Felipe Duco 08/02/2018
Se pudesse escolher, escolheria nunca ter tido acesso a essas sequências
Meu maior medo se concretizou. Tracy Whitney foi uma protagonista muito apagada, sem graça nem personalidade em “Em Busca de Um Novo Amanhã” e minhas expectativas eram que nesse livro que encerra essa “saga” (que Tilly não tinha que ter colocado a mão, nem ter transformado em saga, pra começo de conversa) Tracy fosse brilhar, sair daquela imagem cansativa de dona de casa chata que em nada remete a heroína mais icônica de Sidney Sheldon.
Mas não.
Aqui ela ficou numa situação pior, muito pior. Insegura, fraca, delicada e irritantemente ingênua.
O livro é uma trama política em relação a um ramo dos negócios que explora recursos naturais de países pobres e dá muito dinheiro, abrindo margem para corrupção pesada. Aí de um lado temos os empresários sórdidos ganhando milhões com isso e do outro um grupo de jovens hackers quebrados de grana (o Grupo 99) que tentam interromper todo esse processo. É sobre isso o livro e parece a todo tempo que Tracy Whitney e Jeff Stevens foram colocados ali, inseridos numa história que não era deles.
Exceto o anseio de Tracy por voltar a ter uma vida rodeada de adrenalina, o livro anterior nem sequer deu abertura para uma sequência (sem contar que o próprio “Se Houver Amanhã” não era pra ter sido alterado, insisto), logo não tinha nenhuma história para se contada, por esse motivo tudo o que foi escrito foi arrastado desde o início. Tudo que relaciona Tracy a esse romance político não tem sentido nenhum.
Vamos lá.
Tem uma mulher, Althea, que quer destruir a CIA, porque a CIA destruiu a vida dela. Aí Althea se junta e financia o Grupo 99 que quer destruir todo capitalismo, tirando dinheiro dos ricos. Althea que está a frente do grupo quer que Tracy Whitney entre na perseguição contra ela – e porque? Porque quando ela era da CIA, ela viu o quanto Tracy era forte e inteligente, aí ela quer que essa mulher superdotada de habilidade a persiga mundo a fora (genial, não é mesmo?!) e pra isso, ela acaba com a vida da Tracy e a menciona em diversas mensagens, dizendo o quanto quer que ela entre nessa perseguição. E o que a CIA faz ? “Contrata” a ladra mais procurada da década para ficar rastreando Althea pelo computador e entrevistando possíveis pessoas que tenham pistas. Aí eu te pergunto, meus caros leitores: a CIA não tinha um funcionário que pudesse fazer isso?! Pois bem e é assim que a banda vai tocar. Temos Tracy, desenvolvendo em quase 500 páginas um trabalho meramente rotineiro e administrativo, tendo que cumprir ordens e se reportar à chefes, sendo manipulada, enganada e se assemelhando àquelas personagens bobas de chick-lit.
O ponto que mais me inquietou era estar sempre tão explícito que o tema principal não tinha nada a ver com Tracy.
Foi uma história protagonizada por personagens sem carisma, passageiros, iguais a quaisquer livros ou filmes ou qualquer coisa que retrate funcionários militares turrões do governo. E o mais irônico: Tilly não precisava escrever uma história assim. Esse livro, esse enredo, esses personagens não são nada do que Sidney Sheldon escrevia, ele era tão novelesco, comprometido a nos entregar uma história interessante, crível, com capítulos que te deixavam com o coração na boca! Essa história não é nem o que a própria Tilly escreve em seus romances individuais! De onde a Tilly tirou a ideia de que esse tipo de romance fosse agradar os fãs de Sidney Sheldon? Ela é uma fã também! Eu não entendo! Sidney Sheldon é conhecido por retratar a mulher forte, empoderada, brilhante e não homens viciados em trabalho que só falam de trabalho, de negócios, de contratos, dinheiro, política, conspirações! Parece mais um livro-reportagem, pelo amor de Deeeeeeeeus, que livro chato!
Até pode parecer que a minha revolta se concentre no fato de Tilly ter escrito um livro num formato diferente, mas não é isso. Tilly não só escreveu uma história adversa ao legado do nosso mestre, mas como também não manteve a essência de Sidney Sheldon. Mudar deve ser sempre constante, mas perder a essência jamais!
Outra coisa é que a Tilly não funciona bem com continuações no geral. É um pouco cansativo a maneira como ela sempre nos lembra do passado dos personagens (Já lemos "Se Houver Amanhã", acompanhamos a trajetória e você, Tilly, já fez uma minibiografia resumida dos protagonistas no "Em Busca de Um Novo Amanhã", não precisa mesmo, mais uma vez, explicar tudo de novo pra gente: que Jeff veio de um circo e a Tracy foi presa e todas aquelas coisas).
O nome de Tracy Whitney aparece na capa, contra capa e orelhas do livro num total de dez vezes. O slogan do livro é que “ela está de volta com sede de vingança.” É mentira! Propaganda enganosa! Quero meu dinheiro de volta! Tilly transformou Tracy em uma mulher apática, tola, que perdeu toda sagacidade, sarcasmo, que acredita com facilidade em todas as pessoas (embora ela afirme que não faça isso, ela faz sim, várias vezes!). A maior heroína de Sidney Sheldon que rodou os continentes roubando bilionários, fugindo do FBI e de todos os sistemas de inteligência do mundo, resumiu-se a uma ajudante informal da CIA que ficava rastreando pessoas pelo computador! Realmente eu tô muito indignado.
Até o final, ridiculamente patético, eu achava que Hunter Drexel um personagem sensacional. Desde o início tudo sobre ele era muito interessante e eu ficava ansioso para que falassem dele ou que Hunter entrasse em ação. A premissa é esplendida: um jornalista que arrisca a vida pela verdade, que tem problemas com mulheres e jogos, perambula pela Europa derrotando milionários em rodas de poker clandestinas para se manter e permanecer vivo, com o único propósito de escrever a grande matéria de sua vida. Todos esses elementos foram incrível pra mim, entretanto até isso a Tilly estragou. Quando ela nos revela sobre o que era essa tal matéria é tão, mas tão frustrante que todo encantamento que tinha por Hunter foi jogado pelo ralo.
Falando em final, o da Tracy só poderia ser medonho...
Para que houvesse a grande reviravolta final, era necessário que Tracy tivesse sido enganada pela única pessoa que ela poderia confiar (mesmo ela conhecendo essa tal pessoa há pouquíssimos meses). Mas não dá pra acreditar de maneira plena nessa reviravolta. Tracy (a nossa Tracy, a verdadeira Tracy) nunca acreditaria tão cegamento numa pessoa, ainda mais estando tudo tão na cara e com diversos personagens alertando-a sobre a verdadeira índole desse vilão.
E com certeza a Tilly estava com o mão na bunda quando escreveu aquele final. Me senti lesado quando eu percebi que todas as respostas do livro seriam dadas em um diálogo teatral com três personagens. Tinha tanto a se revelar e tudo foi dito, numa conversa durante um jantar, quando se foi decidido que era de contar a verdade, num momento totalmente descabido, onde tudo se releva com todos explicando tim-tim por tim-tim os motivos dos acontecimentos.
Uma outra questão também, que não tem a ver com o romance, é o fato de eu já ter percebido nos outros livros da Tilly que as traduções subestimam um pouco nós leitores. Eu não gostei de ver nesse livro trechos que obviamente a Tilly não escreveu daquela maneira. Em muitos momentos, os personagens têm falas tão abrasileiradas, num português vulgar e tão simplificado, que nós chegamos num ponto de lermos um personagem típico britânico com gírias e modos de falar de periferia brasileira. Isso sem citar que o livro tem uma formatação um pouco torta, além de diversos erros de concordância verbal e nominal (e até eu que não sou expert no assunto percebi de longe). Sidney Sheldon era sim escritor de best-sellers macarrônicos, mas sempre escreveu com elegância e assertividade e eu sinceramente não sei o que a Editora Record pensa de nós, os consumidores dos livros dele, mas isso me deixa muito desanimado.
Por fim, se eu pudesse escolher, escolheria nunca ter tido acesso aos dois livros da sequencia, especialmente “Um Amanhã de Vingança”. No mais o pouco que me agradou nesse livro foi o fato dele ser cosmopolita como toda obra do Sidney Sheldon. Me encanta demais ler um livro que se passa em diversos países, em que os personagens estão em várias cidades diferentes, isso é realmente uma delícia. Uma frase, perto do final, no início do capítulo 31, que exemplifica muito isso é quando a Tilly fala assim: “Era o mesmo sorriso agradável e acolhedor do qual ela se lembrava de ter visto em Genebra, em Nova York, no Havaí e em Paris.”
Todo essa atmosfera universalizante é muito gostosa e divertida de ler, mas, em nenhuma hipótese, passa perto de salvar o livro da fogueira. Vou fazer um esforço mental pra esquecer que li essas sequências. Tilly não poderia ter mexido na obra prima do nosso Tio Sid e ela não pode, por tudo o que é mais sagrado, mexer com nenhuma outra heroína dele.
Papai do céu, ou seja quem estiver aí, livrai-nos da Tilly de dar continuidade aos clássicos do Sidney Sheldon, amém!