CarlosLopeSh 27/02/2018A abolição da escravatura socialista soviéticaConcluí a sua leitura e bati palmas, de pé! :)
Esse excelente clássico do jornalismo tem como epicentro a era Gorbatchóv (1985-1991), porém as sete décadas do Socialismo na União Soviética, desde a sua implantação pelo Partido Comunista até a sua derrocada, são abordadas pelo autor de uma forma reveladora.
A obra é apresentada através da narrativa muito bem elaborada dos fatos históricos expostos a partir de entrevistas e do testemunho do autor e é dividida em 5 partes. Ela inicia inserindo o leitor na Perestroika, onde a necessidade de resgatar a história real provoca um ziguezague constante entre passado e presente, estabelecendo os devidos vínculos causa-efeito. Ela vai mostrando, na segunda parte, toda a realidade da União Soviética socialista, a igualdade do povo na pobreza e a casta privilegiada dos comandantes do Partido (para derrubar uma casta do poder, o Socialismo implanta uma ainda mais forte e mais agressiva, obviamente!). O leitor vai caminhando na terceira parte pelos dias revolucionários, não só os que levaram o Partido ao poder, mas os que o levaram também à sua derrocada! A quarta parte trata de um tema resumido em uma palavrinha muito usada atualmente pela Esquerda no Brasil: o golpe! Entretanto, trata-se de um golpe de verdade, um golpe de Estado, conduzido pelos linhas-duras do partido vermelho que não queriam largar o osso! Engraçado é ver os Socialistas sendo chamados de direita-extremista e reacionária, enquanto os adeptos à democracia e à abertura ao Capitalismo, de revolucionários (será que o Leandro Karnal chamaria os Socialistas como sendo de uma direita delirante? hehehe). Um golpe que durou 3 dias e que, mesmo com o uso de um aparato de guerra, fora um fracasso pela combinação de confusão, estupidez, embriaguez, falta de convicção, erro de cálculo e acaso (a bendita chuva!). Finalmente, chegamos na última parte para conhecermos o fiasco de um capitalismo primitivo (que arruinou a economia das repúblicas agora independentes, causador de uma nova forma de corrupção e máfia e motivador da diáspora de 25 milhões de russos para o estrangeiro), implantado de forma desastrosa num país onde o Socialismo estava inscrito a ferro e fogo na cultura do povo;
O autor, David Remnick, é um jornalista americano. O cara se garante, minha gente! Demonstra ser um entrevistador persuasivo e cativante que consegue extrair informações de pessoas que viveram a história em todas as fases do Socialismo soviético. Além desse feeling jornalístico, ele tem uma habilidade excepcional como escritor: produz uma estrutura textual bem elaborada, com a seriedade de um historiador mas também com o uso de um humor inteligente, combinado com uma ironia perspicaz!
Muito interessante é que a obra de George Orwell, 1984, é citada muitas vezes, já que ela acaba por tornar-se uma espécie de chave de leitura para a realidade histórica do socialismo soviético: o ministério do amor (KGB e a espionagem), o controle da História (através dos livros e da escola com partido), os falsos números de prosperidade, as crianças espiãs que entregavam seus pais, a novilíngua, o culto ao grande irmão Stálin (os comunistas tinham o seu canto vermelho com a foto de Stálin para ser adorada, roubando o lugar de Deus). Cara? tudo isso do livro do Orwell realmente aconteceu e é apresentado de uma forma documental! Minha Nossa Senhora... Foram mais de 50 milhões de pessoas assassinadas e outros milhões de pessoas escravizadas!
"Aviolência como um instrumento da luta de classes foi o ponto comum entre Lênin e Stálin; o romantismo revolucionário do primeiro, levou ao genocídio promovido pelo segundo;" (pág. 382)
Bem, o Mortimer Adler, no seu excelente livro Como Ler Livros, tem razão: um livro de História aproxima-se mais do estilo ficção que do estilo científico, haja vista tratar-se da narrativa de uma ou mais tramas, com personagens diversos. O leitor deve deixar que a trama aflore as suas emoções; deve tornar-se íntimo dos personagens e do contexto.
Sério? Gostei demais de O Túmulo de Lênin! Deparei-me com uma porção de emoções: bom humor, em muitas das narrativas que mais parecem crônicas; espanto e terror, diante das atrocidades cometidas pelo Partido Comunista em nome do poder e da mentira da igualdade de classes; suspense, ansiedade e triunfo em muitas tramas narradas, sobretudo quando da resistência ao golpe de Estado! Além de tudo isso, as surpresas e o prazer em adquirir novos conhecimentos, reduzindo drasticamente a minha ignorância da história, referente a esse contexto.
Concluí a leitura com uma convicção ainda maior de que a dependência ao Estado, assim como a ilusão de venerar políticos de estimação são espécies de escravidão. Observando o mundo real, os exemplo do passado, não as utopias teóricas, fica claro que devo buscar sempre a minha liberdade individual, não deixando que os grupos dos quais eu me encaixo roubem a minha capacidade de raciocínio crítico: é bom e necessário ser um dissidente em certas ocasiões!
Carlos Lopes