Mauricio (Vespeiro) 17/07/2017O pior livro que já li na vidaSe a religião (e não propriamente a fé) envenena tudo, o que dizer quando combinada com desonestidade, hipocrisia, preconceito e covardia? “Porcos na Sala” é um compêndio de sandices como jamais imaginaria ler. Se sua proposta fosse ficcional, teríamos apenas um livrinho de quinta categoria, mal escrito, insosso, pueril. Mas os autores levam essa bizarrice a sério. Ou, ao menos, esperam ser levados.
[SPOILERS] O livro se propõe a ser um “manual prático de libertação”. Em outras palavras, um guia para exorcistas evangélicos, fundamentado em ideias que só podem ter sido tiradas de mentes insanas. Em resumo, os autores – dotados de uma convicção patética – procuram convencer o leitor (na verdade escrevem para os já convencidos) de que todas as dificuldades, problemas, amarguras, doenças da vida são obras de demônios. TODAS. Existe um (ou mais) demônio para cada situação que você passa. Exércitos de demônios, cidades tomadas por demônios, chuva de demônios, vai puxar a descarga, tá lá um demônio, vai tomar um café, use filtro para demônios. Tudo é endemoninhado. Mas não são aqueles demônios “conhecidos”, com nomes como Belzebu, Asmodeus, Baal, Belial, etc... São sentimentos, atitudes, desejos e tudo o que eles consideram em desalinho com seu pensamento puro voltado à perfeição e à santidade.
O texto defende esta ideia de forma tão infantil e desonesta, que é impossível terminar o livro sem nenhuma irritação (aliás, com o “demônio da inquietação” e muito provavelmente com o “espírito imundo da racionalização”). Sim, você que está lendo este texto, está endemoninhado neste momento. Mas eles têm a cura, a solução para TODOS os seus problemas, vez que TODOS os seus problemas são obras dos soldados de Satanás. Ou até mesmo do próprio Capiroto, cuja dedicação dependerá do tempo livre que surgir lá no Inferno.
Citações bíblicas dão autoridade ao que dizem, mas precisam ser interpretadas de acordo com sua própria engenharia de palavras. Ou seja, fundamentadas em nada, apenas mal ilustradas com uma argumentação capenga. Os demônios podem entrar em qualquer pessoa, segundo eles. Mas só saem se ela for crente. Se você anda nervoso com a crise, está endemoninhado. Perda de memória? Demônios! Está racionalizando demais? Que tal eliminar esses espíritos imundos da racionalização (acredite!) e se iludir um pouco? Tem feito muitas críticas? Estamos de olho no seu demônio da crítica! Qualquer doença? Que doença? São demônios... Tem uma fé diferente? Ahhh, esses são os piores demônios!
Mas, poxa, eu nem dou bola pra esse negócio de demônios, anjos, batalha espiritual e tal. Bom, segundo eles, então você já tá danado, pois é bem em você que os demônios mais gostam de entrar. Se o cara nasceu surdo e mudo, não é um problema congênito. É apenas um diabinho (“espírito mudo”) que resolveu se alojar logo nas cordas vocais enquanto o coitado do pecador era apenas um feto. Sim, demônios entram em qualquer coisa. Pessoas, animais, casas, objetos... Porém, tome cuidado. Existem animais que já vêm endemoninhados de fábrica, como as corujas e sapos! (Quanta estupidez!)
Eles não dizem por onde os demônios entram, mas todos saem pelo nariz ou pela boca. Uma boa catarrada no meio do exorcismo e adeus demônio! O livro vai “ensinando” como expulsar demônios de quem tem a mesma fé que os autores, passo a passo. Um capítulo merece uma especial atenção, onde eles apresentam uma lista (alertam que ela é apenas um exemplo e está incompleta) de grupos de demônios e quais demônios especificamente podem fazer parte destes grupos, pois eles nunca vêm sozinho, atacam em turma. É importante saber que algumas situações em que você já se viu envolvido são obras demoníacas, por exemplo (antes de cada item, coloque o termo “demônio do(a)”: censura, crítica, devaneio, fantasia, imaginação, pretensão, sofisticação, choro, tristeza, orgulho, sedução, suspeita, descontentamento, argumento, debate, ego, esquecimento, insônia, argumentação, esquizofrenia, ceticismo, descrença, qualquer doença ou enfermidade, confusão, espiritismo, cansaço, preguiça, vícios, nervosismo, perda de tempo, pressa, intelectualismo, racionalização, pena de si, timidez, solidão, decepção, medos, dor de cabeça, hipnotismo, arrogância, importância, ciúme, vaidade, desconfiança, desatenção, sensibilidade, vontade própria, religiões falsas e muito, muito mais. E quando falam de “religiões falsas”, são covardes a ponto de não citar nominalmente a religião católica (preferindo dizer “sociedades e agências sociais que usam a Bíblia e Deus como base, mas deixam o sangue e a expiação de Jesus de lado”).
Não acredita? É o “demônio do engano” que está obstruindo sua compreensão. Procure agora mesmo um exorcista!
Nota do livro: 3,26 (0 estrelas)