Léo 29/07/2017
Leitura maravilhosa, escrita genuína, enredo sedutor
Livros de fantasia estão em alta nos últimos meses entre os leitores brasileiros e costumam causar a euforia no meio dos mais adeptos do gênero. Recebi, dias atrás, mais uma empolgante obra que chega para somar ao cenário nacional fantástico e que, certamente, terá a sua importância logo reconhecida. Na dedicatória da autora Marília G. Barbosa escrita no exemplar de 'Selene e o Dragão - A Última Lua Azul, livro 1', ela pede para que eu viaje na fantasia épica, coisa que não demorou muito para que acontecesse, pois realmente uma incrível e instigante jornada lendária abriu as portas para que a viajem começasse. Como a premissa exprime, o enredo é baseado na guerra entre humanos e dragões iniciada há séculos, cujo um contexto mais sólido com caçadores, magia, lendas e deuses junta-se a um conjunto de objetivos e argumentações bem fundamentadas. O trecho "... gente demais morreu hoje, vidas perdidas que ainda tinham o que realizar e ensinar. Crianças, adultos, velhos, homens e mulheres... Até mesmo animais. Uma vida não é melhor ou mais valiosa do que a outra, essa guerra estúpida entre humanos e dragões jamais terminaria se alguém não parasse o ciclo vicioso" marca um ponto inicial na trajetória da protagonista Selene, que prossegue com seu objetivo firmado e encontra em seu rumo motivos que lhe dão a certeza de estar no caminho certo. O leitor abraça esse contato com o universo épico do mundo dos dragões que a autora desenvolve muito bem, com uma geografia física e humana muito inteligente, onde traços físicos das regiões, e as adaptações e condições naturais cujo os personagens são jogados fazem parte da qualificada obra.
Não demora muito também para que o leitor se veja dentro de um enredo gracioso e excepcional que a autora usa para transmitir com transparência um outro lado dessa esfera interpretada sempre como agressiva, que esses seres lendários carregaram por séculos. Essa visão forte e concreta em relação a esse ponto específico do enredo é valiosa pois desembaraça possíveis perdas no desejo de continuar a leitura por razão de um precoce julgamento, a imaginar que a história pudesse ser uma mesmice fantástica, com modelagem e desenvolvimento clichê. Entretanto, Marília Barbosa dá a seu roteiro uma variação no campo de preâmbulos e desfechos usando sempre o fator surpresa, o instante diferencial.
Sua escrita é muito caprichosa. A autora mostra uma grande habilidade nos itens contar história, detalhismo e montagem de diálogos, que bem articulados, levantam boas razões e dão leveza à leitura. Os detalhes também não soam com exagero; a sutileza sobrepõe pontos que se tornariam cansativos e saturariam a leitura se os detalhes fossem escritos aos montes. Há instantes onde a vertente do Realismo Mágico embate a linha da fantasia, e elementos se relevam por si sós em uma narrativa que altera o seu narrador personagem a cada capítulo: ora a meiga, mas forte Selene, filha de caçador de dragões e praticante de magia, conta os acontecimentos segundo o seu ponto de vista, unindo características subjetivas e emocionais; ora (o bruto), mas terno Drake (o dragão), reproduz os passos precisos com uma entonação bem interessante que permite que o leitor faça junto a si as suas descobertas. A história aos poucos é alcançada e o leitor se sente parte dela, enxergando todos os elementos e acontecimentos que passam ao seu redor com uma proporção elevada da carga verossímil. Assim, é possível afirmar que Marília Barbosa conseguiu reunir e aplicar o seu melhor nos quesitos criação e desenvolvimento trazendo a sua ficção para a realidade. A interação narrativa é muito contagiante pois tira o leitor do senso comum ao ler uma obra. Em Selene e o Dragão, livro #1, é incrível como a autora consegue prender e seduzir o leitor com sutileza e naturalidade. Com o modelo de narrativa escolhido a leitura flui muito melhor e os acontecimentos são observados e entendidos com facilidade. Selene, Drake e todo o universo épico vivenciado na obra, são produtos de uma mente habilidosa, e que jamais se perderão no esquecimento após a leitura.
A prática da magia na cultura fantástica também é muito valorizada. Em Selene e o Dragão, livro #1, esse elemento é bem encorpado e seu uso justificado de maneira coerente. Na ambientação a qual a autora inseriu o seu enredo, o uso da magia torna-se importante no decorrer da obra e modifica totalmente o seu epílogo. O coeficiente Lendas e Cultura também é modelado com muita calma e sabedoria por Marília Barbosa, que parece já ter escrito uns dez livros antes do título em questão: "... Quando encontrei o livro de feitiços, achei estranho e até um pouco assustador a princípio, mas estava tão curiosa que não resisti, e, com o passar do tempo, comecei a gostar mesmo de fazer feitiços...".
Há algumas similaridades perturbadoras na obra quando encarada com um olhar mais profundo ante ao mundo moderno; a questão do afeto e da amizade assim como a aceitação do diferente, da possibilidade atraente do convívio com tribos, raças e modelos distintos em uma sociedade. Nessa interpretação, a analogia pode ser encarada da seguinte maneira: os caçadores se tornam, no universo contemporâneo, praticantes de bullying, perseguidores religiosos, malfeitores... em outras palavras, indivíduos que não aceitam as diferenças, àqueles que negam também a própria raça.
Com uma narrativa precisa e palavras que mais parecem arranjos musicais de uma formosa melodia, Selene e o Dragão, livro #1 enfatiza também a temática esperança quando mostra o a força de vontade de uma solitária personagem; confiança mútua (quando o leitor se depara com o bom convívio de duas raças diferentes); e perseverança. No quesito drama/sentimento, Selene, Drake, Chase e outros personagens conseguem os transmitir com honestidade e garantem uma classificação genuína a respeito da construção e manutenção de personagens. Elementos se unem e formam um conjunto de expectativas desproporcionais ao que se espera da história, mas pelo lado bom e agradável. Marília Barbosa veste-se com características de uma madura autora, que domina muito bem diversas técnicas da escrita fantástica e cristaliza situações importantíssimas durante a história. A sensação de agrado é intangível. Mari consegue, em muitos trechos, salientar também o lado bom do ser humano, usando a perspectiva de Drake para com tal raça. O dragão lendário consegue enxergar bondade, afeto, comprometimento e fidelidade nos humanos: "Vi tanta gente má em todas as vezes que interagi com humanos que pensava que todos fossem iguais. Eles tinham algo diferente no jeito de olhar, falar e rir, eram como serpentes prontas para dar o bote. Só que desde que conheci Selene, nenhum deles tinha esse tipo de olhar...".
Vê-se também o enredo ser preenchido com a presença de deuses. A enfática apresentação de suas habilidades, condições, feitos e omissões perante as claras possibilidades de ação, é um toque da autora para fazer o leitor refletir sobre o assunto e sobre os atuais desesperadores acontecimentos do mundo contemporâneo. Afinal, o que esperar dos deuses que nos cercam? Contudo, de alguma forma, os deuses em Selene e o Dragão, livro #1 auxiliam a personagem em seu desenvolvimento individual. Sim, a protagonista cresce, evolui e torna-se ainda mais forte no decorrer da obra: "... você tem um espírito tão ardente quanto o fogo... nem desistiu até o último instante... é forte e resiliente, de fato, muito admirável...". Ela ainda encontra, em meio as situações vivenciadas, motivos para sorrir ante a um inesperado fato. Em Selene e o Dragão, livro #1 o leitor não encontra uma personagem chata, dramática, desestimulada, sem direção, que perde seus objetivos no meio da história, e sim uma figura marcante que se permite, a todo o tempo, absorver bons aprendizados diante de todo o contexto vivenciado e filtrá-los com sabedoria. Este é um ponto muito cognitivo em Selene que também é visto em Drake, que acaba deixando que as características positivas da jovem o influenciem de maneira boa. Claro que em muitos momentos eles agem com imaturidade e medo, mas isso deixa os personagens ainda mais reais, como pode se observar no trecho: "... Eu estava sim, desesperada... Acho que nunca estive com tanto medo na vida, porém não podia me descontrolar ou perderia qualquer chance que pudesse ter para escapar...".
Alguns equívocos ortográficos não passaram desapercebidos, como o uso errôneo da contração de preposições com alguns artigos (poucas vezes), e a falta de atenção quanto aos tempos verbais, que em alguns trechos, se misturaram timidamente. Mas não são esses, desacertos que prejudicam a leitura em momento algum, mesmo que esse toque seja importante para a correção à uma segunda edição. Para finalizar, Selene e o Dragão é um livro que ressalta muito a questão sobre padrão social e individual, sobre o amor e a esperança, e que reitera o leitor a respeito da igualdade, fazendo o uso de analogias importantes enquanto o leva à uma maravilhosa e bela aventura, onde um clima de romance perdura e abranda sobre o coração do leitor, como lido em "... Não tinha a menor pretensão de relutar quando ela me puxou pela camisa, fazendo com que eu me inclinasse até beijá-la... No momento em que ela se afastou, pude ouvi-la sussurrando: gosto de você...". Em Selene e o Dragão, livro #1 tudo é bem marcante. Parabéns à querida Marília Barbosa pela cumplicidade que teve com seus personagens e seus leitores. O livro é um dos melhores do gênero já apresentado aqui no Portal. Em breve, o Marcas Literárias trará uma entrevista bem bacana para conhecermos melhor a talentosa Marília Barbosa.
site: www.marcasliterarias.com.br