Bia 10/10/2016Resenha publicada no blog Lua LiteráriaA melhor parte em ser blogueira é o privilégio do contato direto com os autores. Só o fato de você trocar meia dúzia de palavras com a pessoa que foi responsável em te provocar algum tipo de sentimento, é algo inexplicável.
Eu tinha uma imagem muito diferente de escritores. Não sabia que poderiam ser tão humanos. E ao constatar essa humanidade, confesso que alguns perderam essa facilidade de provocar fascinação em mim.
Outros, com o contato frequente, se mostraram mais fantásticos e menos humanos, e com isso, a cada nova história; conseguem ganhar meu total fascínio enquanto leitora. Um desses autores é a figurinha repetida do blog, M R Terci.
Sei que é o nome mais citado aqui e a explicação para tantas menções ao autor se deve ao fato de eu ser fã das suas produções literárias. Posso jurar para qualquer pessoa que, quando leio uma nova obra, fico na expectativa de não gostar, de trazer uma crítica negativa só para surpreender meus leitores. Adianto que ainda não será dessa vez.
Já faz um tempinho que o autor vem divulgando um novo trabalho nas redes sociais. Esclareceu que estava trabalhando na escrita de um roteiro para a produção de uma minissérie televisiva, dirigida por Janderson Geison. Fiquei muito curiosa, meu lado fã gritava para que eu mandasse mil e uma mensagens implorando ao autor para que me enviasse detalhes desse projeto. Meu lado blogueira ética pedia para que respeitasse seu sigilo, e aguardasse mais informações.
Não sei como consegui controlar esse lado fã que é tão maluco, mas consegui. E um belo dia, sem pedir ou mandar aquelas indiretas no feed de notícias, Terci enviou o roteiro para que pudesse ler.
Leitores, eu agradeci formalmente, fingindo achar tudo aquilo muito normal, porém meu coração estava aos pulos, fiz a dança da vitória e quando estava prestes a contar para o mundo inteiro, o autor pediu sigilo. E recentemente, com o respaldo do Janderson, ele autorizou que a resenha fosse ao ar.
E hoje é sobre essa obra que irei falar. Queria que fosse em vídeo, para que vocês pudessem ver toda minha empolgação, porém não tenho uma voz legal, então vamos ficar na escrita mesmo.
Lunáticos e lunáticas, a resenha é exclusiva. Sintam-se honrados, pois estão sendo os primeiros a saber mais sobre O Mythos. Tranquem as portas e as janelas, que o fim do mundo está logo ali.
Ao contrário das demais obras que já li do autor, estava completamente no escuro. Não sabia nada sobre o enredo, nem mesmo o nome dos personagens, e não tinha ninguém para conversar a respeito.
O enredo se inicia com a prisão do personagem Pastore. O clima desde a primeira linha já é tenso. Os policiais demonstram repudiá-lo, a população se encontra completamente revoltada com esse cara. E assim sendo, desde a primeira linha, somos tomados pela curiosidade em saber o motivo de sua prisão, e entender o que homem fez para promover tanto ódio entre as pessoas.
"Esse olhar de homem morto machuca mais que as algemas apertadas que ferem meus pulsos."
Pastore é o personagem principal. Ex-militar, atua como detetive particular. Sua esposa e filha morreram num acidente de carro. Sua ficha criminal é mais suja que "pau de galinheiro".
Na sala de interrogatório, junto ao delegado Erval e ao inspetor Carijó, o leitor terá acesso exclusivo ao depoimento de Pastore, acusado de ser o temível Homem de Palha, assim chamado pelos jornais.
"O fim do mundo começa no homem.
E foi com um homem que começou."
Homem de palha é um assassino em série que sequestra suas vítimas e após dois dias envia suas vísceras aos familiares, devolvendo os cadáveres recheados de palhas. O mais revoltante, é que entre suas vítimas estão crianças.
A medida que Pastore relata os fatos, somos levados a uma trama recheada de suspense, terror e fantasia. E fica difícil concluir se ele é louco, herói ou psicopata.
"Ele e todos nessa sala estão mortos, mas isso pode estar acontecendo apenas na minha cabeça."
Um dos primeiros casos que é abordado no interrogatório, é sobre o desaparecimento de 44 crianças que estavam em excursão para o museu Monteiro Lobato em Taubaté. O veículo nunca chegou, o motorista foi encontrado morto e a professora e as crianças foram levadas não se sabe por quem. Há indícios que colocam Pastore na cena do crime.
Em seguida, nos é contado que Pastore foi contratado por um embaixador russo para procurar sua filha que desaparecera.
Sendo o cara um detetivinho comum, por que uma figura tão poderosa quanto um embaixador russo, que tem uma equipe fortemente treinada, o contrataria para buscar sua filha?
A medida que as páginas correm, o leitor se prende numa teia fabulosa, onde o medo é sua única companhia. Tudo é surreal, você não sabe em quê acreditar, e de repente percebe que o fim do mundo está mais perto do que imagina.
"Algumas profecias nem sempre aparentam acontecer, mesmo quando acontecem."
Para início de conversa, se você é fã de Monteiro Lobato precisa saber que essa obra tem uma relação muito intensa com o autor. Terci introduziu características Lobatianas no enredo, e ao ler, irá se sentir muito familiarizado com alguns personagens. Mas tome cuidado, não se engane pensando que vai encontrar uma releitura dark da turma do Sítio do Picapau Amarelo. Os nomes e algumas características de personagens conhecidos de Monteiro Lobato foram usados por Terci em seus próprios personagens.
Cresci com as histórias de Lobato, assim quando surgia um personagem que eu conseguia relacionar com os do sítio, ficava extasiada. Foi mágico! Senti que estava num jogo de enigmas, onde precisava saber de quem Terci estava falando. O autor nos traz uma história inédita, e pude concluir que a relação com aquilo que já conhecia de Lobato, me dava mais uma sensação de dejavu do que de qualquer outra coisa. Confesso que no início, quando percebi o que tinha em mãos, achei que seria difícil acreditar no que o autor mostraria, já que são nomes conhecidos, que imediatamente o cérebro processa e dá vida ao personagem que você assistiu ou viu uma imagem qualquer. Grande erro, é preciso lembrar que os personagens de Terci são únicos. Quando ele me jogava um nome, como por exemplo Quindim, eu até lembrava do rinoceronte do sítio, mas ao conhecer aquele que ele criou, a minha imaginação projetava o que o autor queria.
"A palavra, envelhecida pelas eras, só precisa de sangue para se fazer ouvir."
Na obra temos também o folclore nacional muito enraizado. São crenças e figuras muito conhecidas pelo brasileiro. Sou fascinada pelo folclore, adoro livros que abordam a temática e amo ouvir estórias a respeito. Nascida e criada no interior de São Paulo, confesso sem nenhuma vergonha que acreditava em muitas lendas folclóricas.
Provocar medo no leitor com elementos tão conhecidos, não é tarefa fácil. Eu não imaginei que a Pisadeira pudesse me causar tanto pavor sob a perspectiva de Terci. Ele manteve tudo aquilo que um dia nos foi contado a respeito dessas criaturas folclóricas, porém sem deixar de lado sua essência.
"O medo do homem morto não é igual ao medo do vivo. O vivo presume, ao passo que o morto sabe."
Assim sendo, a característica do autor em criar personagens bem como enredos únicos e originais, está presente mesmo com a participação de ícones do folclore nacional.
Ainda falando sobre personagens, preciso destacar a presença mais constante da figura feminina na obra. Desta vez, o autor trouxe uma personagem mulher empoderada, que tem uma função totalmente necessária na trama.
Se na infância Monteiro Lobato me encantou com personagens tão fantásticos, hoje na vida adulta M R Terci me arrebatou com um enredo tão incrivelmente rico e fascinante. Nunca li nada igual, é impossível prever o desenrolar.
Geralmente, quando leio vários livros de um mesmo autor, em um curto intervalo de tempo, começo a prever os acontecimentos do enredo. Esse fato não acontece com Terci, cada trama tem sua própria exclusividade.
Eu não sei como explicar o que é ler O Mythos. A obra é capaz de prender, encantar, amedrontar e fazer com o que o leitor se apaixone.
A viagem é mágica e perturbadora ao mesmo tempo. Os dizeres de Pastore são tão difíceis de serem digeridos; ora, afinal sou uma adulta e não deveria ter tempo para dar atenção a tantas besteiras. Seria tão prático acreditar em sua culpa e ponto final, pois tudo leva a crer que ele é um louco, psicopata. Porém, Pastore despertou alguma coisa dentro de mim, e foi muito fácil dar vida ao que ele dizia, como se eu estivesse ali, vivenciando tudo. E fiquei na dúvida: seria ele louco ou herói?
"Ninguém que voltou dos mortos teve vida longa. Nem o próprio Cristo ficou muito tempo. Aceite isso. Você não estará sozinho."
Todo leitor tem um livro xodó, aquele favorito de todos os tempos. Macunaíma é um livro que, para mim, trouxe uma visão bem diferente da especificada pela maioria dos leitores. A mistura do folclore com a comédia e até mesmo com a realidade infeliz do brasileiro, provocou-me risos e encantamento. A escrita diferente de Mário de Andrade, que causou estranheza para muitos, foi prazerosa pra mim. Fazer gracejos com as crendices foi algo inovador. Terci se demonstra tão inovador quanto Andrade ao misturar literatura, folclore e terror; trazendo um resultado espetacular.
Disse no início que será uma minissérie de TV, produzida pela Estrada Films. Estou mega nervosa, porque sei que o diretor irá ler minha resenha, e isso causa mais medo em mim que a própria Cuca. Acredito que Janderson tem uma puta responsabilidade de dar vida aquilo que já está tão vivo na minha mente; ele terá de ser tão fantástico quanto Terci.
O Mythos não é meu livro predileto. Ele ocupa o lugar que apenas Macunaíma ocupou até hoje. É o meu livro favorito de todos os tempos.
Terci conseguiu mais uma vez, mostrar que o medo pode ser encantador e cheio de aprendizagem.
E para quem eu recomendo? Para todos que amam literatura; sejam críticos, resenhistas, mas acima de tudo, para leitores que gostam de se aventurar em mundos fantásticos.
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