Veias em versos

Veias em versos Goimar Dantas




Resenhas - Veias em versos


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Krishnamurti 16/10/2016

ARTESÃ DA POESIA
“Veias em verso” é o título do mais novo livro de poemas da escritora Goimar Dantas (Editora Penalux, Guaratinguetá- SP, 2016, 108p). No lugar em que tradicionalmente se insere o prefácio à obra, há um círculo pontilhado onde está inscrito simplesmente: 68 poemas e 1992>>2014, nada mais. O primeiro desses poemas, “Desejo” é um metapoema, e isto nos faz pensar que, antes de prosseguirmos, torna-se necessário saber o que afinal se entende por metapoema. Nada mais, nada menos, do que um poema no qual seu autor reflete sobre o processo de criação literária ou do poema que ele próprio verseja.
Dito em outras palavras, e aprofundando tal percepção – porque parte significativa das composições do livro assim o são -, acrescentamos que a poesia em si, é um tema constante na obra de muitos poetas (dentre eles Drummond, Bandeira e João Cabral de Melo Neto, a este último, por sinal, a autora dedica um poema). Aos escritores que enveredam por essa trilha, não basta sondar e perquirir o universo físico, o mundo palpável e tangível, permeável, das criaturas e das vivências íntimas. Sentem uma necessidade de perscrutar o metapoema. Aquele mundo do imponderável (ou que nome queiramos dar e que uns classificam como universo, cosmos, Deus), de onde ele provém, e que apesar de nossa pretensiosa ciência, nos é impermeável em virtude de nossa limitada capacidade gnosiológica (parte da filosofia que estuda o conhecimento humano).
“Sina”
E mesmo sozinho
no poço sem fundo
o poeta ouve
o eco do mundo.

O universo físico fornece a tais autores parte da matéria-prima de sua poesia. A substância. O microcosmo, no interior do artista, contribui com a forma e a fôrma. Seu psiquismo transforma a matéria-prima e lhe confere status de poesia. Dessa forma, o ponto de vista do poeta na sua criação denuncia sua relação com o universo poético, dentro e fora de si, no seu mundo interior e exterior, que verbaliza. Poematiza a poesia “in natura” que existe no universo. O leitor que se depara com tais criações, à medida que desenvolve a leitura do volume vai percebendo-os vivos, borbulhantes no mundo psíquico da autora. Mesmo quando ela não consegue dar-lhes a devida expressão poética que gostaria. E, no entanto, há ainda aí, poesia, posto que ela é também a arte de expressar o indizível. Resultado? Poesia em forma de metalinguagem.

Poesia a revelia (trecho)
Silêncio, mais que um desejo.
Silêncio mais que um afeto.
Tormento não ter por perto
resquícios desse querer.
E as poesias? Nascem tortas!
Pois meus sentimentos fogem.
Minhas paixões esvaecem.
As dores? Desaparecem!
Sem quietudes pra sofrer.
De tudo não resta nada.
Adormecem as alegrias.
E as transformações são lanças
Ferindo a essência dos dias”...

E é preciso ainda acrescentar que a autora não cria metapoemas para explicar sua visão de poesia. A metapoesia no caso de Goimar é a própria poesia. Aí a originalidade da autora. Mas não é uma cultora dessa linha em tempo completo. Consegue captar também um pouco de cada mundo em que está inserida, física, psíquica e metafisicamente. Com essa matéria-prima altamente complexa recria seu universo estético, seja traduzindo a perplexidade ante a terra seca e o sofrido povo nordestino como acontece em “Explicação do sertão”, ou exercendo o memorialismo como está em “Fogueira” ou ainda, e finalmente, demonstrando una sensibilidade tocante ao evocar a figura paterna como acontece em “A linha do trem” e “Tatuagem”.
Assim o livro de Goimar Dantas. Apresenta-nos uma poética que dinamiza e corporifica a poesia imprimindo-lhe ritmo, movimento e forma. Uma artesã que trabalha o poema, constrói e fabrica a poesia com o poema. Eis transcrição integral de um dos seus mais bem realizados Poemas: “Marginal”.

Há dias bombeiros procuram minha poesia marginal,
desaparecida em pleno Rio Pinheiros.
Ao que parece, em meio a uma dessas tempestades de verão,
ela se deixou levar por um córrego que a seduziu
com promessas de mar.
Foi vista pela última vez agarrada a um pneu,
gritando por socorro em três idiomas,
próxima à ponte da Cidade Universitária,
Zona Oeste de São Paulo.
Poesia afogada em esgoto acadêmico.
Marginalíssima até o fim!
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Penalux 06/11/2017

O pulsar da poesia
Abrindo sua obra poética com a poesia “Desejo” a autora introduz sua tese de “veias em versos” ao entregar ao coração a tarefa de pulsar a poesia desejada, sendo que para a autora a veia é a própria poesia, pois é por ela que as palavras fluem alimentando o restante do corpo com sua substância vital, “queria escrever uma poesia tão linda / que só o coração ousaria pulsá-la / poesia fluindo na veia da palavra: vermelha, profunda, dilatada”.
A autora escolheu para compor a sonoridade de seus poemas, rimas que pudessem se intercalar entre a obra, de maneira que nem todas as palavras se fechem em um círculo métrico, ritmado, mas de forma tal que entre uma imagem e outra, expandindo-se pelas ideias da prosa, as rimas pudessem aparecer de vez em quando para fechar seus versos com certo charme, como em “minha língua, / minha lâmina, / meu desejo, / No marfim da sua nuca: / esse elegante desterro”.
A autora que fala sobre o processo de escrita, explora a temática do amor como veia que pulsa transmitindo vida ao interior dos seres, “ter sede da sua boca, / ter fome do seu olhar, / desejos que se compara à necessidade do ar”, ou nos trechos do poema “Entrega”, “no laço do teu abraço/ me amarro. / Prendo-me no ato / em desacato”. O relacionamento amoroso, ainda que não relate uma história vivida entre dois amantes, aparece como peça a ser estudada, analisada sobre as comparações das palavras, sempre descobrindo uma nova maneira de se olhar para este mesmo sentimento de amor.
A autora utiliza a linguagem da prosa, no poema “A linha do trem” para contar a história de seu pai, como se o assunto pedisse a estrutura da argumentação para que assim pudesse salientar as diversas especificidades necessárias ao entendimento da personalidade de seu querido. Neste ritmo gostoso, de uma sonoridade alternada, com imagens que se modificam florindo sobre mesmos temas, pelo uso da criatividade, a autora Goimar Dantas escreve seu “veias em versos” convidando o leitor a lê-la, como nos próprios versos “finja que sou livro / e vem me folhear. / Molhe, de leve, os dedos / e vire as minhas páginas / com todo o cuidado.”.
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