Ju Zanotti 02/02/2018Raphael Draccon é meu autor brasileiro preferido, dito isto quando a Editora Rocco anunciou a publicação da versão física de O Coletor de Espíritos eu não precisei pensar duas vezes antes de colocá-lo em minha lista de leitura. O extraordinário é a forma como ao terminar essa leitura eu me dei conta de que antes ainda tinha pequenas dúvidas com relação a narrativa do autor, duvidas essas que foram todas sanadas neste livro.
Véu-Vale é um vilarejo que parece viver no passado, foi lá que Gualter Handam nasceu e viveu um curto período de sua vida até que deixou para trás toda a família e os mistérios do lugar. Porém não é tão fácil rejeitar as lembranças, principalmente as que surgem em dias de chuva junto com o gosto amargo na boca. É em um desses dias que Gualter se vê obrigado a voltar a Véu-Vale depois de saber que sua mãe sofreu um infarto e fica ainda mais difícil ignorar seus fantasmas já que quem nasce em Véu-Vale, escuta.
"Mas, se havia o silêncio, era apenas o humano. Lá fora, por debaixo da agonizante tensão trevosa que se esgueirava para além de casas de madeira e pau a pique, estava o inimigo de suas emoções. Colunas vertebrais tensionavam-se quando a atmosfera rosnava descargas elétricas, ainda que ninguém ali tivesse medo do acorde feroz do trovão, nem do toque da água, nem do clarão que denunciava o encontro de nuvens. Na verdade, o que aqueles moradores temiam não era o fenômeno, nem seus parentes naturais. Não era o odor atmosférico.
Nunca a chuva.
Mas aquilo que vinha com ela."
Quando disse que antes tinha dúvidas em relação a narrativa do autor quis dizer que era algo imperceptível para mim. Depois de ler "O Coletor de Espíritos" me senti como se tivesse enxergando e compreendendo mais claramente o porque de Draccon ser o meu autor nacional preferido. Com sua experiência em cinema, Draccon trás para sua obra um teor mais visual, com uma habilidade narrativa quase palpável ele consegue transferir seu leitor para o universo que explora, potencializando a sensação de realidade e tudo o que tem a ver com sensibilidade.
Lendo "O Coletor de Espíritos" me senti parte daquele vilarejo, mas não só isso, Draccon conseguiu fazer com que eu temesse não só pelos personagens, mas também por mim, não que este livro seja aterrorizante, mas sentimos seu mistério e suas sensações na pele, tudo muito real, é como uma leitura em terceira dimensão. A sensação de ler esta história foi tão incrível que eu simplesmente não consegui largar o livro até que todos o mistérios e pormenores da narrativa fossem resolvidos. Além disso, a escrita de Draccon é fluída, entregando pouco a pouco o essencial sem revelar demais, o autor é pontual e aguça a curiosidade do leitor a cada capitulo.
Para complementar mesmo não se aprofundando demais em seus personagens o autor sabe explora-los em momentos certeiros. Gualter o protagonista me pareceu um personagem arrogante no início, mas que vai aos poucos mostrando sua verdadeira face. Porém o que mais chama atenção nessa obra é todo o mistério envolvido: O que será que realmente acontece em Véu-Vale nos terceiros dias seguidos de chuva? Pensei em todas as possibilidades desde fenômenos naturais a explicações sobrenaturais.
"É uma pena que a gente não possa criar as regras da vida, como um escritor pode criar as regras de um livro. Seria tão mais fácil, não é? Nossos romances seriam eternos, nossos vilões seriam sempre derrotados, nosso finais seriam sempre felizes. Só que a vida não é assim."
Outro ponto bastante positivo e que está diretamente conectado a todo o mistério é a riqueza folclórica criada por Draccon. O consciente místico coletivo (isso existe?) dos moradores de Véu-Vale é quase um personagem a parte. O autor faz com que nós como leitores acreditemos também naquelas "lendas" e em tudo que aquele povo humilde crê. O desfecho colabora ainda mais para essa sensação.
Enfim, "O Coletor de Espíritos" é hoje um dos meus livros preferidos, não só por ter sido escrito por Draccon, mas por todas as sensações as quais me despertou. E se não fosse suficiente me emocionei ao saber da história do pequeno Felipe, a quem o livro foi dedicado, um jovem de 13 anos que perdeu a luta pelo câncer e ao qual Raphael Draccon transmitiu sabias palavras. No mais, só tenho a agradecer ao autor por cada nova história dele que chegam as minhas mãos, se ele quiser enviar a sua lista de supermercado eu leio também, sem problema nenhum!