Queria Estar Lendo 04/05/2017
Resenha: A Traidora do Trono
A Traidora do Trono, sequência de A Rebelde do Deserto, traz de volta toda a adrenalina e narrativa inesquecíveis que tinham me ganhado no primeiro volume. Mas, agora Alwyn Hamilton joga com outras cartas. Aqui, temos o inimigo da rebelião em destaque, e a certeza de que a guerra pela liberdade será mais perigosa do que eles imaginavam.
Seis meses se passaram desde os eventos finais do primeiro livro. Amani está mais unida à rebelião do que nunca, disposta a tudo para que os ideais revoltosos se expandam pelo deserto e destronem o cruel sultão. Um imprevisto coloca Amani como prisioneira do sultão, e ela precisa conviver com a realidade da corte, do harém e do controle que o cruel governante impõe caso queira sobreviver e retornar para a rebelião.
"Lendas nunca são o que se espera delas, e eu não era exceção."
Se A Rebelde do Deserto foi um livro emocionante, cheio de boas cenas de ação e reviravoltas surpreendentes, A Traidora do Trono deixa ele no chinelo. Recebido em parceria com o Grupo Companhia das Letras, as 440 páginas que compõem essa obra conseguem desenvolver uma trama ainda mais impressionante que a do seu primeiro volume. Segundos livros costumam sofrer uma maldição por serem o intermédio, por precisarem dar continuidade ao mesmo tempo em que desenvolvem um caminho para o fim. Esse foi o tipo que marca, que te deixa sem fôlego e que te leva a devorar cada capítulo até chegar ao seu final.
"Era isso que o deserto fazia. Transformava as pessoas em sonhadores armados."
Amani continua uma protagonista fantástica. O que ela tem em personalidade e coragem também tem em medo e hesitação. Distante dos rebeldes, depois de ter sofrido um atentado pouco tempo antes, ela confronta ideias que rebatem tudo pelo que a rebelião lutava. Seria o governo do sultão tão ruim assim? Ou é a revolta de Ahmed que sonha com coisas impossíveis? Amani vivencia um cerco emocional em sua prisão no palácio, destituída de companhias amigáveis e confiáveis, precisando sobreviver através da própria astúcia. O sultão a tem na palma de sua mão, mas Amani é inteligente. Ela sabe jogar com suas verdades; sendo uma demji, não pode mentir, mas isso não significa que não pode enganá-lo.
"Lembrei de algo que Shazad me dissera uma vez: se puder ficar fora do campo de visão do seu inimigo, ele sempre vai imaginar que você tem mais força do que realmente tem."
O desenvolvimento dos seus temores e dúvidas funciona muito bem dentro da história. Ela está vendo o mundo por outros olhos, cercada pelas riquezas do harém, das noivas do sultão e dos ideais apaixonados que ele discursa. Ao mesmo tempo, está ouvindo sobre os levantes ao longe, sobre a luta dos seus companheiros pela tão sonhada liberdade. Amani permanece em uma corda bamba quanto às crenças, mas seu coração é rebelde e indomável como o deserto ao qual ela pertence. Independente dos jogos psicológicos e de poder que o sultão faça com ela, Amani é fiel à liberdade.
Sua dinâmica com Shazad - que ainda mantém-se escondida sob farsas e enganações - foi a minha favorita. A amizade das duas evoluiu a uma coisa poderosa, o tipo de irmandade que protege e salva e se apoia quando mais precisa. Shazad é sua melhor amiga, uma irmã de outra mãe. Alguém que entende o espírito arisco e ansioso de Amani, que responde com calmaria e com cuidado. Shazad, inclusive, continua uma das melhores personagens dessa história! Ela é força e destemor, decisões sagazes e riscos bem medidos. Onde Amani é brusquidão, Shazad é sensatez. Eu adoro como a narrativa a coloca ao lado do príncipe rebelde, um braço direito necessário para um líder que sonha tão alto.
Como eu amo as mulheres desse livro! Além de Amani e Shazad, a força feminina existe em cada personagem que aparece. Das manipuladoras às heroínas, seus traços são muito bem escritos e desenvolvidos. É o tipo de livro com um leque de empoderamento, que fala sobre os diversos tipos de forças que precisamos e queremos ler cada vez mais. Um grande exemplo foi o da personagem Shira; para não spoilar demais, apenas digo que ela tem uma das cenas mais impactantes e poderosas dentro da história, o tipo que marca a leitura e te faz parar um instante para respirar fundo e pensar "uau".
Ahmed tem grandes momentos dentro do livro, ainda que apareça muito mais como o nome de uma luta do que de fato nas cenas. Sua rebelião cresce entre os reinos de tal forma que se torna uma ameaça velada, o tipo que pode destronar o sultão caso ele não tenha cuidado. E aqui temos duas forças muito inteligentes batendo de frente. Pai e filho que se conhecem e se entendem, que sabem buscar fraquezas um no outro. Mas, para o sultão, lidar com a crueldade é parte do jogo, e Ahmed ainda busca opções mais pacíficas. O que diferencia esses dois líderes é a maneira com que lideram; um é o terror, outro é o cuidado. A maneira com que a autora apresenta tais ideais te faz questionar sobre o lado certo na guerra, e é genial como ela desenvolve essa culpa que se estende sobre os questionamentos.
Jin, como pilar que se tornou de Amani, ainda é meu bebê precioso. Amedrontado por perdas, ele se torna uma sombra em um momento imprescindível na vida de Amani, mas a sensação que fica o tempo todo é de que seu coração e alma estão ali por ela. Sempre estarão. Eles são dois, mas lutam como um. Acreditam nas mesmas coisas, aceitam os riscos por elas. Jin é um garoto com um pouco de covardia e muito de bravura, uma promessa de paz à qual Amani anseia para o futuro. Ao lado dela, o príncipe bastardo tem momentos emocionantes e gloriosos, do tipo que te faz se jogar de cara no chão para gritar.
Dois novos personagens ganharam o meu coração para todo o sempre, e foram Sam e Rahim. O primeiro tem uma participação tão importante que vou me ater em sua descrição, mas saiba apenas que ele é um menino puro, bastante ganancioso que cai de paraquedas na rebelião e acaba aceitando fazer parte dela. Uma ajuda inesperada e bem-vinda para Amani. E o outro é um dos filhos do sultão. Rahim batalhou no exército e comanda uma grande legião de soldados; tal como Ahmed, é gracioso e sério, o tipo de pessoa que guerreia tão bem quanto discursa. Tal como Jin, tem sorrisos sutis marcantes e um humor latente bem peculiar. E, tal como o sultão, suas reais intenções e filiações na guerra são enigmas até o momento em que se tornam óbvias.
"Ele era um soldado na sua essência. Não, não um soldado. Um comandante."
A narrativa brilhante prende desde o primeiro capítulo. É o tipo de livro que arranca seu fôlego e seu coração, que termina capítulos com aqueles cliffhangers pesadíssimos que te arrastam para mais e mais, obrigando você a se esquecer da vida até terminá-lo. É um livro sobre continuidade, sobre o que a rebelião está se tornando e promete se tornar. Tem um final arrebatador, um acontecimento marcante que grita sobre a grandiosidade do último volume.
"- Meu filho é um idealista. Eles são ótimos lideres, mas nunca se saem bem como governantes."
A questão da mitologia é muito mais explorada em A Traidora do Trono. Toda a questão com a magia dos djinnis e suas ligações com seus filhos, as heranças que são passadas, as marcas mágicas e o que elas carregam, tudo é de vital importância para o crescimento da trama.
Edição impecável, encontrei alguns poucos errinhos de revisão, nada que incomodasse na hora da leitura. A rapidez da editora Seguinte em publicar o volume junto à publicação norte-americana me faz louvar aos céus; meu único problema continua sendo a lombada. Por favor, parem de fazer lombadas ao contrário, o meu TOC não aguenta!
Personagens fortes bem construídos e cenas de ação não faltam nessa trilogia. Alwyn Hamilton, eu te venero! Como disse, o fim deixa aberto uma reviravolta de cair o queixo, e as consequências dela para a rebelião serão os trilhos do último livro. O que a gente faz agora é sentar e roer as unhas até que ele chegue até nossas mãos.