Retipatia 24/10/2018
Promessas de vísceras, mas recebemos corações...
O livro começa com o que promete: vísceras, uma fera em sua forma mais puramente animalesca, movida à tão somente seus instintos predadores, a dilacerar suas vítimas em perfeito saborear de um banquete fresco. Talvez seja uma das explicações para tantas pessoas desaparecidas mundo afora, já que só restam respingos de sangue daqueles que são escolhidos como alimento por um lobisomem.
Apresentada a carnificina, somos levados pelo narrador por duas linhas temporais que mostram o tempo "atual" da vida de Alexandre, já parte da uma alcateia e levando sua vida como o lobo solitário que é, e seu passado, pouco depois de ter sido amaldiçoado.
Assim, conhecemos o protagonista, sua paixão por motos envenenadas, velocidade e viagens sobre duas rodas, assim como o profundo desprezo pela espécie à qual faz parte. O lado sanguinário não chega, de fato, a ser tão problemático para ele até o momento em que se vê diante da necessidade de abrir mão da jovem que conquistou seu coração. Não que Alexandre seja um romântico incurável, mas, como na maior parte dos romances contemporâneos, surge aquela uma alma especial que o faz o motoqueiro bad boy não apenas desejar reverter a maldição, mas ansiar por um futuro e correr riscos desmedidos para manter seu amor. Ainda assim, a maldição da qual surgem pistas ao longo do livro, acaba sendo focada apenas pelo lado lupino da história e o humano nada faz ou descobre, de fato, para tentar acabar com a maldição.
Nesse ponto, a história ganha um revés inesperadamente romântico a partir da aparição de Valquíria, que passa a ser a motivação de todas as ações de Alexandre e traz uma reviravolta para a trama. Não que terror e romance sejam gêneros que precisam caminhar de maneiras apartadas, de modo algum. Contudo, a nuance da narrativa ganha um novo foco e viés, mais costumeiro em romances contemporâneos, com direito à toque de mãos com choque elétrico entre os personagens, deixando o lado aterrorizante um pouco estagnado e em segundo plano a partir de então. O que se vê de morte e carnificina segue de eco ao que temos nas primeiras páginas do livro.
Alexandre, em si, não tem tanto a dizer quanto o narrador onipresente na história, que vai além do contar, expondo constantemente suas opiniões durante os capítulos, que vão desde a índole de personagens primários e secundários até política, serviço público e sistema judiciário brasileiro. Não que tais apontamentos sejam inválidos ou desnecessários, mas, em vários capítulos, os comentários representam constantes quebras da narrativa, não sendo apresentados ao leitor de maneira fluida com os momentos da trama. Nesse mesmo ponto, são utilizados frequentemente parêntesis para apresentar explicações sobre questões abordadas no livro que, muitas vezes, são desnecessárias ao caminhar da história, causando pausas inconvenientes no texto, já que não acrescentam em nada. Em alguns pontos a narrativa descritiva teve seus êxitos, como ao destrinchar um corpo humano sob às mordidas do lobisomem, mas, de modo geral, a sensação é de que ela poderia ser bem mais limpa.
A narrativa utilizada no livro se cerca de elementos costumeiros à linguagem jurídica, algumas expressões e "vícios jurídicos" que estão presentes na narrativa, somados às constantes explicações que insistem em aparecer, remete à leitura de um artigo jurídico e não de um texto literário. Não que este último não possa ser rodeado de formalidade e seguir uma linguagem culta, mas são aspectos que não se confundem às formalidades que o Direito e suas áreas de atuação acabam por tornarem corriqueiras aos seus praticantes.
Os personagens da história também têm seu viés de indagação, a estrutura arquitetada para o funcionamento da alcateia, que se reflete tanto na forma humana dos indivíduos, tanto quanto em sua forma lupina, encontra um balanço bem elaborado, sendo impossível que criatura e humano não tenham seu quê de semelhança, já que àquele advém deste. Inclusive, a relação entre animal racional e irracional chega a ser questionada, já que a narrativa se dá também pelo ponto de vista dos lobisomens transformados, mostrando em detalhes suas motivações e funcionamento em bando. Em alguns pontos, a dinâmica dos lobos se mostra bem mais interessante de acompanhar do que a dos caminhantes da luz do sol. E, sem dúvidas, o lobisomem criado na obra é, como o autor pretendia, um ser capaz de habitar o imaginário no rol de criaturas viscerais, uma ode aos antigos seres lupinos.
Os personagens da história também têm seu viés de indagação, a estrutura arquitetada para o funcionamento da alcateia, que se reflete tanto na forma humana dos indivíduos, tanto quanto em sua forma lupina, encontra um balanço bem elaborado, sendo impossível que criatura e humano não tenham seu quê de semelhança, já que àquele advém deste. Inclusive, a relação entre animal racional e irracional chega a ser questionada, já que a narrativa se dá também pelo ponto de vista dos lobisomens transformados, mostrando em detalhes suas motivações e funcionamento em bando. Em alguns pontos, a dinâmica dos lobos se mostra bem mais interessante de acompanhar do que a dos caminhantes da luz do sol. E, sem dúvidas, o lobisomem criado na obra é, como o autor pretendia, um ser capaz de habitar o imaginário no rol de criaturas viscerais, uma ode aos antigos seres lupinos.
Não apenas esse papel feminino é questionável, já que o narrador não se limita às opiniões do seu protagonista, especialmente no que diz respeito à servidores públicos, de modo geral. Ainda que o sistema brasileiro careça, e muito, de melhorias, a máxima é levada ao extremo: todos são corruptos, preguiçosos ou incompetentes - salvo nossa donzela, que também é servidora, mas não se enquadra em tais parâmetros, é claro. Até mesmo nosso protagonista, ainda que não reconheça, tem seu lado displicente quando o assunto é seu trabalho.
A leitura de Crônicas da Lua Cheia: A Maldição do Lobisomem começou ávida por desvendar os mistérios dessas criaturas seculares, mas arrefeceu a medida que a narrativa insistiu em explicações excessivas e em utilizar do ideal romântico de salvação, que de certa maneira, acabou por se desviar do prometido inicialmente: ao puro terror das criaturas sanguinolentas de olhos vermelhos, ofuscando até mesmo o clamor existente na batalha entre criatura e humano, que tem um desfecho, previsível, mas ainda assim, interessante. O terror e o horror não estão em meramente no destrinchar de vítimas, mas na beleza intrínseca de fazer os pelos da nuca arrepiarem com a simples descrição de uma fera...
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