Laiza 21/01/2021
Intérprete de Males - Jhumpa Lahiri
Sempre tive dificuldade, e um pouco de receio até, em ler livros de contos, por achar difícil me envolver com histórias muito curtas; começar cada conto é se habituar novamente a um novo contexto e uma nova história, o que para mim as vezes quebra um pouco o fluxo, sabe? Só que com o livro de Lahiri foi diferente: a escrita da autora é envolvente, elegante e extremamente sensível, que nos leva a uma explosão de cultura, política, questões sociais o íntimo humano.
A autora, Jhumpa Lahiri, é inglesa, naturalizada estadunidense, e filha de pais indianos - hoje vive na Itália e devido a questões políticas e pessoais, escreve somente em italiano (inclusive descobri que ela comenta sobre essa escolha em um livro, ainda não publicado aqui. Nesse sentido, os contos da autora me parecem ter uma íntima conexão com sua vida Já que, de modo geral, os contos permeiam a questão de estrangeiros, indianos, que por algum motivo pessoal, político ou a trabalho, precisam viver longe de casa e em um país com uma cultura totalmente diferente. As histórias também abordam a conexão de duas culturas, ou a estranheza e desconforto individual de alguém que ou é deixado de lado ou não se adapta a sua vida cotidiana. É um livro que sinto que cumpre seu papel de instigar o leitor a pesquisar e procurar por mais; e foi isso que aconteceu comigo.
É o tipo de leitura que faz com que o leitor reflita tanto politicamente quanto criticamente, e diversas vezes ao longo dos contos, me peguei pensando, tentando encontrar algo nas entrelinhas, buscando compreender os sentimentos a as situações dos personagens. Enquanto estudante de RI, acho importante e gosto de acompanhar histórias que envolvem as diferenças culturais e sociais entre povos, e essa leitura é uma obra enriquecedora nesse sentido, pois ela transborda questões culturais e históricas, muitas vezes esquecidas ou até mesmo subestimadas.
O grande centro da narrativa de Lahiri é as pessoas, e como que elas lidam com o mundo a sua volta: com as diferenças; com os choques culturais; com a vida no estrangeiro; a saudade de casa; a impotência frente à questões políticas, sociais ou culturas; até mesmo a impotência em nós mesmos enquanto indivíduos que não se adaptam, que se estranham, que buscam por mais, que tentam se conformar com a realidade ou transformá-la. Adorei que os contos também exploram o papel da mulher em relação ao mundo, senti que isso foi algo muito central na narrativa; discutir suas particularidades, vivências, e como que em muitas vezes elas são ignoradas, silenciadas, ou se sujeitam a relacionamentos e situações e tentam se conformar com isso
É claro que por ser uma coletânea de contos, não são todos que se tornam favoritos; alguns eu esperava um pouco mais, senti a falta de um aprofundamento em algumas questões. Mas no geral, é uma leitura excelente, uma viagem importante e necessária ao íntimo humano e suas dores. As histórias são únicas, originais, com personagens carregados de sentimentos conflitantes, que são desmembrados ao longo da leitura, elucidando questões individuais e culturais que os permeiam. Adorei fazer essa leitura, e recomendo ela fortemente.
Agora vou deixar alguns comentários e considerações que anotei no skoob conforme ia lendo os contos, e também as notas que dei individualmente para cada um.
O primeiro conto "Uma Questão Temporária" eu gostei bastante, achei delicado, profundo e original. Esse conto e o primeiro do livro e já é um soco no estômago: um apagão na cidade leva a um casal, em meio ao luto, a refletir sobre seu relacionamento e futuro. Um conto simples, mas extremamente sensível.
Eu adorei o conto "Quando o senhor Pizarda vinha jantar". Achei singela as reflexões sobre as diferenças culturais, e sobre como a distância da terra natal não é sentida apenas no íntimo e sim também nas atividades do dia a dia, tão diferentes da realidade dolorosa de casa O que também me fez refletir muito sobre a hegemonia cultural, educacional e dos meios de comunicação. Esse conto abre muitas portas para discussão de política internacional, tendo como palco o próprio indivíduo e suas vivências.
"Intérprete dos Males" também traz muito desses discussões; achei interessante como o titulo do conto (e do livro) pode adquirir diferentes significados, dependendo de qual aspecto você o observa, mas não vou comentar muito sobre o título e seus significados para não dar spoilers hehe.
Em relação a "Um durwan de verdade" e "Sexy, confesso que eles não foram tão bons quanto esperava. Ambos me prenderam e me trouxeram reflexões importantes, e o primeiro em particular me deixou com o coração bem apertado, me senti impotente e triste. Realmente esperava um pouco mais do final, porque quando ambos terminam sinto que poderia ter mais páginas, que não foi dito tudo que poderia. Mas "Sexy" também é uma história bem impactante e crua.
Amei "Senhora Sen", e terminei essa leitura com o coração apertado, mas ao mesmo tempo realizada com a sensibilidade e simplicidade com que o amadurecimento, a solidão e a inadaptação foram tratados. Não gostei tanto de "Esta casa abençoada" porque terminei com a sensação de que mais poderia ter sido dito ou aprofundado, e também achei a história um pouco chata, não me prendeu tanto. "O tratamento de Bibi Haldar" foi um conto interessante e que me deixou muito incomodada com algumas situações, mas imagino que esse tenha sido o objetivo, causar estranheza e desconforto com a forma com que a mulher é tratada em sociedade. Por fim, o livro termina com um conto maravilhoso "O terceiro e último continente" que explora de forma muito sensível e tocante as mudanças da vida e a adaptação ao estrangeiro.
Uma questão temporária 5/5
Quando o senhor Pirzada vinha jantar 5/5
Intérprete dos males 4/5
Um Durwan de verdade 3.5/5
Sexy 3.5/5
A Senhora Sen 5/5
Esta casa abençoada 3/5
O tratamento de Bibi hadar 4/5
O terceiro e último continente 5/5
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