Fran @paginasdafran 15/03/2017Fantástico!O que move uma crença? Uma crença pode mover uma cidade? As vésperas de seu aniversário de cem anos, Dilúvio da Serra respira superstição. Uma crença que começou junto à sua fundação, quando a esperança fazia parte da vida das doze famílias que ali fizeram morada.
Mognos da Serra seria o nome. Uma bonita placa de madeira para batizar o local e seguir a vida. Estamos em 1813, mais precisamente no dia 13 de setembro daquele ano, às 13 horas. O discurso de inauguração nem chegou a acontecer, pois a chuva veio forte e terminou com tudo. Depois de doze dias de chuva incessante, uma explicação. Fizeram todas as ligações possíveis e o problema era um número: 13 na data, no número de letras do nome da cidade, o ?M? de Mognos, ocupando a décima terceira posição no alfabeto; era o número em tudo e isso justificava sua ruína.
Ali não havia espaço para a lógica, para o bom senso.
?O amor incondicional a algo, a alguém, aos olhos dos normais, soa como uma aberração, incomoda, revolta, contudo, enquanto o véu mágico estiver cobrindo a realidade, dor e limites ficam a dias de distância.?
Passados doze dias, um novo nome, uma nova placa de madeira, o milagroso fim da chuva e uma vida que seguiria irreversivelmente contada.
O tempo foi passando e a cidade foi crescendo de uma forma peculiar, sempre guiados pelas contagens e exclusão de quase tudo que houvesse o número 13 ou sua letra correspondente no alfabeto.
Dilúvio da Serra, próximo ao seu primeiro centenário, teme o fim. Com 12.999 habitantes e a chegada próxima de mais um diluviano, eles aguardam fielmente o cumprimento da profecia, que dita a extinção da cidade.
Neste cenário, o Padre Magno Manqueso, único a iniciar seu nome com M e a conter no nome treze letras, tenta abrir os olhos dessas pessoas e mostrar que a fé deve ser maior que suas crendices, mas para isso, ele deve enfrentar Johann Von Becke, que traz como tradição de família o medo e a precaução a tudo que possa atrair a desgraça novamente à sua cidade.
Beirando a insanidade, Johann tenta, de todas as formas, manter a crença da população de Dilúvio de Serra, enquanto Magno luta para trazer o bom senso àquelas pessoas. Com os dias contados para o centenário, os quase treze mil habitantes que mesmo temendo, aguardam o fim, se encaminham para uma catástrofe quase que desejada.
Que livro! Não tenho outras palavras para descrevê-lo; um final inimaginável e não sei se posso defini-lo assim, mas ?hecatômbico? seria uma palavra adequada, mesmo que aparentemente esta variação não exista. Mas e as crendices, elas existem? São reais? A fixação por um número pode abalar uma sociedade inteira ou a fúria da natureza age conforme sua vontade, ignorando o temor dos que em meio ao pavor na terra vivem? Todo o medo que a população diluviana alimentou por cem anos, tem sequer uma gota de fundamento? De um lado, um homem que cresceu rodeado por histórias fatais associadas a um número, de outro, um Padre decidido a livrar a população de um medo infundado. No meio, pessoas que não sabem viver de outra forma se não a qual foram instruídas a viver, pois é o que se espera de uma desencorajadora e sincera cidade que acolhe seus visitantes assim: quando se entra ?Pena que viestes; ao sair, Bom que vais?.
Os últimos dias de Dilúvio da Serra traz uma análise profunda da sociedade, entrou para meus favoritos e ao contar seu resumo para amigos, que infelizmente não carregam consigo o hábito da leitura, é impossível não assistir essa história, que em poucas páginas e raros diálogos, fala tanto e mostra muito. Quando penso em Dilúvio, posso visualizar perfeitamente a grande praça, a confeitaria e alguns personagens ali tomando café. Os acontecimentos ocorridos nos dias que antecederam ao centenário da cidade e que foram por Adriano Paciello contados, ficaram marcados em minha memória quase que como um filme, não sendo mais nítido apenas do que a certeza de que as lendas, as crenças, são o que as pessoas fazem delas.