Léo 06/02/2017
Fantástico, apreciável, diferente e questionador
Interaja com a sua alucinação... desperte-se! Esse artigo visa trazer ao conhecimento dos leitores, a gama de essência humana, cultural e social contida no livro Histórias Loucas de um Mundo Tresloucado, com um síncrono de contos, minicontos e microcontos, todos significativos, que levam o leitor, muitas vezes, à origem de todos os questionamentos internos — sobre si próprio, o "eu" escondido e controverso —, e externos — a visão duradoura sobre os aspectos do mundo e universo, ou lépida e finita. A sensação ao ler as composições escritas por Luciano Otaciano, literato pensador, colaborador do Marcas Literárias há tempos, e também por minha pessoa, que tive a honra de aceitar seu convite para, juntos, confeccionar, exprimir e dedicar à obra aos seguidores do site e aos loucos de plantão, é arrepiadora em certos instantes, causando um êxtase incomum mas mutável, que desembaraça as ideologias e queima as expectativas a todo novo conto, que transfigura as personagens mas mantem a cerne contextual. Ler Histórias Loucas e, desde as primeiras páginas, apreciar o sabor do medo, do desconhecido e da loucura invadir o psicológico e tornar-me parte das protagonistas desconfiguradas, é concluir com lucidez que até mesmo o abstrato é uma representação fantástica da realidade, e altera com facilidade os valores existentes no meio social. Apesar de o título sugerir a manifestação de relatos loucos da vida, não é bem por aí — ou somente por aí — que os autores caminham. Como dito anteriormente, um encadeamento simultâneo de asserções agrega à obra reflexos de narrativas à exemplo e estilo de nomes como H.P. Lovecraft — nas elucidações fantasmagóricas e instantes góticos, como acontece em "A chegada de Haurus" —, Max Blecher e Charles Bukowski — conceituando e poetizando átimos sobre a vida, a existência e as incertezas, como acontece em "Depois da morte" e "Memórias alma navegante" —, e José Mauro de Vasconcelos — num estilo sutilmente tresloucado, como acontece no conto "Samuel e o pé de jacarandá". Em termos, a leitura joga o leitor para os extremos das sensações: se faz fluente mas, em seguida, altamente questionável; agrada mas concebe um eclipse de incertezas para com ele próprio; é direta mas transforma toda a objetividade em raciocínios perduráveis mesmo após o término da leitura. Por fim, são certamente composições bem trabalhadas. A releitura, desta vez, me trouxe surpresas... pois as impressões não são iguais às da primeira vez, são ainda melhores.
Um dos pontos mais atraentes e, talvez, prioritários da obra, é a representação do fim, em suas variadas formas. A morte é uma das mais usadas pelos autores, como em um ciclo interminável e divergente de possibilidades limiares. O "Além", aqui interpretado comumente por inferno, purgatório ou, simplesmente, "vazio", torna-se um dos personagens mais desafiadores do livro, aquele cujo eu, você e os demais intérpretes, precisamos confrontar a todo instante na tentativa de triturar o medo, estimular a coragem e resgatar a liberdade psicológica. Como na esfera do terror, o sangue é um dos membros da vértice da obra, e se une à loucura de maneira perfeita. A insensatez momentânea desequilibra os personagens e carrega, até para os leitores, as incertezas sobre o início de tudo — do Universo, da existência, do ser e do imaterial.
''O corajoso rapaz, ao abrir os olhos, levantou-se sutilmente e avistou em seu horizonte um alto e brilhante anjo... Confuso com as palavras do anjo, declinou o olhar atraído pelo encanto das flores e, num rápido instante, o ser etéreo desapareceu.''
A parte psicológica do livro, revolve, com façanha, os estímulos comportamentais de cada personagem em cada situação. De início, somos apresentados a um sisudo e rico senhor que, repentina e inexplicavelmente, tem sua importância afanada por uma dama misteriosa, todos, seguindo seus meros destinos. A partir de então, figuras científicas, históricas, religiosas, sobrenaturais, culturais, astrológicas, filosóficas e mitológicas se agrupam com um único objetivo, o de priorizar a independência psíquica do leitor. Isso fica bem claro também na arte de capa do livro, onde os elementos desenhados deixam o leitor bem à vontade para interpretar e imaginar, a seus modos, o que encontrarão nas páginas. Os contos têm um valor conotativo muito grande e o contexto geral de cada um, expressa a beleza das composições. Há como perceber isso nas citações de figuras famosas colocadas ao início dos contos, como as de William Shakespeare, Edgar Allan Poe, Albert Einstein e Mário Quintana. Percebe-se claramente que, mais do que um livro classificado em apenas um gênero, Histórias Loucas reúne vários modelos de maneira a alinhá-los dentro da fantasia. Os contos não são interligados, porém, parecem se unir do início ao fim. A ordem é perfeita e parece criar uma espécie de degradê de categorias.
''Meu corpo gela. Sinto-me como um verme dentro da neve enegrecida de London. Mark é o seu nome, mas ele não precisa me dizer. Neste momento, torno-me parte do menino. Sei, em questão de segundos, suas dores e segredos.''
A mescla de habilidades narrativas dos autores acontece com naturalidade. Em momentos, Luciano pensa e expressa-se como Leonardo, e vice-versa, internalizando uma maneira universal de escrita, o que deixa a leitura ainda mais intuitiva, elegante e fiel. O palpável e o abstrato se encontram, se confrontam, se misturam e criam um universo misterioso e díspar. Em "Não se esconda aí", personagens e cantigas populares criam um reflexo social um tanto sombrio. Em "A troca", uma metáfora famosa reconstrói os desejos e mostra o lado bom e ruim do ser humano. "Opúsculo mágico" é um quadro perfeito de demonstração de isolamento social, inteiramente simbolizado num mundo fantástico. Uma situação comum será encontrar elementos surpresas e personagens ocultos em cada composição, até mesmo nos microcontos, como em "Jalaliel" e em "Revérbero". O "eu" contido na obra é, ora direto, ora indireto, ocasionando um mútuo reflexivo.
''— “Actum!” – gritou o homem ao seu ouvido, após abaixar-se. – Essa inocente alma é para o senhor, mestre dos mestres. Ofereço-lhe em troca de muito poder e glória – disse orgulhosamente, olhando para os céus.''
Uma das façanhas foi utilizar a figura do amor de um modo diferente do comum observado em outros livros. Aqui, os personagens também amam, mas de uma maneira um pouco diferente do habitual. Amam suas loucuras, suas tristezas, suas perdas, de modo a não querer deixá-las de lado. O amor e sua deformidade é um dos ápices mais agradáveis que já vislumbrei em um livro. Ao contrário do que comumente faz em seus textos, Luciano Otaciano consegue expressar-se sobre o amor de forma invertida, mas coerente. Apesar do âmbito sucinto, os autores foram capazes de criar e colocar à prova, o lado belo e descontente dos gêneros, à confrontar-se um com o outro, porém, de forma delicada. O terror se depara com a fantasia e uni-se a psicologia. A religião caminha ao lado da ciência que, por sua vez, apega-se à filosofia. Astrologia, arqueologia e astronomia se tornam irmãs em Histórias Loucas de um Mundo Tresloucado.
''... voou, aproximando-se a cada segundo da esfera brilhante, que aumentava sua potência calorosa a cada milésimo. O queimor nas espessas escamas do animal também acrescia. Após o voo, ao chegar num ponto de onde não era mais possível seguir, ele viu um buraco negro que girava continuamente no sentido contrário ao dos ponteiros de um relógio...''
Ler a obra é certeza de bons encontros com seus próprios personagens interiores, que nascem, ganham, riem, gritam, choram, perdem e morrem... Os instantes diretos durante a leitura destas 30 composições são capazes de fazer o leitor se aventurar em uma realidade, talvez, ainda não vista por alguns. Na premissa, o querido poeta e roteirista Emídio Penariol pede claramente para que os leitores se permitam acreditar no inevitável e no improvável, no real e no fictício, para que deem liberdade às suas loucuras. Isso é altamente recomendável para que a escrita flua de maneira perfeita. As narrações são práticas, e os elementos fantásticos inseridos na esfera inconsciente da natureza humana, desalinham o consciente e o transforma no que chamamos de loucura e medo.
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