jota 26/02/2014Dez anos brilhantesEscrevendo sobre Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock ‘n’ Roll Salvou Hollywood o periódico britânico The Sunday Times afirmou que "Se existe um livro melhor sobre os bastidores do cinema, gostaríamos de ver." E deve ser verdade mesmo: o jornalista Peter Biskind além de conhecer profundamente as coisas de Hollywood escreve muito bem sobre elas.
Seu relato não é apenas informativo, pelo contrário: é muito interessante e esclarecedor para quem aprecia cinema, não apenas assistir filmes como passatempo. Quase sempre são histórias bem-humoradas ou curiosas, o que torna a leitura mais atraente ainda.
Os fatos contados aqui, alguns que se tornaram verdadeiras lendas hollywoodianas, são sobre gente envolvida em grandes sucessos de bilheteria e de crítica cinematográfica. Mas que também tomaram parte em umas tantas obras que fracassaram espetacularmente nas telas. Mais sucessos do que fracassos, são todos filmes lançados entre os anos finais da década de 1960 e princípios dos anos 80.
Foi durante o fértil período dos anos 1970 que a indústria cinematográfica americana ficou conhecida como Nova Hollywood. Época de ideias novas e ousadas defendidas por novos e ousados realizadores. Elas renovaram a indústria do cinema, então sofrendo o impacto da produção televisiva e também amargando a falência ou a quase falência de estúdios tradicionais, que apostaram muito dinheiro em gigantescas produções que se revelaram verdadeiros fiascos depois.
A medida das coisas em Hollywood quase sempre foi o dinheiro – quanto os filmes podiam render e tornar milionários os grandes estúdios, produtores, diretores, roteiristas, atores, técnicos, exibidores, etc. Mas havia também uma nova geração de realizadores que se acreditavam talentosos, afoitos para sair por aí rodando filmes diferentes do que se fazia até então. Queriam contar histórias de um ponto de vista pessoal, buscavam prestígio e não apenas dinheiro (pelo menos no início), e se espelhavam em diretores ingleses, franceses, italianos, suecos ou tchecos admirados notadamente pelos críticos de cinema e estudantes universitários.
Muitos jovens queriam ser autores de filmes, realizar seus próprios projetos, não apenas executar o que os estúdios mandavam. Tentavam se livrar do modelo tradicional de realização vigente durante longos anos em Hollywood. Então, quando conseguiram impor suas ideias e projetos, juntamente com eles uma onda de sexo, drogas e rock and roll tomou a capital do cinema de assalto, como nunca antes na história daquela cidade. E muitas histórias e filmes incríveis rolaram pelos quatro cantos do planeta.
Passam pelas páginas de Peter Biskind a história de produções lendárias como Bonnie e Clyde — Uma Rajada de Balas; A Primeira Noite de um Homem; 2001: Uma Odisseia no Espaço; O Bebê de Rosemary; Meu Ódio Será Tua Herança; Perdidos na Noite; Sem Destino; M*A*S*H; Cada um Vive Como Quer; Operação França; Ânsia de Amar; A Última Sessão de Cinema; Quando os Homens São Homens; O Poderoso Chefão; A Última Missão; Nashville; Faces; Shampoo; Laranja Mecânica; Reds; Lua de Papel; O Exorcista; O Poderoso Chefão; Caminhos Perigosos; Terra de Ninguém; A Conversação; Taxi Driver; Touro Indomável; Apocalypse Now; Tubarão; Cabaret; Klute — O Passado Condena; Loucuras de Verão; Cinzas no Paraíso; Vivendo na Corda Bamba; All That Jazz — O Show Deve Continuar; Noivo Neurótico, Noiva Nervosa; Manhattan; Carrie, a Estranha; Todos os Homens do Presidente; Amargo Regresso; Guerra nas Estrelas e muitos outros.
Os principais diretores da primeira geração da Nova Hollywood também são estudados desde antes de se tornarem nomes famosos na indústria: Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola, Warren Beatty, Stanley Kubrick, Dennis Hopper, Mike Nichols, Woody Allen, Bob Fosse, Robert Benton, Arthur Penn, John Cassavetes, Alan Pakula, Paul Mazursky, Bob Rafelson, Hal Ashby, William Friedkin, Robert Altman e Richard Lester. A segunda geração de diretores ficou conhecida como a das escolas de cinema, dos chamados “moleques do cinema”: Martin Scorsese, Steven Spielberg, George Lucas, John Milius, Paul Schrader, Brian De Palma e Terrence Malick.
Atores que se destacaram desde logo na Nova Hollywood: Jack Nicholson, Robert De Niro, Dustin Hoffman, Al Pacino, Gene Hackman, Richard Dreyfuss, James Caan, Robert Duvall, Harvey Keitel e Elliott Gould. Atrizes: Barbra Streisand, Jane Fonda, Faye Dunaway, Jill Clayburgh, Ellen Burstyn, Dyan Cannon e Diane Keaton.
Peter Biskind acredita que muita da energia que impulsionava a Nova Hollywood vinha mesmo da cosmopolita Nova York, cidade que é desde sempre referência para grande parte do universo cultural americano e de onde muitos dos novos nomes do cinema dos anos 1970 vieram. Ele afirma ainda que ninguém crê que haverá na história do cinema americano outra época tão efervescente como a daqueles anos – chamada por muitos de Era de Ouro. E escreve:
“Foi a última vez que Hollywood produziu um bloco de filmes arriscados e de alta qualidade — em vez de uma rara e solitária obra-prima —, que eram impulsionados por seus personagens e não pela trama, que desafiavam as convenções tradicionais de narrativa, que desafiavam a tirania da correção técnica, que quebravam os tabus da linguagem e do comportamento, que ousavam ter finais infelizes. Eram ilmes frequentemente sem heróis, sem romance, sem — para usar o jargão esportivo, que se tornou onipresente em Hollywood — alguém “por quem torcer”.”
Pois é, mas tudo isso acabou um dia e no início dos anos 1980 os estúdios tinham novamente recuperado o poder que durante cerca de dez anos andou pelas mãos daqueles brilhantes cineastas. Deles todos, dos que permanecem em atividade, Woody Allen parece ser o único que consegue levar à frente seus projetos autorais ainda hoje em dia e muitos deles se tornaram ótimos filmes. É preciso ler o livro de Peter Biskind para saber o que aconteceu com os demais protagonistas mas certamente o culpado não foi o rock and roll. Então, se interessar, veja os filmes e leia o livro.
Lido entre 12 e 26/02/2014.