teff 14/03/2017
Pobre elite brasileira
De vez em quando me pego respondendo mentalmente ao questionamento de Brecht: "Que tempos são estes em que temos que defender o óbvio?"
A leitura desse livro me deu mais uma resposta: Precisamos defender o óbvio porque as mentiras continuam a ser disseminadas com voracidade, virando, assim, verdade absoluta.
Eu li esse livro com muito custo, sabendo que se tratava de uma crítica dura aos movimentos de esquerda, mas não queria fazer desfeita do presente de Natal dado pelo meu pai. Pois bem, o livro tem uma narrativa leve, diálogos interessantes, apesar de repetitivos, mas o problema está na história e nos personagens, que não descem goela abaixo.
Informo aqui que eu não sou defensora de nenhum governo. Só acredito que, nesse jogo de poder e verbas, não existe inocente em SP. Se o governo populista era um parasita que sugava o dinheiro público, o mesmo se pode dizer dos empresários e da elite brasileira, que fazem o mesmo com os seus empregados.
Apesar de "baseados" no cenário político brasileiro, os personagens do livro são meros clichês rasos, caricaturas mal formuladas. Na opinião do autor, a direita brasileira é uma coitada, ludibriada e arruinada pela esquerda espertona. O personagem de Bob Maxwell, empresário aniquilado pelo governo, é um injustiçado, mas sempre justo, limpo, quase um anjo, ou melhor, Cristo, já que a palavra escolhida para descrever seu infortúnio é "calvário". Não consigo entender quem esse personagem representa. Os empresários brasileiros? A pobre e inocente elite brasileira? Ah, tá.
Além disso, autor zomba descaradamente dos movimentos de esquerda com especulações de quem, percebe-se, teve tudo facilitado na vida. É alguém que ficou duramente sentido por ter tantos anos a esquerda no poder. (Se é que esteve mesmo no poder assim.) Do jeito que ele fala, parece que as opressões sociais são história pra boi dormir e que os movimentos sociais não são necessários. Bem se vê que nunca precisou de uma ONG e nunca recebeu um aluguel social ou sequer um pacote de leite do governo. As pessoas que necessitam do governo ou que já receberam ajuda de ONGs são reais, elas existem, qualquer um que sair da zona de conforto pode ver. Mas, que isso, pra Fiuza, é tudo um mal-entendido. O machismo e a homofobia são invenção da esquerda, que se aproveita de universitários ingênuos para estruturar seu cabo eleitoral e subir ao poder para dominar o país. Mas não é isso que a direita vem fazendo há anos e anos?
Como uma pessoa que não veio de uma redoma, eu posso dizer que as opressões existem, e o que nós menos precisamos é de manifestações artísticas (sic) em favor da manutenção do status quo, como esse livro, como alguns estereótipos desse livro, a feminista mal-amada, o gay escandaloso e oportunista. E uma das reclamações de um personagem que parece um alter ego do autor é de que existiria um conchavo que manteria a esquerda dominando o âmbito das artes. A verdade, entretanto, é que a arte da esquerda é muito mais interessante, porque, diferentemente da elite, a esquerda questiona o seu lugar na pirâmide social, embora não abra nunca mão dele. E isso é algo que a direita nunca vai fazer, pois só se preocupa com a manutenção dos seus "direitos" e dá piti, faz beicinho e livrinho quando estes são """"ameaçados"""".
Não tome o leitor como otário, Fiuza. A elite não é inocente e injustiçada como o seu personagem de contos de fada Bob Maxwell, e muito menos é a heroína da história, como os jovens advogados e jornalistas do livro. Todos os personagens da elite de Fiuza foram prejudicados e arruinados pelos ácaros gigantes da esquerda. Tudo isso enquanto lutavam por um país melhor e mais justo, livre de corrupções. Não sei se rio dessa ingenuidade ou me revolto com o descaramento. A elite brasileira não quer mudar o mundo, ela quer garantir o seu próprio lugar no mundo, ou seja, o topo. Seria melhor dizer isso abertamente do que se fantasiar de super-herói da pátria.
Se a esquerda não se importa com o povo, muito menos o faz a elite.