Pedro Páramo & Chão em Chamas

Pedro Páramo & Chão em Chamas Juan Rulfo




Resenhas - Pedro Páramo & Chão em chamas


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Arsenio Meira 31/10/2013

As Chamas de Pedro


Lembro que me causou espanto o fato de o grande escritor mexicano Juan Rulfo ter publicado apenas dois livros, ambos na década de 50. Passou os 30 anos seguintes explicando o branco que lhe toldou o ofício: Antes, tinha o vôo, mas cortaram minhas asas. Perdi. Perdemos todos.

Seu amigo e tradutor para o português Eric Nepomuceno conta, no prefácio da edição isolada de "Pedro Páramo", que ele julgava não ter escrito mais nada que valesse a pena publicar. Hoje, a quantidade de páginas das obras publicadas sobre sua obra é muito, mas muito maior, do que sua obra propriamente dita.

Já havia lido "Pedro Páramo", o que equivale 50% da obra do mais importante dos escritores mexicanos. Sim, porque ele só publicou o romance citado e o livro de contos "Chão em Chamas." Ambas foram reunidas nesta primorosa edição desferida pela editora Record no ano de 2004. E nada mais escreveu. E nem precisava.

Os contos que compõem "O Chão em Chamas", fazem jus ao título: logo no primeiro, "E nos deram a terra", a evocação dolorida de uma gente sem nada, miserável, paupérrima. Não soa como panfleto. É um painel do desespero, dos que nada recebem e quando recebem (o que é tao trágico ou mais), permanecem sem nada, "pois na terra não há coelhos nem pássaros. Não há nada (...) tanta e tamanha terra para nada, (...) Porque nos deram esta crosta de terra seca e dura que nem pedra para a gente semear?.

É triste, e mais ainda se considerarmos que os contos foram escritos por volta dos anos 40, 50 e o cenário - de lá pra cá - não evoluiu. A espontaneidade da narrativa causa mais impacto, ou mal-estar, pois existem passagens fortes, os contos falam das ruínas familiares ante a opressão econômica. E escrever sobre tais temas sem cair no discurso repetitivo, sem ceder ao tom de catilinária, reclama destreza e um agudo senso literário, atributos que Rulfo soube cultivar como poucos.

Já "Pedro Páramo", seu único romance, é considerado como o livro precursor do realismo fantástico. Não é pouco. O Romance de Rulfo lançou todas as premissas do gênero.

E não foi nenhum crítico ou teórico a afirmar isso pela primeira vez. O próprio Gabriel García Márquez admitiu em mais de uma ocasião que a obra de Rulfo abriu os caminhos pelos quais ele mesmo triunfou logo em seguida. A Comala mítica do romance mexicano, onde os raros viventes convivem sem sustos com os mortos, em tudo lembra inesquecível Macondo de "Cem anos de solidão," por exemplo.

Para o leitor familiarizado, não é difícil reconhecer isso, porém a releitura do romance só sedimentou a minha primeira impressão: o enredo reflete mais o realismo propriamente dito do que seu derivado, o denominado realismo fantástico, nesse pequeno grande romance.

Em parte, porque já não é tão espantosa assim a comunicação entre mortos e vivos sem necessidade de médiuns ou sacerdotes. Nossos mortos estão dentro de nós, determinando muitas das nossas ações, das nossas palavras, das reações diante das adversidades, dos nossos silêncios.

Em Comala, a violência é a ferramenta dos donos da terra, dos senhores que mandam e desmandam, que matam para reforçar e construir seu poder. Pedro Páramo é tanto um coronel alagoano, um senhor de engenho pernambucano ou o seu equivalente mexicano, e por aí afora.

O Romance oferece muitas leituras. Sua estrutura, pequenos fragmentos com narradores que se sucedem ou se alternam, deixou de queixo caído seus colegas escritores e os críticos da época. A história, o lugar e os personagens vão se construindo aos poucos. No início, isso não fez muito sucesso entre o público, mas logo se tornou um dos livros em língua espanhola mais lidos e traduzidos do mundo.

Uma das leituras possíveis do romance está no contraditório personagem que dá nome ao livro. Assassino sanguinário, violador de meninas e completamente perdido, impotente frente à loucura da mulher que ama. Páramo, que possuía a cidade, uma imensidão de terra, que possuía tudo que se pudesse conseguir de maneira que não nos sobrasse nenhum desejo, fica inerte e paralisado diante da mulher amada.

A insanidade dela elimina qualquer tentativa de Páramo; dilacerada pela patologia que lhe fulmina toda e qualquer noção de realidade, Susana, a personagem, transforma o coração e o desespero desse homem monstruoso em remorso e sombra. Humano, demasiadamente...
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MK 03/08/2010

o melhor de Rulfo
Estes dois livros são impressionantes. O primeiro um mergulho fundo na incursão à morte de um protagonista através de vidas ressecadas pelo contexto em que se viram obrigados a transitar. Aridez e solidão desenhadas a carvão.

O segundo, uma coletânea de contos que são cortes muito precisos em vidas insólitas ou desprovidas de cor e satisfação. O cenário é sempre tão personagem quanto todos os demais. Rulfo usa diálogos com uma precisão incrível. Seus começos são um impacto bruto que nos sugam para dentro dos contos.

Um conto preferido? Difícel. Mas para não ficar assim tão vago, escolho "Na madrugada" por conta das imagens lindas que começam a história: "As nuvas da noite dormiram sobre o povoado buscando o calor das pessoas. Agora o sol está para sair e a neblina se levanta devagar, enrolando seu lençol, deixando fiapos brancos em cima dos telhados."
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