@chrisoliveira 24/04/2017
Um final impactante.
Valentim é um retirante da seca que sai da fazenda onde trabalhava com sua filha Soledade e seu filho adotivo Pirunga, e os três acabam pedindo emprego na fazenda Marzagão, de propriedade de Dagoberto, um senhor de engenho viúvo que tem um filho estudante de Direito, Lúcio, que, no começo da história, está passando férias com seu pai na fazenda. Logo Lúcio e Soledade começam uma relação de amizade onde ambos tem interesses mais profundos, mas nenhum dos dois consegue tomar a iniciativa e falar de forma clara sobre seus sentimentos e anseios, o que dificulta muito o desenvolvimento da relação.
Soledade é retratada como a menina-mulher que chama a atenção dos homens por sua beleza e usa disso para brincar com todos (e esse foi um ponto que me incomodou bastante, mas dentro do contexto social da época é perfeitamente compreensível que existisse essa visão da mulher fatal e irresistível que levava os homens a cometerem loucuras por seu amor). Lúcio é o clichè do bom moço do sertão que sai da fazenda para estudar e retorna nas férias para aprender a lidar com os negócios do pai.
Assim começa um verdadeiro vai – não vai entre Soledade e Lúcio, que não chegam a consumar o seu amor porque o rapaz tem medo de desonrar a moça e não ser capaz de assumir o romance, o que deixa Soledade bastante ansiosa e impaciente, pois ela quer ter um relacionamento estável. Assim, Lúcio volta para a cidade e deixa Soledade ainda mais angustiada.
Acontece que boatos sobre Soledade fazem com que Valentim desconfie de que alguém está seduzindo sua filha e, ao confrontá-la, ela acaba por acusar uma pessoa da fazenda que se torna vítima de Valentim. Este vai preso e pede a Pirunga que tome conta de sua filha. Lúcio, que tinha voltado para a faculdade, retorna para a fazenda e anuncia ao pai sua paixão pela moça, mas é surpreendido por revelações que o farão desistir de seu amor.
Pirunga descobre quem é o verdadeiro autor da desonra de Soledade e, num ato de vingança por ciúmes, o mata, e também atenta contra a integridade física de sua irmã de criação.
Os anos passam e Lúcio retorna para a fazenda, casa-se, tem seus filhos e um final emocionante traz um desfecho impactante para o leitor.
É um livro difícil, com um ar teatral no qual o autor não usa de muitas descrições, parece que as personagens tomam vida própria e estão ali "vivendo suas vidas", e o autor está apenas contando fragmentos de uma história que não tem motivo para ser profunda, visto que é a mesma que se repete em ciclos no interior de muitas outras fazendas do sertão nordestino.
O estudante comparou a mentalidade do engenho, resíduos da escravaria, os estigmas da senzala, esses costumes estragados com a pureza do sertão.
E sentia que, com o andar do tempo, se estupidificava nesse meio execrável.
Enquanto o narrador em terceira pessoa usa uma linguagem rebuscada, a fala das personagens enche o livro de regionalismo que requerem um glossário para auxiliar na compreensão do texto, que acompanha a obra ao final do livro.
- Eu estava canso de avisar. mas o freguês tinha nó pelas costas, era cheio de noves fora. Aí, dei de garra do quiri. O bruto entesou. Aguento a primeira pilorada - lepo! - no alto da sinagoga. Arrochei-lhe outra chumbergada. aí, ele negou o corpo, apragatou-se, ficou uma moqueca. E veio feito em riba de mim. Arta! danado! Caiu ciscando, ficou celé!... Foi pancada de morte e paixão. Vá comer, terra!... Fugiu na sombra e levou um tempão amocambado.
A escrita também está impregnada de lirismo, que pode confundir um pouco o leitor, mas é tão poética e bela que vale o esforço:
Não! a mulher que ama é a que diz menos, porque é a que mente mais.
Só a mulher que sofre diz tudo num grito de dor.
A minha maior dificuldade foi conseguir deduzir o que o narrador estava contando porque a escrita se desenvolve de forma a não deixar claro os acontecimentos, e o leitor só descobre o que de fato aconteceu no capítulo seguinte, quando dá-se o resultado da cena anterior. Isso é uma característica da escrita do autor, que pode cansar um pouco, mas os fatos podem ser deduzíveis, então a leitura flui através das cenas entrecortadas.
Eu gostei bastante, para mim foi uma experiência de leitura diferente, muito interessante, e senti empatia com muitos personagens, conseguindo me colocar no lugar de cada um e entender o rumo da história, que é perfeitamente possível, dando um traço de realidade.
Fica aí a minha dica fortíssima de livro nacional, que não é muito conhecido, de um autor um pouco esquecido, mas que merece toda a nossa atenção e carinho.
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