Pandora 28/03/2019A gata, um homem e duas mulheres
Gosto muito de livros assim, em que a história parece muito simples, mas na verdade é um estudo do ser humano e suas relações.
Os personagens em “A gata, um homem e duas mulheres” são tão vis! A começar pelo homem em questão, Shozo. Mimado e infantil, é totalmente manipulável. Diz que ama a gata Lily, mas permite que ela seja doada duas vezes, por capricho das mulheres à sua volta. Até fisicamente Shozo é infantilizado: um gordo bonachão e preguiçoso que só quer saber de comer e brincar com sua gata, sem assumir as responsabilidades profissionais, da casa e do casamento. Sua mãe, com quem mora, é aquela que o filho procura para todo tipo de plano ou conselho e que se aproveita disto para fazer conchavos e direcionar o filho na direção que julga mais conveniente.
Fukuko, a nova mulher, é fútil, aproveitadora e inconsequente: não se importa de se casar com Shozo por escolha de seu pai e de sua sogra, desde que seu pai continue bancando seus caprichos e diversões.
Shinako me parece a menos pior: é uma moça trabalhadora, que foi expulsa de casa pelo marido para que ele pudesse ficar com Fukuko; quando casada com Shozo odiava e maltratava a gata por ciúmes e após a separação decide persuadir a nova esposa a lhe dar o bichinho com a intenção de atrair Shozo, mas acaba se afeiçoando verdadeiramente ao animal.
No meio disso tudo está Lily, a gata que serve de joguete nas mãos de todos e que, privada da convivência com outros gatos - já que todos os frutos de suas várias ninhadas foram doados -, e de ter uma vida calma ao lado de Shozo - que a ama, mas aceita desfazer-se dela -, se torna indiferente a tudo e envelhece a olhos vistos.
Acho importante observar que o comportamento submisso e a personalidade manipulável de Shozo permitem que até o ser que ele mais ama sofra as consequências de sua omissão. No caso é uma gata, mas poderia ser qualquer outra coisa.
O cortador de juncos
“O cortador de juncos” começa com um passeio do primeiro personagem (narrador sem nome) por um lugar histórico; é contemplativo e cheio de citações de história e obras japonesas, o que é muito interessante e abre novas possibilidades de pesquisa e leitura, mas é também uma parte mais difícil para quem não tem conhecimento da cultura japonesa. Com a chegada do segundo personagem, o contador de um triângulo amoroso que envolveu seus pais e sua tia, a leitura se torna dinâmica e atrativa.
Oyu é uma jovem viúva, por quem um membro da família Serihashi se apaixona à primeira vista. Ela é bonita, sofisticada e muito mimada por todos e embora não seja nobre, vive como se fosse. Após a morte do marido, ela continua a viver com a família dele e por terem um filho, reza a tradição que ela honre a memória do falecido e não se case de novo. Sendo assim, o apaixonado decide se casar com a irmã dela, Oshizu, para poder estar perto de Oyu.
Aqui, como na primeira história, são as mulheres as figuras fortes e dominantes; até mesmo Oshizu, a irmã que se sacrifica pela felicidade da outra, ao impor o celibato ao marido, o faz com veemência.
Uma característica importante na obra de Tanizaki é a amoralidade: triângulos amorosos, suicídios, relações fora do casamento, fetiches, tudo é contado de forma direta e sem julgamentos. Li “Voragem”, do autor, e os temas são uma constante.
Recomendo para os leitores que desejam sair do lugar-comum e explorar novas formas de escrita e cultura. Todos os livros de autores orientais que li eu gostei, em maior ou menor grau, e me fizeram ampliar minha visão de mundo.