Luan 11/08/2017
Profundo, complexo e reflexivo, "As primeiras quinze vidas" é um livro que precisa um pouco do esforço do leitor para se tornar incrível
O que você faria se tivesse mais que uma vida? Se renascesse do mesmo ponto da vez anterior? Mas isso não acontece. E é justamente aí sobre isso que trata As primeiras quinze vidas de Harry August, de Claire North. Ou seja, a gente tem apenas uma chance pra viver e ser feliz. Bem construída, a obra mostra o talento da autora com a escrita. De forma geral, é um livro que começa bem, se torna uma pouco entediante e finaliza em grande nível. O livro me deixou bastante reflexivo e satisfeito.
A complexidade do livro é tão grande que até se torna arriscado fazer uma resenha. Resumidamente, Harry August é o protagonista da história e uma das raras pessoas do mundo que tem um curioso e diferente dom: renascer depois de toda vez que morre. A vida, ou o início dela, é sempre praticamente o mesmo: ele nasce na mesma mãe, no mesmo lugar, vai parar na mesma família, que não é a dele... e assim vai. O livro vai resumir um pouco das quinze vidas do protagonista, com uma pitada de aventura, já que a história começa com um arriscado aviso: o mundo está acabando e essas pessoas, chamadas de kalachakra, precisam reverter a situação.
Portanto, nota-se que o livro traz um história sobre viagem no tempo mas diferente das habituais com máquinas e coisas do tipo. Aqui, em função desse renascimento rotineiro, os personagens conseguem passar mensagens para as demais pessoas pois se lembram da vida anterior. Eu realmente estou desistindo de entender as regras para viagem no tempo, pois a cada livro que leio, algo diferente é acrescentado e eu fico cada vez mais perdido. Prefiro escolher apenas curtir a história, caso seja boa.
Neste caso, o livro é ótimo, mas com algumas ressalvas. Vamos lá. Apesar do início promissor e da escrita da autora ser ótima, passada as primeiras páginas, o livro se torna um pouco tedioso. Não que seja repetitivo por narrar várias vidas de um mesmo personagem, pois ela vai mudando, logo, há sempre alguma novidade. Mas o livro, de forma geral, é uma obra de memória. Ou seja, o protagonista narra, em primeira pessoa, vários momentos da vida dele e não há, até a metade, um plot principal, não criando uma empatia com o leitor. Outra ressalva é que, apesar de ter gostado do encerramento do livro, ele me pareceu um pouco corrido, me deixando com um gosto de quero mais, mas no sentido de mais explicações.
Mas basicamente, as ressalvas são estas, pois a história, por si só, já é convidativa com uma premissa que recicla um recurso literário manjado, ou seja, a viagem no tempo. A obra é bastante profunda e reflexiva. A construção de mundo e dos personagens foi muito cuidada pela autora. Penso no quanto Clare demorou para pesquisar todos os detalhes, pois certamente o livro demandou de muito estudo. Especialmente o protagonista, mas vários outros personagens foram bem construídos. Se você analisar calmamente, verá isso. Mas como é uma obra, em geral, de memória, isso pode não ficar tão evidente, uma vez que são situações vividas pelo próprio Harry, que é muito inteligente e carismático.
Soma-se a isso ainda os diálogos bem construídos. Eles são bastante naturais. Isso deixa o livro mais palpável e passa aquela verdade que toda obra deveria passar, mas nem sempre consegue. Detalhista, o livro não cansa pelas explicações, pois elas não são chatas, monótonas ou desnecessárias. Pelo contrário, sempre vem a acrescentar. Também é de espantar como a autora não deixa escapar detalhe algum pois tudo tem interligação ao longo da obra. Mas é a partir da metade até o fim que a história convence. O plot do "fim do mundo" começa a acontecer e as páginas passam a ser devoradas facilmente. Harry é, por diversas razões, incumbido de deter esse potencial "vilão", e essa luta, que quase poderia ser do bem contra o mal, é muita gostosa de acompanhar.
Confesso que fazer esta resenha é uma tarefa, de certo moto, difícil, pois, ao mesmo tempo que tenho muito a falar, me faltam palavras pra expressar todos os sentimentos em relação a esta obra. As ressalvas encontradas na história me incomodaram bastante, a ponto de repensar a continuidade da leitura. No entanto, toda a qualidade e profundidade de um livro que eu tanto preso esteve presente ali. Com um ritmo de leitura bastante ágil, mesmo se tratando de um livro reflexivo e profundo, As quinze vidas de Harry August – livro único, para nossa alegria -, não foi uma perda de tempo. Vencedor de um importante prêmio da literatura, é, definitivamente, uma história que merece ser lida, especialmente pelo talento da escritora.