Carla Brandão 07/01/2017Já dizia Clarice Lispector: cada pessoa é um mundo. As histórias, vivências e aquilo que carregamos dentro de nós compõem um terreno vasto e, muitas vezes, inexplorado. Quando a pessoa em questão é uma mulher, conhecer cada cantinho do mundo pode ser difícil, mapa nenhum é claro o suficiente . Afinal, mulheres são complicadas, diz-se por aí.
Em Batom no dente, Maria Helena Mossé se aventura por esse universo feminino. Em 21 contos, apresenta ao leitor mulheres de diferentes idades, pertencentes a diversas classes sociais e passando por etapas distintas da vida. Alguns contos têm protagonistas masculinos, mas eles são minoria.
Os personagens são reais, tanto que é até difícil chamá-los assim. A narração de suas vivências traz ao leitor reflexões a respeito de temas comuns a todos nós, situações que já passamos, já vimos alguém passar ou que provavelmente passaremos no futuro.
Ao longo das páginas, conhecemos personagens buscando uma vida melhor, umas se apaixonando, outras encarando o fim de uma relação que durou mais da metade da vida e ainda aquelas que se aventuram em uma relação extra-conjugal. Em contos mais reflexivos, personagens questionam escolhas feitas, lidam com a saudade de coisas, épocas e pessoas e com a chegada da maturidade e as mudanças que ela traz para o corpo e para a percepção do mundo ao redor.
"As vozes não se modificam com o tempo. Eu seria capaz de identificar cada um, estivéssemos nós num ambiente fechado e escuro. As risadas também são as mesmas. Somos todos novamente jovens falando alto e, rememorando os dias felizes, acreditamos que daremos uma rasteira na morte."
Um detalhe bastante interessante do livro é que alguns contos são interligados. Alguém que faz parte da história contada em um, como mero coadjuvante, vira protagonista no seguinte. E assim podemos ver dois olhares diferentes a respeito de uma mesma situação, mostrando que nem sempre aquilo que projetamos realmente corresponde ao que se passa com a outra pessoa. Por descuido ou por alguma necessidade, muitas vezes moldamos a realidade de acordo com o que queremos.
Outro ponto a ser destacado é o estilo da escrita da autora. Mesmo nos contos mais curtos conseguimos apreender muito da personalidade de seus personagens. Talvez por sua formação, ela consegue explorar bastante do que se passa no interior de cada um deles, sem precisar recorrer a descrições detalhadas, apenas narrando seus pensamentos e suas ações.
Mesclando contos narrados em primeira e terceira pessoas, Batom no dente é um livro maduro e que trata de maneira quase informal - mas nem por isso superficial - de assuntos fundamentais.
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