Renan Barcelos 02/02/2016
Mais um Livro que se perde no meio do caminho
A muito conhecida adaptação cinematográfica de Identidade Bourne marca o estilo e o tema da maioria dos livros de Robert Ludlum: histórias de espionagem e guerra. Gêmeos Não Se Amam segue essa linha clássica do autor, mas, diferente da trilogia de Jason Bourne, busca um escopo mais ambicioso: mostrar uma trama conspiratória que atravessa gerações de uma família. No entanto, a execução da ideia ficou aquém do esperado, e o que Gêmeos Não Se Amam apresenta é uma trama que aos poucos vai perdendo o propósito e parecendo cada vez mais desfocada.
O que move a obra são as crenças pessoais e os extremismos a que elas podem levar. O livro abre com uma viagem misteriosa feita por monges da Ordem de Xenope, uma seita grega ligada ao cristianismo, em meio às incertezas do início da Segunda Guerra. O objetivo da missão secreta desses religiosos era esconder um cofre que continha documentos importantíssimos que, devido ao seu conteúdo controverso, poderiam dividir o mundo cristão e iniciar conflitos que iriam favorecer o Terceiro Reich. Esses documentos, carregados por um trem vindo de Salônica, são entregues para um italiano pouco temente a Deus, mas disposto a ajudar na tarefa dada a periculosidade da situação. Savarone Fontini-Cristi é esse homem. O patriarca de uma família abastada de capitalistas italianos, mas que trama contra o fascismo.
Savarone, um personagem de breve aparição, mas ainda assim bem definido em suas convicções, acredita que devido a sua riqueza e importância para o setor industrial italiano, sua família estaria imune a possíveis represálias de Mussolini. No entanto, não contava que o país seria completamente controlado por nazistas que, sabendo através de um padre católico do grande segredo que os Fontini-Cristi guardavam, executariam sumariamente toda a sua linhagem. Esse é o momento que dá fim a introdução da família Fontini-Cristi e que passa o foco para o que seria o protagonista da primeira metade do livro.
O único sobrevivente, Vittorio Fontini-Cristi, primogênito de Savarone, ouve as enigmáticas últimas palavras do pai moribundo, sem saber o peso que elas teriam. A partir daí ele precisa fugir da Itália, onde o seu nome está marcado, e acaba chegando a Londres com ajuda da inteligência britânica, acabando por se tornar um agente de um dos setores. No entanto, o mistério do paradeiro do cofre do trem de Salônica lhe persegue, bem como fanáticos religiosos católicos e da Ordem de Xenope, crentes de que ele possui a informação que buscam. E, mesmo em meio à guerra, até mesmo setores do governo britânico se esforçam para conseguir arrancar a informação de Vittorio, agora Victor Fontine.
Os percalços do trajeto de Vittorio são narrados com maestria por Ludlum, que apresenta descrições boas tanto sobre os ambientes, quanto sobre os comportamentos dos personagens. Para quem tem o costume da leitura, podem ser agradáveis as passagens comentando sobre a situação dos países devido à Segunda Guerra e como os conflitos vão se desenvolvendo. O trajeto do último dos Fontini-Cristi, de um empresário competente, mas mole, para um agente da inteligência britânica é um processo crível e não existem muitos exageros sobre as capacidades dos personagens. Diferente de muitas personagens de espionagem, Vittorio não é um mestre na arte da matança. A maior parte no que diz respeito a esse protagonista é completamente crível, e seu papel no setor de inteligência - treinar pessoal infiltrado e implementar planos de “desorganização” para prejudicar os processos burocráticos alemães, é feito com bastante comedimento, sem passar a impressão de que o personagem é alguma espécie de super-herói. O que não quer dizer que Vittorio não veja sua dose de ação. Ele recebeu treinamento em uma unidade militar, afinal de contas.
Ao longo da história, Vittorio começa a perceber os eventos estranhos que lhe cercam. Ele logo descobre a existência do cofre de Salônica e do legado maldito deixado por seu pai, uma herança que ameaça a sua vida e também a daqueles que ele ama. Ele descobre que foi manipulado durante muito de seu percurso e que sofreu atentados tanto por parte de governos quanto a mando de extremistas religiosos. Pouco a pouco, ele começa a encarar uma situação da qual preferiria fugir como uma missão que precisa enfrentar. Essa mudança de resolução é gradual e comedida. O personagem é bastante humanizado e a evolução de suas convicções e ambições não causa estranheza.
Portanto, chega a ser estranho como a história dá uma guinada e cai vertiginosamente no que seria a sua suposta qualidade. Após alguns capítulos, depois que Vittorio enfrenta severas provações e percebe o escopo de uma conspiração muito maior do que ele, a trama acelera mais de quatro anos, praticamente indo para o final da guerra. Muito se perde nesse momento, pois o clima e o histórico da Segunda Guerra mundial misturados com a paranoia e o desenvolvimento de Vittorio eram os grandes triunfos do livro.
Apesar da perda, a história continua seguindo num bom ritmo, ainda que prejudicada. O leitor pode ficar se perguntando o por quê do título Gêmeos Não Se Amam. Um possível parentesco entre Vittorio, ou talvez Savarone, e algum dos antagonistas pode ser levantado. Mas pouco a pouco a teoria vai ao chão. O que acontece é que Vittorio, enfurecido, traído e determinado a por um fim em tudo, retorna à antiga mansão de sua família, determinado a ter um embate contra seu nemesis e por um fim em tudo aquilo. E então a história inteira desanda.
Pouco depois da metade da obra, Gêmeos Não Se Amam mostra que a história a ser contada não é inteiramente a de Vittorio, mas também a de seus filhos, Andrew e Adrian, que herdariam o seu legado de se meter em conspirações. No entanto, diferente do que aconteceu com o pai, os gêmeos não são bem trabalhados e não significam absolutamente nada para o leitor. Talvez pouco a pouco eles possam criar algum interesse, mas imediatamente é como se fosse outra obra com outros personagens que nada representam para o que já passou.
É um sentimento um pouco frustrante. Passar a se interessar pelo trajeto de um protagonista apenas para depois vê-lo ser substituído por outros que não interessam. É como se tudo o que passou na primeira metade do livro não tivesse mais significado, pois, de fato, para a história subsequente pouco importa que tenham sido lidas as aventuras de Vittorio. Os detalhes importantes são passados aos seus filhos e os pormenores da vida do pai não chegam a ter qualquer influência sobre a trama dos gêmeos. Trama esta que gira em torno do embate entre os dois irmãos e que, tirando algumas cenas de confronto emocional e ideológico entre os dois, sequer vale a pena ser mencionada.
A literatura é uma das mídias mais propícias para que sejam contadas histórias que atravessam gerações. No entanto, tudo o que Gêmeos Não se Amam consegue é apresentar uma trama fragmentada que se perde no meio do caminho. Uma história não é importante para a outra. Fossem mudados alguns detalhes, acrescentados outros, poderiam perfeitamente ser dois livros diferentes. E não existe em Gêmeos Não se Amam nada como uma gratificação de se ler duas tramas em uma só. A sensação que fica é de que mais da metade da obra não passou de perda de tempo e que Ludlum foi completamente falho em trabalhar a sua proposta. Tivesse fechado a história com Victor Fontine, conseguindo ou não encontrar o cofre de Salônica, o livro ainda valeria de alguma coisa. Não foi o caso.
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