Marcus 20/02/2024A versão do "outro lado"As chamadas Cruzadas ocorreram entre os séculos 11 e 13. Foram grandes expedições religiosas e militares de inspiração cristã que partiram da Europa Ocidental. Sua motivação declarada era resgatar a Terra Santa e a cidade de Jerusalém, na época sob domínio dos muçulmanos, considerados infiéis; o objetivo era conquistar cidades e mantê-las sob controle cristão. A Primeira expedição foi convocada pelo papa Urbano II em 1095, e o termo cruzada surgiu por conta da cruz que os cavaleiros usavam em suas roupas.
Esse é o enfoque mais explorado pelo cinema, por exemplo. Para entender um pouco melhor o quadro que se desenrola nessa região conturbada do planeta, li este livro que já estava na minha estante há tempos: “As cruzadas vistas pelos árabes”, do escritor libanês Amin Maalouf.
Interessante nesse livro publicado em 1983 é que o autor não foca exclusivamente em uma análise ideológica ou mesmo das motivações de cunho religioso, mas se ocupa principalmente com o relato dos avanços militares, conquistas e recuos a partir de fontes árabes. Entre os anos de 1095 e 1272, o mapa político do planeta era outro. Nove expedições marcharam para cidades do que hoje são Turquia, Síria, Iraque, Líbano, Palestina, Egito e Israel, entre outros países. A obra revela, também, que a ambição por riqueza andava junto com a causa religiosa. Na tomada de Constantinopla durante a Quarta Cruzada, em 1204, os cruzados destruíram ou roubaram várias obras de arte gregas e romanas. Caso dos quatro cavalos de bronze em tamanho natural, que hoje enfeitam a Basílica de São Marcos em Veneza.
Foi uma longa sucessão de cidades sitiadas, batalhas e banhos de sangue. Quase que invariavelmente, quando uma cidade fortificada caia nas mãos dos cruzados, sua população era massacrada: não-soldados, mulheres e crianças. O livro cita um registro do cronista normando Raoul de Caen, após a conquista da cidade de Maara (hoje Síria) pelos cruzados famintos: “... os nossos faziam ferver os pagãos adultos em caldeira, fincavam as crianças em espetos e as devoravam grelhadas”.
Divisão entre diferentes interesses dos soberanos locais, conflitos entre grupos, mesmo dentro de famílias, facilitaram a dominação dos cruzados, que durante séculos conquistaram cidades, pilharam suas riquezas e mantiveram controle político e militar. Uma anotação de Ibn al-Athir, uma das principais fontes citadas por Maalouf, dá o tom do que foi a frágil defesa frente aos invasores: “Os sultões não se entendiam, e é por isso que os franj puderam apossar-se do país”.
“As cruzadas vistas pelos árabes” é uma leitura com muitos personagens, figuras históricas, nomes e localidades, o que exige atenção. O que me choca é que há quase mil anos decapitavam impiedosamente inocentes, mulheres e crianças levando uma cruz costurada às costas. Quase nove séculos se passaram, e parece que a humanidade não aprendeu nada.
site:
https://www.youtube.com/c/BichodePrata