A Cidade e as Serras

A Cidade e as Serras Eça de Queiroz




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Daniel911 14/05/2023

30 mil livros sem alguém para ler
Não há diferença entre a cidade e o 202, para Jacinto não se vê distinção de qualquer grau entre as minúsculas fustigações de um passeio no parque domesticado à cacofonia inebriante de suas máquinas, tudo se resume na mais inexplicável ausência de significado. Seu desespero só pode ser possível em seu casulo asséptico de cidadão urbano e logo que escasseado de alternativas novas se convence à fugir da rotina visitando, para nunca retornar, as suas origens.
A visão de cima, da burguesia farta, que em nada deixa faltar para o intelecto sensorial interessado, finda em uma insignificância saturada niilista (não obstante o rompante existencialista de Jacinto como último recurso civilizado) e tão logo se traduz na inequação em que os remodelados dom quixote e sancho pança se percebem ao terem esgotado todas as aventuras. As não-pessoas de Paris, que meio a tanto luxo, tanto conhecimento, tanta tecnologia, não são capazes delas tirar nada mais do que um prazer efêmero de posse e se veem inertes meio à suas obras infindáveis, olhos que não sabem mais olhar, vontades que não sabem mais sonhar. Buscam ambos, já em meados de seus trinta anos, quase como meio à uma crise de meia idade, um lugar seu nas serras em que possam refrescar o espírito seco de tão gozar à riqueza ociosa. Em percalços anedóticos eles se firmam na vida bucólica tão antagônica com toda a filosofia civilizatória racional em que cresceram, reconhecendo racionalmente que no bucolismo, e para eles consequentemente na rusticidade ignóbil, há de se ter a vida natural e feliz através do senso e rotina campestre suspenso em um tempo estático, que passa rápido para todos e nunca muda. Um paraíso metafísico intocado pela dúvida universal, onde o que é, é, simplesmente.
Decididamente uma análise categórica do rumo produtivo material e intelectual da era positivista e do vácuo existencial das almas diretamente beneficiadas, em que qualquer dessas almas só poderia almejar paz nos delírios épicos da nostalgia de um tempo mais simples. Intocados, os 30 mil livros, seja por tédio paralisante ou abandono desinteressado, estão fadados a jamais serem lidos, e é assim que as coisas vão, invariavelmente.
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