Marcos Pinto 02/03/2017Ótimo fechamentoEduardo Kasse não tem papas na língua – ou seriam nos dedos? –, e mais uma vez, surpreende o leitor. Harold, o vampiro metido e falastrão, volta à cena para sua derradeira aventura, mas agora com um sentido mais profundo: buscar uma lógica nessa sua vida interminável. Depois de séculos vagando pelo mundo, bebendo sangue de cristãos e ímpios, de pobres e ricos, ele não vê mais sentido em sua existência.
Harold quer algo mais; entender o mundo não é o seu objetivo, já que há muito tempo que o mundo é inexplicável. Contudo, entender a si mesmo é essencial para quem é imortal. Há sentido em apenas acordar, dia após dia, beber sangue e se deleitar em prazeres carnais? Harold quer algo mais, algo que lhe faça vivo novamente. Será isso possível?
Para tal, o imortal volta a vagar por terras, a arrumar muita confusão e criar novos vínculos, entretanto, quando se é cercado por humanos, toda vez que eles partem, a vida se dilacera um pouco. Aliás, disso Harold já entendia bem, porém, ainda assim, persiste em buscar nas relações, sejam elas humanas ou imortais, um caminho para se encontrar.
“A Europa havia mudado bastante desde o meu renascimento, e cada vez mais as pessoas buscavam o conhecimento, a sabedoria e a luz. Quer dizer, aqueles que tinham posses, poder e dinheiro suficientes para conseguir se manter nesse dispendioso caminho; para todos os outros, tudo continuava igual: a fome, a doença e a merda da vida sofrida de sempre. Os calos nas mãos nunca eram proporcionais aos pagamentos recebidos” (p. 15).
Nesse livro, diferente dos demais, além de ação, morte e sangue, o lado psicológico é desenvolvido de forma mais intensa. Harold e outros imortais começam a se questionar sobre seus caminhos, principalmente diante de tantas mudanças na sociedade. As imposições sociais, principalmente para mulheres, tornam o mundo desinteressante. Os deuses, que tornavam os dias mais animados, estão morrendo frente ao cristianismo dominante. Dia após dia, Stella, Liádan, Harold precisam redescobrir a sua função nesse novo mundo.
Além desse lado mais psicológico, Kasse mantém as suas características marcantes: o vampiro aqui não é romantizado; os seres são vistos como realmente devem ser – inteligentes, poderosos, sábios e, muitas vezes, cruéis. A narrativa continua ágil e altamente real, isso significa que o autor relata dos momentos mais interessantes aos mais nojentos e triviais; isso até pode incomodar alguns, mas, no geral, dá uma verossimilhança ótima, principalmente porque Eduardo se atenta aos fatos históricos e os respeita, encaixando muito bem esse livro na “história oficial”.
O único ponto que talvez decepcione um pouco o leitor nesse fim de série é a falta de um ápice épico, como aconteceu nos volumes anteriores. Ruínas na Alvorada, apensar dos momentos de ação, é claramente um livro que se encaminha para fechamento de pontas e arcos narrativos. Cada imortal vai encontrando seu caminho e buscando seu destino, deixando um ar de nostalgia do ar. Vale ressaltar, porém, que mesmo não havendo um grande ápice, o livro é ótimo e cumpre muito bem seu objetivo, dando um fechamento adequado para a série.
“Tal como na vida mortal, a idade traz a experiência e essa a serenidade. O ímpeto é dos jovens, a parcimônia é dos velhos. Talvez conosco aconteça o mesmo, mas, ao invés de anos, precisaremos de décadas ou séculos” (p. 48).
Quanto à parte física, não há o que reclamar. A Draco preparou uma capa bonita e que segue o padrão da série; a diagramação, por sua vez, é bonita e confortável, proporcionando uma boa leitura. A revisão também está excelente, mantendo o padrão da editora.
Em suma, Ruínas na Alvorada é um bom fechamento para série, tendo um ótimo aprofundamento psicológico e boas doses de ação e aventura. A série, por sua vez, é sem dúvidas a melhor sobre vampiros que já li. Vale a pena conferir.
site:
http://www.desbravadordemundos.com.br/2017/02/resenha-ruinas-na-alvorada.html