia na Veja, não vou perdê-lo lendo História na Veja".
Se quero ouvir críticas aos heróis da nação, sua retransformação em seres humanos falíveis, movidos por interesses (nobres ou não) e desmistificação, vai ser por quem tem bagagem para falar isso, e não por quem tem topete.