O Acorde de Tristão

O Acorde de Tristão Hans-Ulrich Treichel




Resenhas - O Acorde de Tristão


2 encontrados | exibindo 1 a 2


Ricardo Rocha 11/08/2011

O cuidado com a arte é cuidado com a caráter. Na tradição recente da
literatura alemã, uma sátira à ultimas conseqüências técnicas sem
prescindir de conteúdo – embora ler isso seja estranho. Por amor à
melancólica literatura que conhece o que veio antes e pode portanto
imaginar o que vem depois, sabe que a palavra pode ser muito ou nada e
nem depedenderá dela. E tudo que está ligado nesse acorde pode se soltar
num futuro que se antecipa sem que lhe seja garantida sobrevida. Ae o
amor à vida pacata e as tentações da metrólope, no fundo tanto faz,
porque nada se segue ao acorde, que parece vir de um abismo – nada,
exceto o silêncio.
comentários(0)comente



jota 06/09/2015

Música para os olhos
O Acorde de Tristão, o título, tem a ver com a ópera Tristão e Isolda, de Richard Wagner, concluída em 1858 ou 1859 (há divergências). Embora trate de música erudita, não é exatamente sobre ópera que o livro versa, pelo contrário.

Com o acorde de Tristão ou simplesmente “TC” (Tristan chord), Wagner apresentou ao mundo “uma nova ideia musical: a perpetuação da tensão obtida por uma sucessão em que apenas uma das dissonâncias criadas pelo acorde anterior é resolvida, mantendo-se a outra dissonância ou criando-se uma nova.” É isso que tem a ver com o romance de Treichel: as dissonâncias, a tensão que nunca desaparece, os círculos que não se fecham, as situações que jamais se completam, os problemas que são resolvidos apenas parcialmente, etc. Embora a maior parte do tempo Treichel trate dessas questões com extremo bom humor, de forma satírica (senão tudo seria extremamente aborrecido, não?). Sátira e bom humor também estão bastante presentes em O Perdido, outro livro dele, excelente.

Outra característica do autor: à maneira de José Saramago, ele escreve parágrafos longos, de muitas páginas. Este volume de 157 páginas tem um único capítulo, que é dividido em apenas sete parágrafos. Da mesma forma, tem poucos personagens. E o principal deles é Georg Zimmer, um jovem alemão educado e culto, mas provinciano e sonhador. E algumas vezes bastante ingênuo.

Georg acaba de se formar em literatura e tem a sorte de receber de uma editora a incumbência de revisar a autobiografia de um gênio (fictício) da música erudita. Ele é o maestro Bergmann (seu primeiro nome nunca é dito), o mais famoso compositor alemão de música erudita vivo. Graças a esse trabalho, Georg ganha a oportunidade de conhecer – sem dela participar diretamente, no entanto, – a elite cultural mundial.

Partes da história são passadas na Alemanha, na Escócia, na Sicília e em Nova York. Na metrópole americana o deslumbramento de Georg atinge seu nível mais elevado e termina por fornecer matéria-prima para Treichel apontar o dedo para as diferenças entre o continente europeu e a América. Ao mesmo tempo em que faz isso, ele nos delicia com as observações e os medos de Georg na grande cidade. O rapaz reflete: com o que gastou numa única refeição num restaurante nova-iorquino, ele comeria a semana inteira no refeitório de sua escola alemã. A corrida de táxi com o motorista paquistanês de turbante e tudo, é outro prato saboroso que Treichel nos oferece. E são vários...

No início do livro a ação se concentra numa pequena localidade escocesa e além de Bergmann e Georg, também está presente o mordomo multitarefa do maestro, Bruno (que em tempos passados havia servido Maria Callas e Aristoteles Onassis, vejam só). Mas antes disso, do encontro entre Bruno, Bergmann e Georg, conhecemos, ainda na Alemanha, o pequeno mundo do estudante, seus interesses, seus esforços para se tornar músico – são várias páginas muito engraçadas acerca de sua relação com a flauta doce e depois, com a descoberta da música dos Beatles e da guitarra elétrica, entre outras coisas (várias delas impagáveis).

Já na Escócia, quando entram em cena o excêntrico e sofisticado maestro e seu fiel e curioso mordomo, a narrativa simples e engraçada cresce em tom e volume e se transforma numa sátira das mais formidáveis - e nesse ponto o livro se parece bastante com o outro livro de Treichel, o já citado O Perdido. Até mesmo seu final, que naquele livro como neste, vai parecer desconcertante para alguns leitores.

Um dia, depois dos dias escoceses, de volta à rotina de estudante de literatura alemã (prepara seu doutorado sobre o esquecimento na literatura), Georg é chamado a Nova York, a pedido do maestro, para rever alguns pontos de seu trabalho, acertar algumas arestas. "Nova York! A cidade que todos sonham conhecer - ninguém mais quer ir a Paris, Roma, Madri", ele pensa. A temporada na "capital do mundo", vai calar fundo na alma do rapaz. Não apenas por conta do mundo novo que passa a conhecer in loco ("Ah, Manhattan!"), mas porque é lá também que ele vai se aproximar mais intensamente de Mary, rica e bela jovem, colaboradora do maestro, por quem caiu de amores. Ele acredita que Mary ainda virá corresponder aos seus sentimentos. Irá revê-la algum tempo depois na Sicília, na villa de Bergmann, onde se encontrava para finalizar de vez seu trabalho para o maestro. E aí então...

Aí então somente lendo o livro. Um livro verdadeiramente de mestre, com muitos trechos saborosos, que fazem nosso cérebro sorrir de contentamento. E repito o que o crítico literário do Die Welt disse na contracapa do livro: “Treichel é um dos poucos mestres de fato entre os escritores alemães da atualidade.”

Lido entre 20 e 22/11/2011.
comentários(0)comente



2 encontrados | exibindo 1 a 2


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR