Bruna Rios 15/05/2023Por que borboletas?Sempre fui fascinada por biografias. Autobiografias são meu ponto fraco. Afinal, quem melhor para narrar sua própria jornada do que você mesmo. Sabemos, no entanto, que autobiografias não são confiáveis. Nossa mente nos prega peças, nossa memória é um retalho de fatos objetivos vistos por nossa lente subjetiva. Nossas emoções dão o tom e o significado a nossas vivências. Muitas vezes até mesmo memórias falsas podem ser criadas por experiências afetivas ou mesmo esquecidas pelo seu potencial para a dor.
Com essa disposição a autobiografias, iniciei “A roda da vida” da psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), mundialmente famosa por seu livro “Sobre a morte e o morrer” (1969), no qual descreve suas experiências com pacientes terminais (termo que hoje vem sendo substituído por outros como “pacientes em fim de vida” ou “paciente em vulnerabilidade extrema”). Esses pacientes, como nos mostra Kübler-Ross através da sua experiência, tem muito o que ensinar principalmente aos profissionais de saúde que são responsáveis pelo seu cuidado e que evitam falar sobre a morte.
Não se pode falar sobre a obra sem falar sobre o autor. Elisabeth foi a primeira de trigêmeas, era uma coisinha frágil que pesava menos de 1 quilo, mas que abriu caminho as outras duas e sobreviveu apesar das poucas chances. Para se tornar médica, seu grande sonho, precisou lutar contra seu pai que tinha planejado outro destino para ela. Traçou seu próprio caminho. Muitos foram os reveses e desafios em sua jornada.
Elisabeth se voluntariou a ajudar sobreviventes nos países devastados pela guerra. Na Polônia, visitou o campo de concentração Maidanek, próximo a cidade de Lublin, naquele que viria a ser um dos principais campos de extermínio nazistas. Ao visitar os alojamentos, observou gravado nas paredes nomes, iniciais e desenhos. Entre os desenhos notou que em toda parte um deles se repetia. Borboletas. Por quê? Qual, afinal, a resposta para essa pergunta. Por quê? Por que borboletas? Hoje, não à toa, a borboleta é a representação simbólica dos Cuidados Paliativos. Como a metáfora na qual nosso corpo seria um casulo que aprisiona a alma e quando morremos nos tornamos uma linda borboleta, enfim, livre da dor.
Diante tantas vezes do morrer, Elisabeth Kübler-Ross passou a se perguntar sobre a existência da vida após a morte. Ouvia relatos de pacientes que passaram por EQMs (experiências de quase morte), pacientes que estiveram clinicamente mortos e tem lembranças e vivências antes de serem reanimados e trazidos de volta.
Quando Elisabeth relata suas experiências com a espiritualidade e contato com entidades sobrenaturais, ela testa nosso ceticismo e nossa perspectiva diante daquilo que não temos respostas. Talvez, como muitos de nós, ela quisesse tanto responder à pergunta “o que acontece depois que morremos” que estivesse disposta a ir a qualquer lugar que lhe desse a mínima pista. A visão subjetiva acerca de sua espiritualidade aqui apresentada incomoda, nos faz desacreditar, até mesmo pensar em desistir de ler o restante do livro. Será que não deveríamos nos perguntar o porquê dessa ojeriza ao tema? Somos céticos que só acreditamos com provas e mesmo diante das provas, não acreditamos?
No mais, não precisamos realmente acreditar, afinal, a realidade é sempre a realidade psíquica. É a roda da vida Elisabeth Kübler-Ross. São os pensamentos, as memórias e os desejos dela. Só posso dizer o quanto aprendi ao ler esse livro e ser grata por isso.
“A vida termina quando acabamos de aprender tudo o que temos que aprender” (p.176)