Contos Chineses

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Resenhas - Contos Chineses


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Henrique Fendrich 26/10/2018

Que surpresa mais agradável foi ler as “Maravilhas do Conto Chinês”! Eu imaginava uma leitura difícil, tanto pelas dificuldades de tradução como por abissais diferenças de cultura. E, entretanto, que prazer foi percorrer 14 séculos de literatura chinesa!

Acho até que a linguagem contou a favor, pois, por conta de suas peculiaridades, o chinês escrito é muito sintético em suas expressões, o que significa que quase não irão aparecer períodos excessivamente longos e com intermináveis descrições de ambiente. Lê-se tudo com muita naturalidade. Tudo é simples, bonito e bem escrito (ou, vá lá, bem traduzido).

O livro já começa com um conto muito significativo chamado “A história de um velho espelho”, de Wang Tu, que é do tempo da dinastia Tang (ou seja, de 618 a 907 da presente era). Já nesse conto se percebe algo que imagino uma característica marcante da literatura chinesa antiga, ou seja, a naturalidade dos eventos sobrenaturais. Com frequência veremos nesse livro objetos, seres, fantasmas, coisas que contradizem a nossa velha mente racional ocidental. O que poderia, a princípio, nos afastar, por considerarmos aquilo inverossímil demais, é capaz de permitir uma visão mais poética, profunda e bonita da realidade.

Estou usando outra vez o adjetivo “bonito” porque realmente é o que mais me vem à cabeça com esses contos.

“Viagem ao interior de um travesseiro”, de Chen-Tsi-Tsi, também conta uma bela história nos mesmos moldes. “A vida de Li Wa”, de Poe Hieng Kien, relata uma história de amor com interessantes reviravoltas.

É incrível que esses contos são os mais velhos do livro e ainda apresentam ótimo vigor.

Depois vem os contos da dinastia Song (960-1276), que são anônimos e podem ser chamados realmente de “contos de fantasmas”, pois esses seres são peças fundamentais no enredo dos dois contos dessa época.

Depois aparecem os contos da Dinastia Ming (1368-1644), que foram, no conjunto, aqueles de que mais gostei.Destaque para "O jardineiro". Essa história é arrebatadoramente lírica e poética, uma coisa linda de se ler. É a história de um sujeito que vivia para o seu jardim e do que lhe aconteceu quando tentaram tomá-lo. Fui tocado por esse conto.

“O casamento inesperado do bacharel Tsien” tem aquele conhecido recurso, usado à exaustão no cinema, de fazer um amigo se passar por você em um encontro amoroso. Mas com o toque oriental isso fica muito bonito. Essas histórias de "burlas amorosas" lembram o que o Cervantes e o Boccaccio já vinham fazendo no Ocidente.

O terceiro conto dessa época é “O tesouro perdido”, grande conto sobre as peripécias de um estudante e uma cortesã que se apaixonaram um pelo outro. Muitos contos dessa época, pelo menos os ocidentais, são amplamente desfavoráveis às mulheres. Pois nesse conto a mulher sai por cima e dá uma lição nos homens que, olha, foi épica. Há grandes momentos na parte final do conto, mas ele todo é formidável.

Na sequência, estão os contos da dinastia Tsing (1644-1912), que não me chamaram tanto a atenção, mas lidam também com o sobrenatural com grande naturalidade e beleza.

Por fim, na última parte, há o “período contemporâneo”, que se entende como da fundação da república chinesa, em 1912, até a publicação do livro, nos anos 60.

Essa seção é aberta por Lu Hsun (ou Lu Xun) e o vigoroso conto “Pesar pelo passado”. Nele já se nota que a literatura chinesa havia entrado na modernidade. É um conto em primeira pessoa, um mergulho no drama, na angústia e no remorso pelos erros passados que, imagino, poderia ser facilmente absorvido por alguma teoria psicanalítica. Excelente a condução da história. Gostei muito da escolha vocabular, só que aí o crédito é do tradutor, José Paulo Paes. É um conto altamente existencial. Acho que voto nele como o melhor do livro, pois tem menos “estranhamento”, por ser um conto moderno, mas sem perder o encanto da cultura chinesa. Tem ainda um momento misterioso, dando o tradicional toque sobrenatural.

Depois vem “O registro”, de Chao Shu-Li, que é interessante porque trata do enfrentamento dos jovens à tradição chinesa, que ainda estava em voga, de os pais escolherem o casamento dos filhos. Trata-se não apenas de conflitos de gerações, mas de mudanças profundas pelas quais a sociedade chinesa estava passando, até chegar o momento em que os jovens se casariam com quem bem entendessem. O conto tem lá a sua propaganda política, é uma literatura engajada, mas a temática e a abordagem são das mais interessantes.

Por fim, encerrando o livro, há “O jarro de bronze”, de Tsui Pa-Wa, conto que também me marcou positivamente. Lendo esse conto eu me lembrei de algo que já havia esquecido, mas que havia aprendido com “A boa terra”, da Pearl S. Buck: famílias podiam vender os filhos para se sustentar.

Isso acontece na história, mas o filho foge, volte para a casa do pai, e tem início uma grande confusão quando o “dono” vem buscá-lo. Impressiona o grau de solidariedade dos vizinhos, a ponto de um vender terras de sua propriedade para arcar com as custas do “resgate” da criança. São gente simples que sabe que só se estiverem unidos têm condições de conseguir alguma coisa. Mas, infelizmente, quando os poderosos se unem, as consequências são terríveis para os pobres, e isso também é retratado muito bem. Outro belo conto.

Essa coletânea chinesa também é, de todos os vários livros da coleção que eu li, o mais rico em informações históricas. De fato, dá para aprender muita coisa com as introduções, mas dá para aprender muito mais ainda lendo os contos. Só faltaram mais detalhes das vidas dos escritores (se conhecidos).
Matheus Zucato 14/09/2021minha estante
Henrique, você tem o livro físico ou PDF?




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